Policiais nicaraguenses removem jornalistas para impedir monitoramento de batida na casa da líder da oposição Cristiana Chamorro em Manágua, Nicarágua, 2 de junho de 2021. (Reuters/Carlos Herrera)

Uma crise de liberdade de imprensa se desenrola na América Latina

Natalie Southwick, Coordenadora do Programa para a América Latina e CaribeCarlos Martínez de la Serna, Diretor de Programas

Enquanto sobe a níveis recordes o número de jornalistas presos globalmente por seu trabalho, os casos dos que estão atrás das grades na América Latina continuaram relativamente baixos. Um total de seis – três em Cuba, dois na Nicarágua e um no Brasil – estava sob custódia por seu trabalho em 1º de dezembro, de acordo com o censo anual de 2021 do Comitê para Proteção de Jornalistas. Mas esta soma não conta toda a história do declínio da liberdade de imprensa na região.

Ano após ano, a cifra de jornalistas mortos em relação ao seu trabalho na América Latina superou o dos que estavam atrás das grades na época do censo de aprisionados do CPJ. Este ano não é diferente. Embora o total global de jornalistas assassinados tenha diminuído de 2020 para 2021, o México continua sendo o país mais mortífero para a imprensa do hemisfério ocidental. Até 1º de dezembro, o CPJ documentou nove casos de jornalistas mortos somente no México. Desses, três foram claramente alvo de retaliação por suas reportagens e o CPJ ainda está investigando os motivos do homicídio dos outros seis, assim como o caso de Jorge Molontzín Centlal, que está desaparecido desde março.

Mesmo esses números não capturam totalmente o potencial de violência que ameaça os jornalistas da região. Somente este ano, além dos mortos no México, Colômbia e Haiti, repórteres no México, Brasil, Colômbia e Haiti sobreviveram por pouco a atentados a tiros.

Embora a violência fatal continue sendo a principal forma de censura em países como México e Colômbia, as táticas para silenciar jornalistas na América Latina e no Caribe estão evoluindo, aparecendo em legislações e decisões judiciais em toda a região.

Após quase uma década estreitando seu controle sobre a mídia, o presidente nicaraguense Daniel Ortega e sua mulher, a vice-presidenta Rosario Murillo, responderam às manifestações nacionais em 2018 com um cerceamento sistemático da liberdade de expressão. A repressão se intensificou em 2021, com as autoridades perseguindo e detendo jornalistas e candidatos da oposição, banindo organizações da sociedade civil e fazendo rápido uso de novas leis criminalizando a expressão crítica e punindo meios de comunicação que recebem financiamento estrangeiro às vésperas das controversas eleições presidenciais de novembro que reconduziram Ortega ao poder por um quarto mandato consecutivo.

O jornalista esportivo e comentarista político Miguel Mendoza, e Juan Lorenzo Holmann, diretor-geral do jornal diário nacional La Prensa, passaram meses em prisão preventiva no notório presídio El Chipote, em Manágua. Mendoza enfrenta acusações de complô contra a integridade nacional, enquanto Holmann é acusado de lavagem de dinheiro e fraude aduaneira. A ambos foi negado o acesso a seus advogados e familiares. Os processos penais contra Mendoza e Holmann são alguns dos exemplos mais extremos da estratégia em curso das autoridades nicaraguenses de utilizar o sistema judicial para intimidar e punir as vozes críticas da imprensa.

Mendoza e Holmann estão encarcerados ao lado de presos políticos, incluindo o ex-jornalista que se candidatou à presidência, Miguel Mora, que passou 172 dias em El Chipote entre 2018 e 2019 depois que a polícia invadiu as dependências de Manágua do 100% Noticias, o meio de comunicação fundado por ele. As autoridades nicaraguenses convocaram dezenas de outros jornalistas para interrogatório e os ameaçaram com possíveis investigações criminais. Desde o início deste ano, dezenas de outros fugiram do país e foram para o exílio, deixando os nicaraguenses com um número cada vez menor de fontes de informações críticas e confiáveis.

Em Cuba, um dos poucos países da região que aparece regularmente no censo de jornalistas presos, atualmente há três encarcerados – um número que não descreve a maior quantidade de repórteres sujeitos a táticas regulares de intimidação que incluem interrogatórios e prisões arbitrárias de curto prazo, assim como esforços sistemáticos das autoridades cubanas para sufocar o jornalismo independente.

Quando os maiores protestos dos últimos anos começaram em 11 de julho e se expandiram para mais de 50 cidades em Cuba, as autoridades detiveram jornalistas, bloquearam a saída dos repórteres de suas casas e interromperam o acesso à internet e às plataformas de mídia social, como documentou o CPJ.

O jornalista cubano Lázaro Yuri Valle Roca, que cobre assuntos sociais e políticos em seu canal no YouTube, está em prisão preventiva em um presídio em Havana sob acusações de desacato e propaganda inimiga. As jornalistas Mary Karla Ares, repórter do jornal comunitário Amanecer Habanero, e Camila Acosta, correspondente do jornal espanhol ABC e colaboradora da Cubanet, encontram-se em prisão preventiva depois de serem presas quando cobriam os protestos.

As autoridades cubanas também tentaram reforçar o controle sobre os espaços digitais. Em agosto, novas regulamentações de telecomunicações criminalizaram ainda mais o conteúdo on-line e restringiram o acesso à internet em Cuba, o único país das Américas incluído na mais recente lista dos 10 Mais Censurados, publicada em 2019 pelo CPJ.

O uso de investigações criminais e leis repressivas – desde leis antiquadas de difamação até as recentes peças legislativas cada vez mais criativas visando as fontes de apoio financeiro aos meios de comunicação independentes – continua a ser uma tática eficaz para marginalizar e silenciar os jornalistas de toda a região.

No Brasil, o blogueiro de esportes e política Paulo Cezar de Andrade Prado está cumprindo uma pena de cinco meses de prisão por um caso de difamação que remonta a 2016. Prado enfrentou anteriormente diversos processos por difamação, e foi preso em 2015 e 2018 após processos penais por difamação, de acordo com a pesquisa do CPJ.

Em muitos lugares, apenas a ameaça de pena de prisão é o suficiente para transmitir um recado inquietante.

Este ano, autoridades em países das Américas, incluindo Brasil, Peru e Colômbia, moveram processos penais por difamação contra jornalistas investigativos, muitos dos quais relatavam sobre alegações de corrupção ou improbidade de funcionários públicos.

E a tendência rumo à legislação que pode ser usada para silenciar o jornalismo crítico – em nome da defesa da soberania nacional, da erradicação do discurso do ódio e da proteção da saúde pública – não dá sinais de acabar.

Em vista da pandemia da COVID-19, líderes nacionais e locais aprovaram medidas de resposta emergenciais que restringiram a capacidade dos meios de comunicação de informar livremente e a capacidade do público de ter acesso à informação, de acordo com um relatório do CPJ e do programa TrustLaw da Fundação Thomson Reuters. Seguindo os passos da Nicarágua, autoridades tanto na Guatemala quanto em El Salvador introduziram legislações que dariam aos governos nacionais mais controle sobre as atividades e o financiamento internacional das ONGs – incluindo organizações sem fins lucrativos ligadas à mídia. Com muitos líderes em toda a região assumindo uma postura cada vez mais hostil em relação aos jornalistas que os fazem prestar contas, outros países latino-americanos também podem seguir essa trajetória preocupante.