Nova Iorque, 7 de março de 2024 – Responsáveis da província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, devem retirar os comentários que acusam os jornalistas de conluio com terroristas e de publicarem notícias falsas e as autoridades devem permitir que os meios de comunicação social noticiem o conflito sem intimidação, disse o Comité para Proteção de Jornalistas (CPJ) na quinta-feira.
Num discurso público proferido a 17 de fevereiro na capital provincial de Pemba, o governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, acusou jornalistas e os media de fazerem “acordos” com terroristas e de estarem “em sincronia com terroristas”, de acordo com notícias publicadas.
Tauabo disse que a cobertura da região tinha um “cunho do mal” porque os pontos de vista dos jornalistas tinham sido “formatados pelos terroristas” e avisou os meios de comunicação social “para não criarem uma situação”, disseram essas fontes.
Numa entrevista radiofónica de 16 de fevereiro, Sidónio José, administrador do distrito de Quissanga, em Cabo Delgado, acusou jornalistas não identificados de “fabricar notícias falsas sobre terrorismo para traumatizar as comunidades”, segundo a revista privada Integrity Magazine e o capítulo moçambicano do grupo de direitos do Media Institute of Southern Africa. (Instituto de Comunicação Social da África Austral)
O governo tem vindo a combater uma insurgência ligada ao Estado Islâmico em Cabo Delgado desde 2017, que deslocou cerca de 1 milhão de pessoas. Em 2021, o Ruanda e os países vizinhos da África Austral enviaram tropas para apoiar o governo. Desde dezembro, uma nova onda de ataques obrigou cerca de 70.000 pessoas a fugir das suas casas, segundo dados das Nações Unidas.
“É alarmante que as autoridades de Cabo Delgado estejam a emitir ameaças contra os meios de comunicação social e a fazer comentários inflamados sobre jornalistas que já enfrentam altos níveis de risco na cobertura da insurgência em Cabo Delgado”, disse a coordenadora do programa do CPJ em África, Muthoki Mumo, de Nairobi. “O governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, e o administrador do distrito de Quissanga, Sidónio José, devem retirar os seus comentários acusando os jornalistas de conluio com terroristas e de fabricarem notícias. Em vez de intimidar a imprensa, as autoridades devem apoiar o jornalismo que os moçambicanos precisam para tomar decisões cruciais sobre as suas vidas.”
Um jornalista local que falou ao CPJ sob condição de anonimato, alegando receio de represálias, disse que as autoridades raramente davam respostas atempadas a questões jornalísticas sobre o conflito, criando um “vácuo de informação oficial que alimenta a desinformação sobre a situação de segurança”.
Outro jornalista, que também pediu para não ser identificado por questões de segurança, disse ao CPJ que a “narrativa de culpar os jornalistas pelas dificuldades no combate à insurgência” tem sido um problema para os media há vários anos.
Em 2020, o jornalista de rádio Ibraimo Mbaruco desapareceu depois de ter enviado uma mensagem a um colega dizendo que estava “cercado por soldados”. As autoridades ainda não forneceram uma informação credível sobre o seu paradeiro.
O jornalista de rádio Amade Abubacar e Arlindo Chissale, editor da Pinnacle News, especializada em reportagens sobre a insurgência, foram presos e acusados de terrorismo, em 2019 e 2022, respetivamente, enquanto faziam reportagens em Cabo Delgado.
As chamadas do CPJ para Tauabo solicitando comentários sobre o seu discurso público não receberam resposta.
Contactado através da aplicação de mensagens, José recusou-se a comentar, acrescentando que “só as instituições de defesa podem falar sobre a situação delicada na região”.