Polícia navega no rio Itaquaí, na terra indígena do Vale do Javari em Atalaia do Norte, estado do Amazonas, Brasil, em 10 de junho de 2022 (AP Photo/Edmar Barros)

Recomendações de Segurança do CPJ: Cobrindo a bacia Amazônica

O desaparecimento e o assassinato, em junho de 2022, do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista brasileiro, Bruno Pereira, evidenciou os riscos de segurança que jornalistas enfrentam quando fazem reportagens na região amazônica.

Phillips e Pereira desapareceram na manhã de 5 de junho de 2022 enquanto viajavam de barco pelo rio Itaquaí, onde Phillips fazia reportagem para um livro sobre a floresta amazônica. A abundância de recursos naturais, policiamento limitado e corrupção tornam a floresta amazônica um paraíso para criminosos. Reportar atividades ilegais pode ser perigoso.

O CPJ compilou orientações de segurança para jornalistas que planejam fazer reportagens na região e as melhores práticas para proteger sua segurança física e digital e a segurança de suas fontes.

Pré-planejamento da matéria

Saúde:
  • Fale com seu médico aproximadamente seis a oito semanas antes de viajar e discuta as vacinas e precauções necessárias contra doenças tropicais que são endêmicas na área que você está visitando.
  • A malária é comum em toda a Amazônia, por isso vale a pena conversar com um médico sobre a medicação mais adequada de prevenção da malária antes da partida. Observe que muitos desses medicamentos precisam ser tomados antes da partida para aumentar a proteção.
  • Verifique que todas as suas vacinas estejam em dia. A vacinação contra a febre amarela    é um requisito comum para a entrada em muitos países.
  • Certifique-se de ter um seguro adequado que cubra resgate e evacuação em caso de ferimentos graves e doenças.
  • Identifique hospitais e estabelecimentos de saúde onde você se apresentará e garanta que eles tenham instalações adequadas para cobrir lesões graves — esses estabelecimentos geralmente estão localizados longe das áreas rurais. Mesmo que um estabelecimento pareça próximo, considere o quão acessível ele é, pois pode ser de difícil acesso.
Comunicações e segurança digital:
  • O acesso à internet é extremamente limitado. Considere baixar mapas ou imprimir quaisquer recursos que você possa precisar antes de viajar para áreas remotas, pois o acesso a aplicativos ou serviços online será inexistente. No entanto, esteja atento ao transporte de material impresso que possa revelar informações sobre suas fontes ou intenções enquanto estiver na região, pois você pode ser detido em postos de controle ou pelas autoridades.
  • A conectividade ruim também pode afetar sua capacidade de navegação se você não estiver preparado. Não confie em aplicativos comuns de mapeamento, pois eles não são precisos e suficientes para a região. Certifique-se de que possui um bom sistema de navegação GPS e familiarize-se com o manual do usuário, caso não esteja acostumado a ele.
  • Crie um plano de comunicação detalhado com seus editores e, se aplicável, com consultores de alto risco para ter um procedimento realista de check-in, dada a limitação de conectividade e de sinal telefônico. Isso sempre pode ser alterado no campo após deliberação. Uma opção para mitigar isso é comprar um telefone via satélite com um plano de crédito antes da partida. No entanto, lembre-se de que as comunicações por satélite exigem um espaço claro de visão para o céu e a floresta fechada pode dificultar a operação.
  • Seja chegando do exterior ou viajando localmente, antes da chegada na região, certifique-se de que seu ponto de contato ou intermediário na Amazônia sabe onde e como encontrá-lo.
  • Tente viajar com novos aparelhos. Se isso não for possível, limpe seu aparelho atual para que ele inclua apenas conteúdo relevante para sua viagem, incluindo conteúdo de seu telefone, tablet e laptop, além de informações armazenadas em aplicativos. Proteja seus aparelhos com senhas e códigos de acesso. Limpe seu histórico de navegação em todos os seus aparelhos no caso de detenção ou prisão.
  • Faça backup de seus aparelhos num disco rígido (HD) externo ou na nuvem, mas evite armazenar contatos confidenciais lá e lembre-se onde você armazena essas informações, pois você pode ser detido em postos de controle ou pelas autoridades. Se o seu aparelho for confiscado ou algo for inserido nele, assuma que ele está comprometido e que qualquer informação foi copiada.
  • Fale com jornalistas locais para saber quais medidas eles tomam para proteger seus materiais ao viajar para dentro e fora da Amazônia.
  • Assegure-se de adquirir um power bank na sua chegada e antes de partir para a Amazônia. É provável que haja falta de eletricidade durante a sua viagem. Esteja ciente de que as companhias aéreas geralmente não permitem que você voe com bancos de energia.
  • Tenha consciência de que as fontes podem ter acesso limitado aos serviços de telefone e     internet, se houver. Isso cria atrasos no contato e no acompanhamento das fontes. Suas fontes também podem ter que viajar para pegar cobertura de telefone celular ou internet para receber suas chamadas.
Imagem aérea da floresta amazônica feita de um avião voando da cidade de Manicore para Manaus, estado do Amazonas, Brasil, em 10 de junho de 2022 (AFP/Mauro Pimentel)

Posicionamento, segurança do local e conscientização

Entrando em terras e territórios indígenas:

A autorização oficial das autoridades governamentais é muitas vezes obrigatória para entrar em terras indígenas. Se não for necessário, considere como prática recomendada solicitar permissão de comunidades indígenas. Isso indica respeito pela comunidade e pode levar à assistência durante o planejamento e reportagens.

Viagens e logística:
  • Dedicar tempo para preparar uma viagem de reportagem à Amazônia é fundamental. Tenha em mente que a logística e a segurança estão conectadas. Evite cortar custos, pois isso pode levar a uma maior exposição.
  • O planejamento e a preparação logística, bem como as avaliações de risco aprofundadas, devem ser feitos em conjunto entre jornalistas e os veículos de comunicação (editores, produtores, segurança etc.). Para mais informações, consulte o formulário de avaliação de risco do CPJ.
  • Não é aconselhável depender de transporte público. Pode ser escasso, pode não levar você  aonde você precisa ir e limita sua autonomia em termos de tempo e sua capacidade de sair de uma situação insegura.
  • Ao viajar pela estrada, saiba que as condições podem ser extremamente ruins. O uso de um veículo 4×4 é totalmente aconselhável. Dirigir nessas condições requer experiência; se você não tiver experiência em dirigir nessas condições, faça um curso “off-road” em seu país de origem antes de viajar ou procure viajar com alguém que tenha a experiência necessária. O risco de acidentes de carro é alto e você pode estar muito longe de uma unidade de saúde.
  • As viagens em áreas remotas são predominantemente de barco e, muitas vezes, por grandes distâncias. Balsas e barcos fluviais são formas populares de viagem, mas já houve incidentes de superlotação.
  • Ao alugar um barco, certifique-se de que ele seja adequado para viagens fluviais e que tenha equipamentos contra-incêndio/detecção, coletes salva-vidas e, se conveniente, barcos salva-vidas estejam disponíveis. Verifique também a experiência do capitão e confira se as licenças, documentação e seguro estão em ordem tanto para o capitão quanto para o barco. Assegure-se de que seu seguro pessoal cobre você para trabalhar em barcos.
  • Informe-se sobre os requisitos de combustível e o potencial de reabastecimento — não é incomum que os capitães calculem mal a disponibilidade de combustível na Amazônia. Se a embarcação tiver cabines, verifique se há detectores de monóxido de carbono (improvável) ou certifique-se de que as cabines sejam bem ventiladas.
  • Evite viajar à noite no rio, pois bancos de areia e detritos do rio (como troncos gigantes) são difíceis de ver após o anoitecer, mesmo que sua embarcação tenha sonar.
  • Na região, os criminosos que operam na água têm sido um problema. Certifique-se de que há um vigia na parte da frente e traseira da embarcação, inclusive durante a noite. Discuta com a tripulação o que eles fariam se os criminosos tentassem tomar a embarcação. Se abordado, é aconselhável entregar todos os objetos de valor sem briga.
  • Há falta de acomodação disponível e mesmo com recursos básicos como gás e suprimentos, a acomodação pode ser muito cara.
  • Recomenda-se comprar combustível extra para todos os tipos de veículos em uso e carregá-lo com você se estiver percorrendo distâncias maiores. Pode ser difícil comprar combustível em determinadas áreas, portanto, considere isso na sua fase de planejamento.
Tempo:
  • As inundações podem tornar certas áreas inacessíveis por longos períodos de tempo. Isso pode durar semanas ou meses, por isso é vital considerar as nuances climáticas para a duração da sua estadia (estação chuvosa/estação seca).
  • Mudanças no tempo também podem afetar sua programação diária e planos de viagem diários. Durante chuvas fortes, pode não ser possível viajar de barco e as condições da estrada podem ser impraticáveis. É aconselhável que você não se movimente com um cronograma apertado ao acessar locais mais remotos ou desafiadores e mantenha-se flexível.

Pode ser muito quente e muito úmido. Considere como essas condições afetam seu equipamento eletrônico e prepare-se adequadamente (consulte os conselhos sobre vestuário e equipamentos abaixo).

Importância de entender o contexto local/dinâmica de poder:

Existem muitos grupos com interesses cruzados ou opostos no Vale do Javari ou em outras partes da Amazônia. Há também conflitos internos dentro desses grupos. Esses grupos incluem (mas não estão limitados a):

  • Comunidades que vivem ao longo do rio
  • Povos indígenas
  • Grupos criminosos organizados que transportam itens como peixes, madeira, animais, drogas, pessoas e armas
  • Agronegócio
  • Mineração
  • Ativistas ambientais e/ou indígenas
  • Polícia/militares

De acordo com entrevistas de jornalistas da região, ameaças durante uma viagem de reportagem no campo são comuns. Elas podem ser “um sussurro”, um “recadinho”, um aviso, uma ameaça velada, ameaças agressivas diretas, uma arma apontada para seu rosto ou alguém dizendo abertamente que você deve sair imediatamente se não quiser morrer. Como interpretar a gravidade de algumas dessas situações e decidir o que fazer é um desafio, e informações sobre o contexto local são cruciais.

Por isso, é muito importante entender, em primeiro lugar, a dinâmica dos grupos e redes criminosas locais, regionais e internacionais que atuam na área e como eles estão interligados, bem como a conexão com o crime ambiental. As zonas fronteiriças internacionais têm peculiaridades próprias em termos de riscos e de funcionamento das redes criminosas. A fronteira tripla entre Brasil, Peru e Colômbia é uma rota para o tráfico internacional de drogas, o que acrescenta outra camada de risco.

Viajar e comunicar-se com indivíduos e fontes em risco

  • Para acessar determinadas áreas e entrevistar moradores sobre questões delicadas (como denunciar mineração ilegal ou outros crimes ambientais), jornalistas devem estar acompanhados por alguém que conheça bem a área e tenha a confiança das comunidades locais. Essa pessoa pode ser um líder local, ativista ou jornalista, e existe uma possibilidade real de que ela tenha sido ameaçada no passado. Considere se esse for o caso, pois você pode ser inadvertidamente exposto a ataques ou até mesmo se tornar um alvo por associação com o indivíduo. Se denunciar crimes ambientais ou violência contra comunidades locais, tenha uma estratégia antes de chegar aos suspeitos. Considere entrar em contato com eles depois de deixar a cidade ou a região, ao invés de enquanto ainda estiver vulnerável e exposto no campo.
  • Jornalistas precisam considerar a segurança de suas fontes, principalmente ao relatar crimes ambientais. Intermediários e fontes locais geralmente fazem parte das comunidades afetadas por esses crimes e podem ser expostos a mais violência quando as denúncias são publicadas.
  • As fontes na Amazônia podem estar sob vigilância física e digital, principalmente se estiverem trabalhando em questões relacionadas ao meio ambiente ou denunciando o crime organizado. Isso pode criar problemas de segurança para você e sua fonte, se você estiver marcando um encontro. Pense em quem pode estar observando suas fontes e qual capacidade tecnológica, dinheiro ou autoridade que elas podem ter.
  • Antes de se aproximar de um contato, certifique-se de ter tomado as medidas necessárias para proteger seus dados, contas e comunicações online. Veja nosso Kit de Segurança Digital para mais informações.
  • Se suas fontes tiverem acesso à internet, incluindo um smartphone, tente se comunicar com elas usando um serviço de mensagens criptografadas de ponta a ponta, como o WhatsApp. Saiba como ativar o desaparecimento de mensagens com suas fontes no guia do CPJ para comunicações criptografadas.
  • Ao entrar em contato com uma fonte por telefone ou SMS, esteja ciente de que suas mensagens e chamadas não serão criptografadas e, portanto, podem ser interceptadas ou solicitadas legalmente por governos.
  • Se você precisar entrar em contato com fontes por meio de um canal inseguro, mantenha o mínimo de informações. Sempre que possível, peça a um intermediário da comunidade para organizar reuniões para você. O ideal é que eles falem com suas fontes pessoalmente e não por telefone. Seu intermediário deve informá-lo de como e onde encontrar suas fontes pessoalmente.
  • Crie pseudônimos ao armazenar as particularidades de contato das fontes confidenciais e incentive-as a fazer o mesmo ao salvar suas informações nos aparelhos delas.
  • Siga as melhores práticas para receber e armazenar documentos. Saiba que você provavelmente terá acesso limitado à internet durante sua viagem, o que afetará a forma como você recebe, envia e armazena documentos.

Considerações legais

Ameaças legais preocupam jornalistas que atuam na Amazônia, principalmente aqueles que cobrem crimes ambientais.

  • Ao denunciar crimes ambientais, é possível que você enfrente ações judiciais de empresas poderosas. Qualquer coisa que você esteja publicando precisa estar blindado juridicamente imperscrutável e os jornalistas devem considerar que as empresas/indivíduos mencionados nas suas reportagens possam querer processá-los.
  • No caso de denúncias de crimes ambientais, recomenda-se buscar aconselhamento jurídico desde os estágios iniciais de preparação da matéria, não apenas para minimizar os riscos de ações judiciais após a publicação, mas também para evitar outros riscos legais durante a viagem de apuração.
  • Jornalistas relataram problemas ao fotografar propriedade privada e ao usar drones. Fique atento à legislação existente, especialmente regulamentando o uso de drones, para evitar problemas legais no campo.

Vestuário e equipamentos

A floresta amazônica pode ser um ambiente implacável para se trabalhar. A floresta é úmida, pegajosa e cheia de animais, grandes e pequenos, que podem causar sérias preocupações. Se você estiver viajando por uma longa distância e duração, seu kit pode precisar ser mantido no mínimo, então leve pouca bagagem. É uma boa prática ter dois conjuntos de roupas “molhadas” e um conjunto de roupas “secas”. Depois de um dia na selva, coloque suas roupas secas à noite e volte a usar suas roupas molhadas no dia seguinte.

Mochila:

É essencial andar leve quando estiver em movimento pela floresta. Adquira uma mochila adequada e confortável para suas viagens e compre “sacolas secas” de vários tamanhos para guardar seus pertences, pois o conteúdo ficará molhado.

O ideal é que tenha:
  • Um compartimento interno com zíper para documentos essenciais, chaves, telefone/telefone via satélite, aparelho de GPS (todos armazenados individualmente em sacolas secas)
  • Um compartimento externo com zíper para repelente de insetos, protetor solar e lenços umedecidos/lenços
  • Um compartimento principal
  • Um bolso lateral para sua garrafa de água (ou um bolso interno para uma bolsa de hidratação)
  • Outro compartimento de fácil acesso para seu kit médico pessoal. Confira se tem uma boa quantidade de pastilhas de purificação de água com você, caso fique sem água e precise usar a água de fontes locais. Um comprimido geralmente purifica um litro de água. Deixe ficar o tempo necessário para proteger contra doenças transmitidas pela água.
Vestuário
  • Um chapéu de viagem com aba e alça de queixo
  • Camisas e calças compridas. É aconselhável usar material leve e de secagem rápida, pois estará quente e você se molhará e permanecerá molhado enquanto estiver na floresta
  • Botas de caminhada com furos de escoamento para permitir a saída da água. Não use botas Gore-Tex, pois elas ficarão molhadas e levarão muito tempo para secar.
  • Meias de caminhada ou meias de algodão reforçado
Equipamento
  • Repelente de insetos. Dependendo de sua bagagem e alojamentos, você também pode levar um mosquiteiro para se proteger enquanto dorme. Você pode comprar redes simples ou duplas que são penduradas no teto
  • Uma rede

Para obter mais informações sobre recursos de segurança física, digital e psicossocial para jornalistas, visite a página de Emergências do CPJ.