Jean-Paul Marthoz/Consultor Sênior do CPJ
Os jornalistas portugueses estão cada vez mais preocupados com o crescente investimento e influência de Angola em seu país. Estimulados pelos petrodólares e diamantes, poderosos interesses angolanos lançaram-se em uma onda de compras em sua antiga potência colonizadora. O capital angolano investido em Portugal aumentou 35 vezes na última década, segundo as informações da imprensa. Em um processo muitas vezes descrito mordazmente em Lisboa como uma forma de “colonização inversa”, os angolanos não estão apenas devorando porções significativas nas áreas bancária, de telecomunicações e empresas de energia de Portugal, como também investindo no setor de mídia.
Uma fonte de preocupação é o grupo de mídia Newshold, empresa de propriedade da Pineview Overseas, companhia offshore sediada no Panamá cujos acionistas são poderosos angolanos, incluindo o magnata Álvaro Sobrinho. A Newshold controla o Sol, o terceiro maior semanário português, e possui participação em duas importantes revistas, Visão e Expresso, assim como no Correio da Manhã, o tabloide de maior circulação de Lisboa, e no jornal econômico Jornal de Negócios. Também expressou interesse no caso de o governo português eventualmente decidir privatizar a empresa pública RTP (Rádio e Televisão Portuguesa).
Muitos investidores angolanos são conhecidos por serem estreitamente ligados à comitiva presidencial de Angola e ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que tem dirigido o país sem interrupção desde a independência, em 1975. Isabel dos Santos, filha do presidente angolano José Eduardo dos Santos, é a principal investidora da companhia portuguesa de telecomunicações e multimídia ZON.
Esses investimentos provavelmente levantariam menos objeções se Angola fosse uma inspiração em matéria de liberdade de imprensa. Na verdade, Angola é um dos piores infratores em termos de liberdade de expressão. A mídia é estritamente controlada pelo partido no poder e os jornalistas independentes são perseguidos regularmente. Dez jornalistas foram assassinados por seu trabalho, com absoluta impunidade, desde que o CPJ começou a manter registros em 1992.
Conscientes de sua fragilidade econômica, as autoridades de Lisboa têm receio de perturbar o poderoso parceiro econômico, dizem jornalistas locais. “Falar de Angola tornou-se tabu em Portugal”, disse Raquel Freire ao jornal francês Libération na semana passada. Até o início do ano passado, Freire era colunista da Antena 1, canal de rádio da RTP. Seu programa, “Este Tempo”, foi cancelado depois que um de seus colegas, o internacionalmente aclamado escritor Pedro Rosa Mendes, criticou a RTP por ajudar Portugal a pintar um retrato lisonjeiro do regime angolano.
“O cerne da questão”, disse ao Libérationosubeditor do semanário Expresso, Nicolau Santos, “é que as autoridades de Luanda não aceitam que a imprensa portuguesa escreva artigos que não os agrade. Nós não temos o mesmo conceito de liberdade de expressão”.
A preocupação com a intrusão angolana surge em um momento de grande incerteza econômica em Portugal, onde a crise da zona do euro levou a uma ajuda financeira condicionada a profundos cortes orçamentários. No contexto dessas duras medidas de austeridade, a mídia tem sido golpeada, o que a deixa potencialmente mais vulnerável a pressões externas. “Em tempos com este, de crise profunda, é quando mais precisamos que a mídia possa fazer seu trabalho nas melhores condições” disse Sofia Lorena, do jornal Público, ao Deutsche Welle. “O que temos é exatamente o oposto. Todos os jornais de Portugal perderam dezenas de pessoas este ano”.
“Meios de comunicação sem dinheiro, ao menos alguns deles, acham que podem ser salvos pelo dinheiro angolano”, disse ao CPJ o membro do Parlamento Europeu representando o partido Verde, Rui Tavares. “Portanto, eles têm interesse em manter boas relações com Angola, o que leva à autocensura”, acrescentou Tavares, que é relator do Parlamento Europeu sobre liberdade de imprensa na Hungria.
“O fato de as autoridades portuguesas estarem de joelhos (perante os governantes de Angola) não ajuda”, acrescentou Santos, subeditor do Expresso. No entanto, se o governo português do primeiro- ministro Pedro Passos Coelho parece pronto a se prostrar diante de governantes de Luanda, outros agitam a bandeira da resistência. Nos últimos meses, o Expresso publicou uma série de reportagens expondo a corrupção de poderosas figuras militares e do governo angolano, provocando a retaliação imediata da mídia oficial angolana, que acusou as “elites” portuguesas de odiar Angola.
E, em fevereiro, promotores portugueses indeferiram um processo penal de difamação de nove generais angolanos contra o escritor angolano Rafael Marques de Moraes e sua editora portuguesa, Tinta-de-China, pelo livro ‘Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola’. Os demandantes estão prosseguindo com o caso em um tribunal civil, onde pedem 300 mil euros (US$ 387 mil) em danos morais por calúnia e difamação.
“Os meios de comunicação portugueses estão sob grande estresse para conter reportagens com informações negativas sobre Angola. A principal razão é que a mídia portuguesa tem forte impacto em Angola, onde o Estado tem controle sobre os meios de comunicação”, disse Marques ao CPJ. “Mas isso também serve aos interesses das elites dominantes em Portugal, pois eles podem usar algumas das atitudes africanas como vantagem para sua própria política interna. Tudo é faturado como interesse nacional em salvar a economia portuguesa, permitindo todos os tipos de investimentos angolanos obscuros”.
O dilema dos meios de comunicação portugueses está sendo acompanhado de perto em Bruxelas, onde a liberdade de imprensa e o pluralismo da mídia tornaram-se preocupações crescentes por toda a União Europeia. O eurodeputado Tavares espera que, em breve, o Parlamento Europeu discuta uma resolução sobre o impacto da crise econômica sobre a liberdade de imprensa na Europa. Portugal se destacará como um emblema de uma preocupante tendência.