Por Sue Valentine/ Coordenadora do Programa da África
Na terça-feira, menos de uma semana depois de receber um prêmio por seu jornalismo outorgado pelo grupo de liberdade de expressão sediado em Londres Index on Censorship, o veterano jornalista Rafael Marques de Morais será julgado em Angola sob a acusação de difamação criminal.
O julgamento origina-se de alegações feitas por Marques de Morais em seu livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola. Publicado em Portugal, em 2011, ele documenta acusações de assassinatos, tortura, deslocamento forçado de assentamentos civis e intimidação de moradores das áreas de mineração de diamantes da região de Lundas de Angola, que era uma colônia portuguesa até 1975. No livro, o jornalista alegou que guardas de uma empresa de segurança privada e membros das forças armadas de Angola foram os responsáveis pela tortura e assassinatos, segundo informações da imprensa.
Depois que o livro foi publicado, sete generais angolanos entraram com uma ação criminal por difamação contra Marques de Morais, em Portugal. Em fevereiro de 2013, o Ministério Público Português optou por não prosseguir com o caso, com o promotor de justiça afirmando que “a intenção do autor claramente não é ofender, mas informar,” de acordo com informações da imprensa.
Em abril de 2013, a Unidade de Crime Organizado nacional de Angola notificou Marques de Morais que ele havia sido indiciado sob a acusação de difamação em janeiro. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), com uma série de outras organizações, escreveu ao Procurador-Geral angolano, João Maria de Sousa, apelando para que as acusações fossem abandonadas.
Em agosto de 2013, o CPJ se uniu a outros grupos em uma carta ao relator especial da União Africano sobre a liberdade de expressão, Pansy Tlakula, e ao relator especial sobre defensores dos direitos humanos, Reine Alapini-Gansou, pedindo-lhes para instar Angola a deter o caso. A carta destacou a forma como os processos são uma violação dos direitos humanos de Marques de Morais, em particular aqueles protegidos por artigos da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, o Pacto Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos Civis e Políticos e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O The Media Legal Defence Initiative (MLDI), uma organização não governamental que oferece proteção legal para a mídia independente, apresentou uma atualização urgente do apelo no início deste mês.
Em dezembro, o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos entregou uma decisão histórica afirmando que nenhum jornalista deve ser preso por difamação criminal – uma decisão vinculativa para todos os membros da União Africana, que inclui Angola. A sentença julgou procedente um recurso a mais alta corte do continente impetrado pelo jornalista burquino lohe Issa Konaté contra sua condenação por difamação criminal em 2012. O editor do L’Ouragan, que foi condenado a um ano de prisão por informar sobre alegações de corrupção e abuso por parte do Ministério Público estadual, em Burkina Faso, está agora com direito à indenização e o país terá que mudar suas leis de difamação criminal, de acordo com a MLDI, que representou Konaté.
Embora Angola seja membro da União Africano, e sua Constituição garanta a liberdade de expressão, um relatório divulgado este mês pela Federação Internacional para os Direitos Humanos, que representa mais de 170 grupos de direitos humanos em todo o mundo, apurou que jornalistas e defensores dos direitos humanos estão sujeitos a “assédio judicial e administrativo, atos de intimidação, ameaças e outras formas de restrições à sua liberdade de associação e de expressão”. Assim como Marques de Morais, outros jornalistas independentes têm enfrentado acusações de difamação criminal, de acordo com a pesquisa do CPJ.
Marques de Morais tem sido objeto de assédio estatal pelas autoridades angolanas. Em 2000 ele foi proibido de deixar o país depois de uma condenação por difamação do Presidente José Eduardo dos Santos, em um artigo de 1999, de acordo com a pesquisa do CPJ. A ação levou o CPJ a escrever uma carta de protesto ao presidente. O Supremo Tribunal angolano suspendeu a pena de seis meses de prisão de Marques de Morais, mas confiscou seu passaporte até fevereiro de 2001, informou a imprensa.
Muitas das reportagens de Marques de Morais são publicadas em Maka Angola, uma iniciativa que ele mesmo financia e dirige, e que se dedica à “luta contra a corrupção e à defesa da democracia em Angola”. Embora seu livro tenha sido publicado exclusivamente em Portugal, Marques de Morais disse ao jornal britânico The Independent, que está levando 200 cópias para Angola para distribuir antes de seu julgamento na capital, Luanda, e que o livro estava sendo disponibilizada gratuitamente para download ou ler on-line em Angola.
Sue Valentine, coordenadora do programa da África do CPJ, trabalhou como jornalista na imprensa escrita e rádio na África do Sul desde o final da década de 1980, inclusive no jornal The Star em Johanesburgo e como produtora-executiva de um programa de rádio diário nacional sobre assuntos atuais na SABC, emissora pública da África do Sul.