Os jornalistas cabo-verdianos Hermínio Silves (à esquerda), editor do site de notícias Santiago Magazine; Daniel Almeida, repórter do A Nação (centro); e Alexandre Semedo, diretor do A Nação, estão a ser investigados por reportagens sobre um assassinato policial. (Silves, Almeida, Semedo)

Autoridades investigam 3 jornalistas cabo-verdianos após reportagem sobre homicídio cometido pela polícia

Em janeiro e fevereiro de 2022, as autoridades de Cabo Verde abriram investigações a três jornalistas por “desobediência qualificada”, devido a reportes sobre uma investigação secreta de um assassinato policial, que alegadamente envolve um ministro e que, após sete anos, não apresentou suspeitos, de acordo com os jornalistas e reportagens noticiosas.

A 26 de janeiro de 2022, Hermínio Silves, editor do website privado de notícias  Santiago Magazine, foi declarado suspeito formal numa investigação criminal relacionada com a sua reportagem sobre uma investigação sobre se os agentes, alegadamente liderados pelo atual ministro da administração interna, mataram um suspeito criminoso em 2014, segundo Silves que falou ao CPJ por meio de um aplicativo de mensagens, e reportagens na imprensa.

A 4 de fevereiro, procuradores do Ministério Público na Praia, capital, interrogaram e nomearam o repórter Daniel Almeida e o diretor Alexandre Semedo, ambos do jornal privado A Nação, como suspeitos formais por alegadamente revelarem informações judiciais confidenciais em reportagens sobre abusos policiais, também relacionadas com o caso de 2014, segundo os jornalistas e o seu advogado Mário Marques, que falaram ao CPJ por telefone e app de mensagens, e os reportes na media.

No início de janeiro de 2022, o CPJ reportou que Silves estava a ser investigado por alegadas violações do artigo 112º do Código de Processo Penal relativo ao sigilo judicial, devido às suas reportagens sobre o caso, mas isso foi alterado, uma vez que o artigo não se aplica aos jornalistas, segundo Silvino Fernandes, advogado de Silves, que falou com o CPJ por telefone.

A investigação seguiu-se à publicação de dois artigos, escritos por Silves e Almeida e publicados nas respectivas publicações a 28 de dezembro de 2021, e 12 de janeiro de 2022, contendo alegações de que Paulo Rocha, o atual ministro da administração interna, estaria alegadamente na cena de um tiroteio em 2014 que terminou com a morte do suspeito, na sua então qualidade de diretor-adjunto da polícia judiciária, segundo os jornalistas, Marques, e reportagens noticiosas.

A assessora de Rocha, Carla Almeida, não relacionada com o jornalista, não respondeu ao pedido de comentários por e-mail do CPJ. Num e-mail anterior enviado ao CPJ sobre a convocação de Silves para interrogatório no gabinete do Ministério Publico, ela encaminhou uma resposta de Rocha negando as alegações dos jornais e prometendo que “defenderia a sua dignidade, bom nome e imagem pública com todos os meios legais disponíveis”.

A associação de jornalistas cabo-verdianos protestou contra as investigações a Silves, Almeida, e Semedo à porta do gabinete do Procurador-Geral na Praia a 4 de fevereiro de 2022. (Gisela Coelho)

Os três jornalistas foram declarados “arguidos“, um estatuto exclusivo dos sistemas jurídicos portugueses em que as pessoas se tornam suspeitos formais da prática de um crime, e que pode ser um passo preliminar para a detenção ou uma acusação formal, de acordo com Fernandes. Segundo esta declaração, os jornalistas e os seus meios de comunicação social estão impedidos de fazer reportagens sobre a investigação de alegados abusos policiais, ou arriscam-se a ser acusados de desrespeito se o fizerem.

A investigação poderá levar a uma acusação judicial se o Procurador-Geral Luis Landim, que está pessoalmente a tratar do caso, reunir provas suficientes para o Artigo 113, o crime de “desobediência qualificada, que se aplica ao ato de revelar informações sob sigilo judicial”, disse Fernandes ao CPJ. Os jornalistas enfrentam até dois anos de prisão ou uma multa a ser fixada por um juiz, de acordo com o artigo 356º do Código Penal, que o CPJ reviu.

A comunidade jurídica cabo-verdiana está dividida sobre se o artigo 113 deverá aplicar-se aos jornalistas, segundo Marques, acrescentando que ele se encontrava entre os que, incluindo alguns procuradores do Ministério Público, acreditam que o direito a ser informado deve prevalecer sobre o sigilo judicial e que o artigo não deve aplicar-se aos jornalistas.

A associação de jornalistas cabo-verdianos, um grupo profissional local, organizou um protesto no dia 4 de fevereiro à porta da Procuradoria-Geral para coincidir com o interrogatório de Almeida e Semedo, disse por telefone o presidente da associação, Geremias Furtado, ao CPJ.

Luis Landim, o Procurador-Geral, disse à televisão estatal que o protesto dos jornalistas foi mal dirigido e que o seu gabinete estava apenas a fazer cumprir a lei, de acordo com as informações noticiosas. O CPJ enviou e-mails ao seu porta-voz, Inelson Costa, que não respondeu aos pedidos de comentários.

A associação de jornalistas e os jornalistas cabo-verdianos vão requerer à Assembleia Nacional para que altere o artigo de modo a que não se aplique aos media, disse Furtado ao CPJ. A 11 de fevereiro de 2022, os deputados da oposição sinalizaram o seu apoio a uma revisão da lei do processo penal para remover quaisquer impedimentos à liberdade dos meios de comunicação, incluindo o artigo 113, e Joana Rosa, a ministra da Justiça, disse que o governo estava aberto ao debate, se necessário, de acordo com reportagens da imprensa.