As autoridades notificaram o jornalista cabo-verdiano Hermínio Silves três vezes por causa da sua reportagem sobre abusos policiais. (Foto: Hermínio Silves)

Jornalista cabo-verdiano Hermínio Silves intimado por reportagens sobre alegados abusos policiais

Nova Iorque, 21 de Janeiro de 2022 – As autoridades cabo-verdianas devem abandonar a sua investigação sobre o jornalista Hermínio Silves e não obrigar jornalistas a divulgar informações confidenciais sobre as suas fontes nem criminalizar a divulgação de informações de interesse público, afirmou hoje o Comité para Proteção de Jornalistas (CPJ).

Desde o início de janeiro, o gabinete do Procurador-Geral na cidade da Praia, capital, emitiu três notificações para Silves, editor do website privado de notícias Santiago Magazine, a propósito da sua reportagem sobre alegados abusos policiais, segundo uma reportagem da Revista Santiago; Silves, que falou com o CPJ numa entrevista telefónica; e cópias das notificações, que o CPJ analisou.

As três notificações enviadas a 3, 5, e 12 de Janeiro – referem-se a alegadas violações das leis do segredo de justiça de Cabo Verde. Se condenado por violação do segredo de justiça, Silves pode enfrentar uma sentença de seis meses a quatro anos de prisão pelo Código Penal cabo-verdiano.

O jornalista está obrigado a comparecer no gabinete do Procurador-Geral da Praia para ser interrogado a 26 de janeiro.

“Os procuradores em Cabo Verde devem deixar de cercar o jornalista Hermínio Silves e abandonar sua expedição de pesca sobre as suas fontes confidenciais”, disse Angela Quintal, coordenadora do programa do CPJ para África. “Os jornalistas devem poder denunciar os alegados abusos de oficiais sem receio de serem sujeitos a assédio legal ou de verem suas reportagens sobre questões de interesse público consideradas criminosas”.

A 26 de dezembro, Silves publicou uma reportagem na Revista Santiago sobre uma investigação sobre o potencial envolvimento da polícia judiciária e do Ministro da Administração Interna Paulo Rocha no alegado assassinato e tortura de um suposto criminoso em 2014, quando Rocha era o diretor-adjunto da polícia judiciária.

A 30 de dezembro, a Procuradoria-Geral da República publicou uma declaração confirmando a investigação do alegado assassinato, mas negou ter convocado Rocha. A declaração acrescentou: ” a reportagem da Revista Santiago alega que teve acesso a documentos classificados” e que as autoridades “ordenaram uma investigação criminal sobre o presumível crime de violação do segredo de justiça” e procuram identificar a fonte desses documentos.

A assessora de Rocha, Carla Almeida, enviou por e-mail ao CPJ uma declaração do ministro negando todas as alegações contra ele, e acrescentando que defenderia “a minha dignidade, o meu bom nome e a minha imagem pública” com todos os meios legais disponíveis.

A citação de 3 de Janeiro nomeia Silves e a Revista Santiago como testemunhas numa investigação sobre violações da lei do segredo de justiça; a convocatória de 5 de janeiro anula a anterior e nomeia-os arguidos; e a de 12 de Janeiro, que anula ambas as citações anteriores, diz que se espera que o jornalista compareça e que “a decisão se eles [Silves e o portal de notícias] são testemunhas ou arguidos” seria tomada no dia do seu comparecimento, de acordo com a convocatória e o advogado de Silves, Silvino Fernandes, que falou ao CPJ por telefone.

Silves disse ao CPJ que a intimação envia “uma mensagem a todos os jornalistas de que algumas pessoas estão fora dos limites”. Ele disse acreditar que o gabinete do Procurador-Geral da República estava a “recuar” após emitir a segunda convocação, devido a protestos entre os trabalhadores dos meios de comunicação social por ele ter sido rotulado como arguido.

Silves disse ao CPJ que planeava comparecer no interrogatório com o seu advogado, mas afirmou: “de mim eles não vão ter as minhas fontes”.

Quando o CPJ telefonou ao gabinete do procurador-geral da Praia, um representante solicitou que fossem enviadas perguntas ao porta-voz do gabinete, Inelson Costa. Costa respondeu remetendo o CPJ para uma declaração de 26 de janeiro do Ministério Público, dizendo que as autoridades estavam a investigar uma suspeita de violação do segredo de justiça.

Esse comunicado afirma que, embora os jornalistas não estejam eles próprios vinculados pelas leis do segredo de justiça, podem ainda enfrentar outras sanções previstas no Artigo 133 do Código de Processo Penal por cometerem “desobediência qualificada”, revelando informações judiciais confidenciais; e, sob o Código Penal, isso pode ser punido com até dois anos de prisão ou com uma multa a ser fixada por um juiz.

Geremias Furtado, presidente da Associação dos Jornalistas Cabo-Verdianos, o sindicato profissional local, disse ao CPJ através de uma app de mensagens que considerava a investigação um ataque à liberdade dos meios de comunicação social.

No dia 13 de janeiro, o Presidente cabo-verdiano José Neves disse aos repórteres que tudo o que fosse possível deveria ser feito para proteger a liberdade de imprensa. Ele afirmou que os jornalistas não devem ser culpados de um crime se tiverem acesso e publicarem informações confidenciais, e a responsabilidade deve caber a quem quer que tenha administrado essas informações.