Nova Iorque, 1 de julho de 2021 – As autoridades angolanas devem retirar as acusações de difamação criminal contra os jornalistas Coque Mukuta e Escrivão José, deixar de perseguir casos como estes contra a imprensa, e assegurar que o jornalismo não seja criminalizado, disse hoje o Comité para Proteção de Jornalistas (CPJ).
A 17 de junho, as autoridades judiciais angolanas acusaram Coque Mukuta, editor do website privado de notícias O Decreto e correspondente do media financiado pelo congresso norte-americano Voice of America [Voz da América], e Escrivão José, editor do jornal privado Hora H, de difamação criminosa, depois de dois funcionários do partido no poder terem apresentado queixas separadas sobre as suas atividades noticiosas, de acordo com os jornalistas, que falaram ao CPJ através de um aplicativo de mensagens. Mukuta disse ter sido acusado por um artigo que escreveu em O Decreto.
De acordo com o Código Penal angolano, a acusação de difamação criminal acarreta uma pena de até 18 meses de prisão ou uma multa variável à critério do juiz.
Desde março de 2021, o CPJ documentou pelo menos seis outros casos de queixas por difamação criminal contra jornalistas em Angola. O país deverá realizar eleições nacionais em 2022, embora não tenha sido fixada uma data, de acordo com a agência noticiosa estatal angolana.
“As últimas investigações criminais de difamação contra jornalistas em Angola demonstram um novo impulso por parte de políticos para silenciar aqueles nos meios de comunicação social que estão a expor a corrupção antes das eleições do próximo ano”, disse Angela Quintal, coordenadora do programa do CPJ para África. “As acusações de difamação criminal contra Coque Mukuta, Escrivão José, e outros jornalistas devem ser retiradas imediatamente, e os procuradores devem evitar que o sistema de justiça criminal seja mal-usado para fins políticos”.
Para além das acusações de difamação criminal, tanto Mukuta como José foram colocados sob ordens de “termo de identidade e residência” que os impedem de se deslocar para fora de Luanda por um período de tempo indeterminado, dependendo da evolução de seus casos, disseram os jornalistas ao CPJ. A ordem de Mukuta inclui uma disposição que o impede de sair de casa por mais de cinco dias sem notificar a procuradoria geral da República, disse o jornalista.
Mukuta informou ao CPJ que foi acusado de difamação criminal após a vice-governadora da província de Cuanza-Norte, Leonor Garibaldi, ter apresentado queixa contra ele por causa de um artigo que escreveu para O Decreto criticando o Presidente angolano João Lourenço por alegada omissão em matéria de corrupção na província. Ele acredita que a crítica ao presidente é a principal razão da queixa.
Num telefonema com o CPJ, Garibaldi disse que se sentiu falsamente acusada de corrupção na história e que o jornalista não lhe pediu comentários antes da publicação, devendo agora ser obrigado a apresentar provas das suas alegações.
Mukuta disse ao CPJ que procurou obter comentários do governo da província.
José explicou ao CPJ que os procuradores o acusaram depois de o governador de Cuanza-Norte, Adriano de Carvalho, ter apresentado uma queixa contra ele por um artigo que o Hora H republicou e que apareceu originalmente na TV N’Zinga, um site de notícias publicado no Facebook, em junho de 2020, sobre o alegado espancamento e tortura de um homem que tinha criticado o governo de Carvalho nas redes sociais.
O CPJ não conseguiu localizar um link para a reportagem tal como apareceu em qualquer dos meios, mas o editor da TV N’Zinga, Capita Inga, autor da referida notícia, republicou-a na sua página pessoal no Facebook.
Coque Mukuta, editor de O Decreto e correspondente da Voz da América (esquerda), foi acusado de difamação criminosa por causa do seu jornalismo enquanto Capita Inga, editor da TV N’Zinga (direita), foi convocado para interrogatório sobre uma queixa por difamação criminosa em virtude da sua atividade jornalística. (Foto à esquerda por Coque Mukuta; foto à direita por Adelino Punga)
Inga disse ao CPJ através de uma aplicação de mensagens que tinha sido convocado duas vezes para interrogatório no ano passado pelo gabinete do procurador-geral no Cuanza-Norte, depois de Carvalho ter apresentado uma queixa por difamação semelhante por causa do mesmo artigo. O advogado de defesa de Inga solicitou que o caso fosse transferido para Luanda, onde Inga reside, e Inga ainda não foi interrogado no caso, segundo o jornalista.
Em telefonema com o CPJ, Carvalho contou que a sua família foi “vítima de bullying” devido às reportagens do Hora H e da TV N’Zinga, com pessoas a dizerem coisas horríveis à sua filha, embora ele não tenha aprofundado o assunto. Carvalho disse ter escrito ao órgão regulador dos media angolanos com as suas queixas sobre as reportagens, mas não recebeu resposta. Afirmou querer que os jornalistas apresentassem provas das alegações contidas nas suas reportagens.
O CPJ ligou para o órgão regulador dos meios de comunicação social angolano, a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), mas ninguém atendeu. O CPJ também enviou e-mails e uma mensagem através de seu website, mas não recebeu resposta.
Álvaro João, porta-voz da Procuradoria-Geral da República, disse ao CPJ num telefonema que as autoridades “têm de abrir investigações e dar seguimento às queixas apresentadas por qualquer pessoa que se sinta lesada e que as várias investigações sobre jornalistas não são uma escolha ou perseguição, mas apenas um procedimento legal”.
José revelou ter sido investigado por 12 outras acusações de difamação criminal desde 2011. “Com tantos crimes para investigar em Angola, as autoridades perseguem os jornalistas, e a intimidação só vai piorar até [as eleições de 2022], à medida que os políticos no governo se esforçam por manter uma boa imagem”, disse ele ao CPJ.