Por Jennifer Dunham/ vice-diretora editorial do CPJ
Publicado em 24 de janeiro de 2023
O ano de 2022 foi mortal para membros da imprensa. Pelo menos 67 jornalistas e trabalhadores da mídia foram assassinados durante o ano – o número mais alto desde 2018 e um aumento de quase 50% em relação a 2021, constatou o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ). O crescimento foi impulsionado por um alto número de mortes de jornalistas cobrindo a guerra da Ucrânia e um grande aumento dos casos de homicídios na América Latina.
O CPJ confirmou que pelo menos 41 jornalistas e trabalhadores da mídia foram mortos em conexão direta com seu trabalho, e está investigando os motivos das mortes de outros 26 para determinar se têm relação com o exercício profissional.
Mais da metade dos 67 casos ocorreram em apenas três países – Ucrânia (15), México (13) e Haiti (7), os maiores números anuais que o CPJ já registrou para esses países.
No México e no Haiti, os repórteres foram alvo de homicídios brutais por seu trabalho, e a grande maioria dos autores não foi responsabilizada. O México continua a figurar no Índice Global de Impunidade do CPJ, que destaca os países onde os assassinos de jornalistas escapam impunemente.
Outros que perderam suas vidas durante o ano cobriram uma série de casos de crime e corrupção na Colômbia; agitação política no Chade, Israel e Território Palestino Ocupado, e Myanmar; o meio ambiente no Brasil; e a política local na Turquia e nos Estados Unidos. Suas mortes sublinham a extensão das ameaças enfrentadas pela imprensa em todo o mundo, inclusive em países com governos democraticamente eleitos.
O CPJ acompanha três tipos de mortes de jornalistas relacionadas ao seu trabalho: assassinatos seletivos em represálias por reportagens – de longe a maior categoria; mortes em combate ou fogo cruzado; e mortes durante outras coberturas perigosas. O CPJ também rastreia os homicídios de trabalhadores da mídia de apoio, tais como tradutores, motoristas e guardas de segurança; houve um desses casos em 2022, no Cazaquistão.
Aqui estão cinco conclusões da pesquisa do CPJ sobre mortes de jornalistas em 2022:
Jornalistas que cobrem a guerra da Ucrânia enfrentam um enorme risco
Pelo menos 15 jornalistas foram mortos na Ucrânia em 2022, após a escalada da invasão russa ao país em 24 de fevereiro. O CPJ confirmou que 13 deles morreram durante apuração de notícias e realização de reportagens, e está investigando se outros dois mortos durante o conflito perderam suas vidas por causa de seu trabalho na mídia.
A maioria foi morta nos estágios iniciais da guerra, e o CPJ não documentou nenhuma morte de jornalistas associado ao trabalho informativo na Ucrânia desde o caso do cinegrafista francês Frédéric Leclerc-Imhoff, no final de maio. No entanto, a situação na região permanece perigosa: membros da imprensa são frequentemente feridos por bombardeios enquanto cobrem o confronto, e alguns relatam que foram alvos das forças russas.
A América Latina foi a região mais mortífera para a prática do jornalismo
O CPJ documentou 30 jornalistas mortos na América Latina em 2022, quase a metade do total global – um reflexo do excesso de riscos que jornalistas da região enfrentam enquanto cobrem tópicos como crime, corrupção, violência de gangues e meio ambiente. Pelo menos 12 jornalistas foram mortos em relação direta ao seu trabalho na América Latina, e o CPJ continua a investigar o motivo em 18 outros homicídios.
No México, o CPJ documentou um total de 13 jornalistas mortos, o número mais alto de todos os tempos em um único ano. Em três desses casos, os jornalistas foram assassinados como retaliação por suas reportagens sobre crime e política, e haviam recebido ameaças antes de suas mortes. O CPJ está analisando os motivos dos outros 10 homicídios, mas em um país caracterizado pela violência e impunidade, é notoriamente difícil confirmar se os jornalistas foram assassinados devido a suas atividades profissionais.
No Haiti, os jornalistas que cobrem a violência de gangues, a crise política e a agitação civil desencadeada pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse em julho de 2021, enfrentaram um aumento alarmante de ataques violentos. Em 2022, pelo menos cinco jornalistas foram mortos em retaliação por seu trabalho, e o CPJ está investigando a motivação por trás de duas outras mortes. Em dois casos, os jornalistas foram mortos pela polícia.
O CPJ também documentou homicídios, associados ao trabalho jornalístico, de quatro jornalistas no Brasil, Chile e Colômbia, e ainda está pesquisando o motivo da morte de seis repórteres na Colômbia, Equador, Guatemala, Honduras e Paraguai.
Os mecanismos de proteção são insuficientes
No México, existem várias leis e entidades que tratam especificamente da proteção a jornalistas, incluindo mecanismos de proteção federal e estaduais. No entanto, estes têm se mostrado ineficazes para manter jornalistas em segurança. Maria Guadalupe Lourdes Maldonado López, uma veterana jornalista de radiodifusão que foi morta a tiros em seu carro em Tijuana, em janeiro de 2022, estava cadastrada no mecanismo estadual da Baja California na época.
Dois outros – Margarito Martínez Esquivel e Armando Linares López – estavam em processo de incorporação ao mecanismo de proteção federal do México quando foram assassinados.
Na Colômbia, em outubro, dois homens mataram a tiros o jornalista Rafael Emiro Moreno Garavito enquanto ele estava no restaurante de fast-food que possuía. Moreno, diretor da agência de notícias independente Voces De Córdoba, havia sido ameaçado durante anos por suas reportagens sobre corrupção política e grupos de narcotraficantes. A Unidade de Proteção Nacional do governo colombiano havia designado um guarda-costas para proteger Moreno e lhe deu um colete de proteção e um botão de alerta precoce de pânico. Entretanto, no dia em que ele foi morto, Moreno disse ao seu guarda-costas que ele poderia tirar o resto do dia de folga porque não acreditava que a proteção fosse necessária enquanto trabalhava em seu restaurante.
O assassinato de Shireen Abu Akleh destaca a impunidade israelense
Em maio de 2022, a jornalista palestina-americana Shireen Abu Akleh foi baleada e morta enquanto noticiava uma incursão militar israelense na cidade palestina de Jenin, na Cisjordânia. Testemunhas oculares e várias investigações constataram que um soldado israelense disparou a bala que matou a veterana repórter da Al-Jazeera, e uma investigação do Departamento de Estado dos EUA concluiu que os tiros das posições das Forças de Defesa de Israel foram “provavelmente responsáveis” pela morte de Abu Akleh, mas “não encontrou nenhuma razão para acreditar que isso tenha sido intencional”. O governo israelense até o momento não conseguiu levar a cabo uma averiguação transparente ou tomar medidas para levar os responsáveis à justiça. O CPJ acolheu com satisfação o anúncio feito em novembro pelo Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos (FBI) de que planejava abrir um inquérito sobre o assassinato de Abu Akleh.
O assassinato de Abu Akleh foi o mais recente exemplo de impunidade de Israel por crimes contra a imprensa. Ele ocorreu um ano depois que as forças israelenses bombardearam vários edifícios na Faixa de Gaza que abrigavam escritórios da mídia, incluindo os da The Associated Press e da Al-Jazeera. O governo israelense não respondeu ao pedido do CPJ de fornecer provas para as suas alegações de que militantes do Hamas estavam usando o edifício para fins militares e de reafirmar os direitos dos jornalistas em Gaza de trabalharem livremente e com segurança. Em 2018, pelo menos dois outros jornalistas palestinos – Yaser Murtaja e Ahmed Abu Hussein – foram baleados e mortos enquanto cobriam as manifestações na Faixa de Gaza; uma comissão de inquérito da ONU constatou mais tarde que os franco-atiradores israelenses “intencionalmente” atiraram nos dois jornalistas. As autoridades de Israel não esclareceram que investigações, se é que houve, empreenderam ou se alguém foi levado à justiça pelos assassinatos dos jornalistas.
Repórteres locais que cobrem política, crime e corrupção são alvos frequentes
Dos 19 jornalistas assassinados em retaliação por seu trabalho em 2022, 18 eram jornalistas locais que cobriam temas sensíveis, como política, crime ou corrupção em seus países de origem.
Todos os quatro homicídios nas Filipinas foram de jornalistas de rádio que informavam sobre a política local, destacando os perigos enfrentados pela imprensa no país, mesmo durante a transição para a administração do presidente Ferdinand Marcos Jr. em junho. Em um caso particularmente escancarado que provocou indignação e protestos entre jornalistas nas Filipinas, o comentarista de rádio Percival Mabasa foi morto a tiros em outubro. A polícia disse mais tarde que o chefe do Departamento de Correções e outro agente prisional tinham ordenado o assassinato de Mabasa em retaliação às alegações de corrupção noticiadas pelo repórter.
O ano também viu o primeiro assassinato ligado ao trabalho de um repórter americano desde que um pistoleiro atirou e matou cinco funcionários no jornal Capital Gazette, em Annapolis, Maryland, em 2018. Em setembro de 2022, o repórter do jornal Las Vegas Review-Journal Jeff German, que cobria política, crime e corrupção, foi esfaqueado por uma autoridade local que havia perdido uma chance de concorrer à reeleição após a reportagem de German sobre suposta má administração em seu gabinete. O funcionário foi preso logo após o ataque e atualmente enfrenta acusações de homicídio.
Outro repórter que cobria corrupção, o jornalista paquistanês Arshad Sharif, também foi assassinado em 2022. Sharif, ex-âncora de TV que havia criticado a corrupção no Paquistão, foi morto a tiros pela polícia queniana fora da capital do país, Nairóbi, em outubro. Investigadores paquistaneses disseram que seu homicídio foi um “assassinato planejado com um alvo específico” e não um caso de identidade equivocada, como declarou a polícia queniana. Ninguém foi acusado até agora e o CPJ continua a investigar se o jornalista foi morto por seu trabalho.
Metodologia
O CPJ começou a compilar registros detalhados sobre todas as mortes de jornalistas em 1992. Os funcionários do CPJ investigam e verificam independentemente as circunstâncias por trás de cada morte. O CPJ considera um caso relacionado ao trabalho somente quando seu pessoal está razoavelmente certo de que um jornalista foi assassinado em represália direta por sua atividade; em fogo cruzado associado a combate; ou enquanto realiza uma missão perigosa, como cobrir um protesto que se torna violento.
Se os motivos de um homicídio não estiverem claros, mas for possível que o jornalista tenha morrido devido ao seu trabalho, o CPJ classifica o caso como “não confirmado” e continua a investigar.
A lista do CPJ não inclui jornalistas que morreram de doença ou em acidentes de carro ou avião, a menos que o acidente tenha sido causado por ação hostil. Outras organizações de imprensa que utilizam critérios distintos citam números diferentes de mortes.
O banco de dados de jornalistas mortos em 2022 do CPJ inclui resumos especiais sobre cada vítima e filtros para examinar as tendências nos dados. O CPJ mantém um banco de dados de todos os jornalistas que foram mortos desde 1992 e daqueles que desapareceram ou estão presos por seu trabalho.
Saiba mais sobre os dados do CPJ de 2022 sobre jornalistas mortos e presos em nosso mapa interativo.
Jennifer Dunham é a vice-diretora editorial do CPJ. Antes de ingressar no CPJ, ela foi diretora dos relatórios Freedom in the World e Freedom of the Press, da Freedom House.