O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, no Ministério do Interior, a 2 de janeiro de 2024. O CPJ apelou a Embaló para que garantisse que os jornalistas pudessem trabalhar sem intimidação do Estado, num contexto de tensão política acrescida nos últimos três meses. (Crédito da foto: Casimiro Cajucam)

O presidente da Guiné-Bissau ameaça os meios de comunicação social e 30 homens armados atacam duas emissoras estatais

Nova Iorque, 16 de fevereiro de 2024 – O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, deve retirar as suas recentes declarações denegrindo e ameaçando meios de comunicação social e garantir uma investigação credível sobre dois ataques armados a emissoras públicas e outros ataques recentes à imprensa, disse o Comité para Proteção de Jornalistas (CPJ) na sexta-feira.

O CPJ também apela a Embaló para que garanta que os jornalistas sejam autorizados a trabalhar sem intimidação do Estado, uma vez que estes incidentes ocorreram no meio de uma tensão política acrescida nos últimos três meses. 

A 30 de novembro de 2023, soldados da guarda nacional do país, uma unidade de segurança considerada leal ao parlamento controlado pela oposição, trocaram tiros com os militares em acontecimentos que Embaló disse fazerem parte de uma tentativa de golpe. Em 4 de dezembro, Embaló anunciou a dissolução do Parlamento. Após a dissolução, homens armados invadiram os escritórios das estações de rádio e televisão estatais e Embaló terá ordenado aos funcionários do governo que controlassem as estações de rádio para detectar “conteúdos insultuosos”.

“É profundamente preocupante que os meios de comunicação social da Guiné-Bissau tenham sido intimidados através de rusgas armadas e ameaças públicas, precisamente na altura em que deviam estar a relatar as notícias livremente e a oferecer ao público diversos pontos de vista sobre uma crise política que se desenrola”, disse Angela Quintal, coordenadora do programa do CPJ para África. “O Presidente Umaro Sissoco Embaló deve retirar as suas declarações que ameaçam os media e desistir de abusar dos recursos do Estado para se proteger de críticas. As autoridades devem também investigar as rusgas de dezembro aos meios de comunicação social públicos e outros ataques à imprensa.”

Ataques armados a emissoras estatais

No dia 4 de dezembro, cerca de 30 homens armados e vestidos com uniforme militar invadiram a emissora estatal TVGB e a estação de rádio estatal Radiodifusão Nacional (RDN), de acordo com reportagens nos media e dois jornalistas que testemunharam os eventos e falaram ao CPJ sob condição de anonimato, alegando medo de represálias. Os homens, cujos rostos estavam cobertos por capuzes, ordenaram que a emissão parasse e que todos os jornalistas abandonassem a redação.

As duas estações permaneceram fora do ar por algumas horas, de acordo com essas fontes, que disseram que os homens ordenaram a um número desconhecido de técnicos que ficassem e transmitissem música. Mais tarde, ordenaram aos técnicos que passassem um noticiário noturno não editado sobre a dissolução do Parlamento, que incluía uma declaração do Conselho de Ministros.

Os jornalistas regressaram à estação a 5 de dezembro, quando Tcherno Bari, o chefe da guarda presidencial da Guiné-Bissau, chegou à RDN com três militares armados e disse aos jornalistas que a presidência não tinha sido responsável pelo ataque ou pela interrupção da programação no dia anterior, atribuindo os incidentes a uma “outra força” não especificada, de acordo com dois jornalistas, que estavam na redação quando Bari a visitou e falaram ao CPJ sob condição de anonimato, alegando receio de represálias. 

Bari disse aos funcionários da RDN que podiam continuar a trabalhar sem medo, de acordo com os jornalistas.

Bari disse ao CPJ por meio de um aplicativo de mensagens que “enquanto chefe de segurança da presidência, não poderia fazer nenhum comentário” quando questionado sobre seu papel junto da estação de rádio. Em novembro de 2022, Bari fez parte de um grupo que alegadamente raptou e espancou um comentarista de rádio. 

Mais tarde, a 5 de dezembro, Mama Sané, que foi diretor da RDN durante um governo anterior, deslocou-se aos escritórios da estação de rádio com dois agentes da polícia, anunciou que voltava a assumir as funções de director e ordenou a suspensão do noticiário daquela noite, segundo os jornalistas. 

No dia seguinte, Sané disse aos directores da estação, numa reunião, que tinha ordens presidenciais para impedir vozes críticas devido à situação política, que descreveu como um “contexto atípico”.

Sané disse ao CPJ que “quando me referi ao ‘contexto atípico’, tinha em mente a segurança dos jornalistas”, com base na sua experiência passada com rádios privadas durante crises políticas, acrescentando que, quando regressou à RDN, estavam “a incitar à violência através de algumas das entrevistas que se faziam e que se desviavam do que um meio de comunicação público deveria fazer”.

Quando o CPJ pediu pormenores sobre as entrevistas, Sané disse que não entraria em detalhes.

Ameaças do Presidente Embaló 

Embaló deu instruções ao Ministério do Interior da Guiné-Bissau para criar “brigadas para ouvir os programas de rádio” e “trazer qualquer pessoa que insulte alguém” para que possa ser colocada no “seu lugar” durante um discurso a 2 de janeiro, de acordo com dois jornalistas que estavam presentes e falaram com o CPJ sob condição de anonimato, alegando temor de represálias, e com o website de notícias do Vaticano, Vatican News, que incluiu uma gravação dos comentários do Presidente. 

No dia 23 de janeiro, Embaló acusou os jornalistas de parecerem fazer parte da “oposição” e prometeu “acabar com a anarquia que tem visto qualquer pessoa tornar-se um comentador político” na rádio, de acordo com reportagens dos media e quatro jornalistas que falaram ao CPJ sob condição de anonimato, alegando preocupações com a segurança. 

As declarações do presidente acentuaram os perigos e a tensão vividos pelos jornalistas na Guiné-Bissau, disse ao CPJ António Nhaga, presidente da Ordem dos Jornalistas (OJGB). 

“Temos pessoas fardadas envolvidas em espancamentos, e agora eles têm uma licença do presidente para bater em jornalistas. É perigoso”, disse Nhaga. “A classe política já vê os jornalistas como inimigos. Os jornalistas são mal pagos, são por vezes espancados, por isso, é claro que os meios de comunicação social do país estão a morrer. O que é que eu digo aos jornalistas jovens? 

A 8 de fevereiro, a assessora de comunicação presidencial Yonhite Tavares impediu Fátima Tchuma Camará, correspondente local da RTP, de cobrir um evento no palácio presidencial, segundo Indira Baldé, jornalista da RTP e presidente do Sindicato dos Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social da Guiné-Bissau (SINJOTECS), e outro jornalista que falou com o CPJ sob condição de anonimato, alegando temer represálias. 

Tavares disse que estava a agir sob as ordens do presidente, que estava aborrecido com os comentários públicos de Camará e Baldé durante uma manifestação de jornalistas pela liberdade de imprensa, disse Baldé. 

“Um colega informou-me… que o presidente disse que eu também estou impedida de cobrir eventos no Palácio Presidencial ou no aeroporto para as viagens do presidente enquanto ele for o presidente do país”, acrescentou Baldé. 

Quando contactado através da aplicação de mensagens, Tavares defendeu a decisão do presidente ao CPJ dizendo que, em janeiro, houve mais de quatro incidentes de meios de comunicação internacionais que “deliberadamente deturparam” a imagem do presidente em “reportagens falsas” que “não corrigiram”.  “O presidente tem o direito de pedir uma mudança nas pessoas que fazem a cobertura para que a situação não piore”, acrescentou Tavares. 

Quando questionada sobre a deterioração do ambiente para a comunicação social, Tavares disse que o governo tem vindo a trabalhar para melhorar as relações com os jornalistas há “mais de três anos” e atribuiu o problema aos jornalistas que querem “fazer política ativa”. 

“Não proibimos a estação de cobrir as notícias, mas as pessoas que querem entrar na política devem entregar as suas carteiras de jornalista e juntar-se aos seus partidos em vez de deturparem informação sem ética ou deontologia”, disse Tavares ao CPJ.

Assédio online 

Os recentes incidentes de assédio online contra membros da imprensa tornaram o ambiente dos meios de comunicação social ainda mais “hostil e sufocante” desde dezembro de 2023, disse Baldé ao CPJ.

No dia 2 de dezembro, Olho Clínico Guiné-Bissau, uma página do Facebook com mais de 6.300 seguidores, gerida por utilizadores que afirmam apoiar Embaló, publicou uma ameaça de violação contra Baldé e ameaçou agredir Waldir Araújo, o chefe do gabinete da RTP na Guiné-Bissau, de acordo com a análise do CPJ ao post. 

O CPJ contou pelo menos 12 posts publicados a 26 de janeiro em Abel Djassi, outra página do Facebook gerida por utilizadores que afirmam apoiar Embaló e que tem mais de 3.600 seguidores, atacando a credibilidade de Baldé e Camará e denegrindo-as usando linguagem sexualizada. Um post de 27 de janeiro nesta mesma página acusou Baldé e Camará de serem porta-vozes da oposição. 

Baldé disse ao CPJ que não planeia denunciar os incidentes à polícia. “Não faz sentido apresentar queixa (sobre o assédio online) na Guiné-Bissau porque os crimes contra jornalistas não são investigados”, disse ela ao CPJ, exemplificando com o espancamento do jornalista António Aly Silva em março de 2021 e com o ataque aos escritórios da Rádio Capital FM em fevereiro de 2022

Questionada sobre as contas e conteúdos, Tavares disse ao CPJ que o presidente e a sua família sofrem diariamente “ataques vis” on-line e “nos meios formais onde estes ‘jornalistas políticos’ trabalham”, acrescentando que a presidência não pode ser responsável pelas ameaças on-line contra os jornalistas.