Nova Iorque, 4 de junho de 2021 – As autoridades angolanas devem abandonar as investigações criminais por difamação de jornalistas e reformar secções do código penal do país que criminalizam a reportagem, disse hoje o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).
Entre 18 e 24 de maio, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Luanda, a capital, interrogou Lucas Pedro, editor do site privado de notícias Club K, Escrivão José, diretor
do jornal privado e do site de notícias Hora H, e Carlos Alberto, editor do canal privado de notícias no YouTube A Denúncia, como parte de três investigações criminais por difamação sobre notícias divulgadas nos media, segundo Alberto, Pedro, José e o advogado Salvador Freire, que falou com o CPJ através de um App de mensagens. O editor do jornal privado Manchete, Jorge Neto, também disse ao CPJ, pelo telefone, que enfrenta uma acusação de difamação criminal após um interrogatório do SIC em 2019.
“A série de investigações por difamação criminal sobre jornalistas angolanos antes das eleições do próximo ano assinala uma ofensiva alarmante contra o jornalismo independente que deve terminar imediatamente”, disse Angela Quintal, coordenadora do programa para a África do CPJ, em Nova Iorque. “As autoridades angolanas devem parar de usar as leis de insulto e difamação criminosa como armas contra a imprensa e, em vez disso, trabalhar no sentido de revogar todas as leis que criminalizam o jornalismo”.
A 18 de maio, Pedro, editor do Clube K, foi interrogado pelo SIC em relação a uma queixa criminal por difamação e insulto contra o meio pelo empresário Enoque Francisco sobre artigos publicados a 23 e 30 de janeiro alegando que Francisco se apropriou de um terreno de outra pessoa para construir um centro comercial, disse o editor ao CPJ por meio de um aplicativo de mensagens.
Pedro disse que o Club K foi enganado por uma fonte e que, de facto, Francisco não se tinha apropriado do terreno em questão, e que estavam a desenvolver um terreno que legalmente lhe pertencia. O Club K publicou o direito de resposta de Francisco a corrigir o registo a 6 de Fevereiro.
Contactado pelo CPJ por telefone, Francisco disse que decidiu prosseguir com a queixa de qualquer forma porque não achava o direito de resposta suficiente à luz dos danos à sua reputação, o que incluía perguntas de parceiros de negócios.
Pedro disse ter sido acusado de difamação e injúria criminal e que, no sistema jurídico angolano, a acusação não significa automaticamente que o arguido será julgado; cabe aos procuradores prosseguir com o caso.
De acordo com o código penal, a difamação criminal implica uma pena de até um ano e meio de prisão ou uma multa variável à discrição do juiz, e injuria implica uma pena até um ano de prisão ou uma multa variável à discrição do juiz.
Estão em curso seis outras investigações criminais por difamação no Club K relacionadas a diferentes reportagens, disse Pedro.
Num caso separado, a 19 de maio o SIC interrogou José, diretor do Hora H, em relação a uma queixa do Banco Privado de Investimento Angolano (BAI) sobre um artigo de março de 2019, revisto pelo CPJ, que alegava que um antigo ministro tinha transferido três milhões de euros da sua conta bancária nacional para a sua conta no estrangeiro, em Portugal, com a autorização do diretor executivo do BAI, Luis Lelis, segundo José.
O advogado do Hora H, Freire, disse ao CPJ que José foi informado pelo SIC que a queixa alegava difamação criminosa, mas o jornalista não foi formalmente acusado.
Lelis confirmou por telefone que o BAI tinha apresentado queixas por difamação criminosa contra vários meios de comunicação social que não mencionou. Ele disse ao CPJ que o BAI o havia feito porque as alegações eram falsas e não queria que a sua reputação ou a do banco fosse prejudicada.
Neto, o editor da Manchete, confirmou que foi interrogado pelo SIC em 2019 e acusado de difamação criminosa sobre a notícia do seu canal que tratava do mesmo tópico.
José disse ao CPJ por telefone que o Hora H foi investigado 20 vezes nos últimos cinco anos por queixas por difamação criminosa devido às suas denúncias.
Em outro caso, a 24 de maio, Alberto, editor de A Denúncia, foi interrogado, inclusive sobre as suas fontes, durante cinco horas pelo SIC, na sequência da apresentação de uma queixa contra o jornalista pelo Vice Procurador Geral angolano Luís Liz, de acordo com informes da imprensa e o jornalista, que falou com o CPJ através de um App de mensagens.
A queixa de Liz dizia respeito a um vídeo de 15 de maio do canal do meio de comunicação no YouTube sobre a sua alegada apropriação de terreno para um centro comercial, de acordo com reportagens e com o jornalista.
Alberto disse ao CPJ que Liz apresentou a queixa à polícia a 12 de maio, antes da publicação do vídeo a 15 de maio. Alberto acrescentou ter recebido três convocatórias diferentes no prazo de 48 horas relacionadas com a queixa de Liz e que foi acusado de difamação criminosa, denúncia caluniosa e abuso de liberdade de imprensa.
A acusação de abuso da liberdade de imprensa implica uma pena de até seis meses de prisão ou uma multa à discrição do juiz; a denúncia caluniosa implica uma pena de um a três anos de prisão ou uma multa à discrição do juiz, de acordo com o código penal.
Liz disse ao CPJ por telefone que apoiava a liberdade de imprensa, mas porque Alberto tinha prejudicado a sua reputação, deveria ter o seu dia em tribunal para apresentar as suas provas ou enfrentar as consequências. Liz declarou que houve uma investigação interna do governo que o exonerou; o CPJ reviu uma declaração nesse sentido do gabinete do Procurador-Geral emitida a 18 de maio.
O diretor do SIC, Arnaldo Carlos, não respondeu aos telefonemas do CPJ nem a uma mensagem de texto através de um aplicativo de mensagem.
Nos últimos dois meses, as autoridades angolanas investigaram dois outros jornalistas, Mariano Brás e Franscisco Rasgado, por queixas separadas de difamação criminal, tal como documentado pelo CPJ.