A incapacidade para resolver os assassinatos de jornalistas em Arauca alimenta 
uma atmosfera de hostilidade e intimidação para o
mídia de lá. Por John Otis

O general Rodolfo Palomino, chefe da polícia colombiana, escreve uma mensagem para uma campanha de apoio desmobilização das FARC em Tame, na província de Arauca, em 18 de setembro de 2013. (Reuters / Jose Miguel Gomez)

 

Uma província é exemplo na luta da Colômbia contra a impunidade

Por John Otis

Em apenas 24 horas foi preso o atirador responsável pelo assassinato de Henry Rojas Monje, um jornalista de Arauca, uma província da Colômbia castigada pela guerrilha. Mas para a família Rojas, a busca por justiça levou duas décadas inteiras – e terminou em frustração.

O general Rodolfo Palomino, chefe da polícia colombiana, escreve uma mensagem para uma campanha de apoio desmobilização das FARC em Tame, na província de Arauca, em 18 de setembro de 2013. (Reuters / Jose Miguel Gomez)

Correspondente do El Tiempo, um dos jornais colombianos de maior circulação nacional, Rojas investigava a corrupção do governo e as ligações entre políticos de Arauca e grupos rebeldes marxistas. No dia 28 de dezembro de 1991, Rojas foi baleado repetidas vezes em seu carro. Ele morreu no colo de seu filho Henry, que na época tinha seis anos e estava no banco do carona.

No dia seguinte, a polícia prendeu dois soldados que confessaram o crime e foram condenados. Mas o homem acusado de ser o mandante do assassinato de Rojas, José Gregorio Gonzáles, ex-prefeito da cidade de Arauca que havia sido alvo de algumas matérias do jornalista, foi absolvido e colocado em liberdade. Em 2011, data limite para a proscrição do crime, ainda não havia sido esclarecido quem esteve por trás do assassinato de Rojas.

“Ficamos muito tristes quando o caso foi encerrado,” declarou ao CPJ Henry Rojas, o filho do jornalista que hoje é advogado em Arauca. “A lentidão do sistema legal é uma das grandes causas da impunidade.”

O limbo legal em que caiu o caso Rojas não é uma exceção: a grande maioria dos assassinatos de jornalistas na Colômbia permanece sem solução e seus responsáveis não foram punidos. Realmente, a situação da segurança pública no país melhorou bastante nas últimas décadas, o que levou a uma redução nos casos de assassinatos de jornalistas. Ainda assim, essas melhorias ultrapassaram as obtenções de condenações que os promotores conseguiram e não representam nenhum tipo de conforto para as famílias das vítimas do passado – principalmente à medida que mais casos estão chegando ao limite de proscrição de 20 anos.

Uma pesquisa do CPJ mostrou que ocasionalmente os assassinos são presos e condenados, mas os mandantes dos crimes permanecem em liberdade em quase todos os casos. Problemas como promotores sobrecarregados, falta de compartilhamento de informações, manuseio inadequado de provas e prevaricação de funcionários judiciais podem atrasar a investigações criminais por anos a fio. Isso favorece os criminosos porque, conforme o tempo passa, as memórias esmorecem, as provas se deterioram e uma condenação judicial se torna cada vez mais difícil.

Desde 1977, a Fundação pela Liberdade de Imprensa (FLIP), com sede em Bogotá, já registrou 140 assassinatos de jornalistas relacionados ao desempenho de sua profissão. Desses, 62 casos – 44 por cento deles – foram fechados porque proscreveram. A Procuradoria da República não pôde fornecer informações sobre 49 outros casos porque os arquivos aparentemente haviam sido perdidos ou extraviados. No geral houve apenas 19 condenações.

O CPJ, que começou a registrar assassinatos de jornalistas a partir de 1992 e utiliza uma metodologia diferente, documentou 45 assassinatos de jornalistas e trabalhadores da mídia diretamente relacionados ao seu trabalho na Colômbia, e mais 33 mortes cuja motivação não foi esclarecida. Nos casos de assassinato, a impunidade reina em 88 por cento deles e, entre os casos restantes, a justiça foi apenas parcialmente alcançada.

Como resultado disso, o Índice de impunidade divulgado pelo CPJ em 2013 mostra que a situação não mudou muito na Colômbia, quinto lugar na lista dos países onde há mais mortes e violência contra jornalistas, atrás apenas do Iraque, da Somália, das Filipinas e do Sri-Lanka. A Colômbia ocupa há cinco anos o quinto lugar do Índice, que registra o número de casos não solucionados de mortes de jornalistas em relação à população de cada país.

Esse fracasso da justiça não se limita aos crimes cometidos contra jornalistas colombianos. Em 2011, o jornal El Tiempo relatou que 90 por cento dos presos em Bogotá conseguiram escapar de uma condenação devido ao número de irregularidades nos processos presentes no sistema judicial. Um relatório recente do Departamento de Estado dos EUA declarou que as questões de direitos humanos mais sérias enfrentadas pela Colômbia são a impunidade e o sobrecarga do sistema judicial, que é ainda mais desfavorecido pela prática frequente de subornos e intimidação de juízes, promotores e testemunhas.

Esse tipo de ameaças e coerções são extensas e muito frequentes no interior do país, onde as autoridades regionais raramente conseguem solucionar casos de assassinatos de jornalistas, segundo Pedro Vaca, diretor executivo da FLIP. Para superar esses obstáculos, a maioria dos casos desde 2000 foi transferida para unidades especiais na Procuradoria de Bogotá. Mas mudanças na jurisdição, assim como a introdução de um novo código penal em 2008, abriram as portas para ainda mais atrasos, confusões e casos de corrupção.

Um sombrio exemplo é o caso de Henry Rojas, que foi transferido para as autoridades judiciais em Bogotá. Parte do processo envolvia o pedido de indenização ao governo por parte da família da vítima. Ainda que tenha conseguido êxito, o processo se tornou um pesadelo de 16 anos porque o tribunal de Bogotá de alguma forma conseguiu “perder” os arquivos do caso, uma pilha enorme de documentos com quase um metro de altura e 50 quilos. 

“Arquivos de casos não saem andando por conta própria”, disse ao CPJ Alejandro Ramelli, um promotor da Procuradoria de Bogotá, especialista em crimes contra jornalistas.

Ramelli culpa dois fatores pela impunidade predominante: problemas estruturais do sistema judicial e uma mentalidade dos promotores concentrada excessivamente no último elo da corrente – aqueles criminosos diretamente responsáveis pelo assassinato de jornalistas -, em vez das organizações criminosas e dos políticos corruptos que estariam por trás desses crimes.

Mas também houve alguns poucos casos vitoriosos.

Em 2009, um tribunal na cidade de Santander sentenciou o ex-prefeito de Barrancabermeja Julio César Ardila Torres a quase 29 anos de prisão sob as acusações de homicídio qualificado e conspiração pela morte de um repórter de uma rádio local, José Emeterio Rivas, em 2003. O repórter havia acusado Ardila de corrupção e ligações com grupos paramilitares de extermínio.

Em 2011, as autoridades prenderam o ex-deputado Ferney Tapasco González, um dos suspeitos de serem os mandantes do assassinato de Orlando Sierra, editor-chefe e colunista de humor do jornal La Patria, da cidade de Manizales, em 2002. Sierra investigava possíveis ligações entre Tapasco González e uma gangue de matadores. O ex-político negou envolvimento no homicídio e, neste momento, o caso ainda está aberto.

Mas os duros avanços desse tipo ainda são raros, e mesmo as vitórias não foram completas ou foram anuladas por recursos posteriores.

“Existem tantos problemas no sistema legal da Colômbia que as pessoas passaram a aceitar o mínimo,” declarou Vaca ao CPJ. “Isso significa que se há alguma condenação, nós estamos condicionados a pensar que a justiça foi feita. Mas temos que exigir a justiça completa.”



Chegar ao fundo dos casos de assassinatos de jornalistas é um grande desafio em toda a América Latina, mas a tarefa pode ser especialmente difícil na Colômbia, o único desses países a enfrentar uma guerra ativa contra a guerrilha. A luta, que começou nos anos 1960, coloca dois grupos marxistas contra o governo. Até recentemente, a situação ainda incluía grupos de extermínio paramilitares de extrema-direita que frequentemente colaboravam com as forças armadas do país no combate aos grupos guerrilheiros e com políticos corruptos para intimidar seus adversários.

Todos esses grupos estiveram ativos em Arauca, uma província pouco povoada, mas rica em petróleo na fronteira com a Venezuela, onde seis jornalistas foram mortos desde 1991 de acordo com a FLIP. Mas, não importa o culpado, o sistema legal colombiano não foi capaz de condenar nenhum dos mandantes por trás desses crimes. Alguns desses homicídios podem não ter relação direta com o trabalho das vítimas, mas a incompetência para solucionar esses casos alimenta a prática de hostilização e intimidação aos repórteres de Arauca.

Por exemplo, o caso de Danilo Alfonso Baquero, um repórter da rádio da já extinta Emissora Bolivariana em Tame, uma pequena cidade no sudoeste da província de Arauca. No dia 23 de dezembro de 1993, o jornalista foi assassinado a tiros por homens suspeitos de pertencerem ao grupo de guerrilha conhecido como Exército de Libertação Nacional, o ELN, o menor dos dois grupos rebeldes da Colômbia.

Além do assassinato de Baquero, o ELN também foi considerado responsável pela morte de Iván Dario Pelayo, repórter de uma rádio da cidade de Puerto Rendón, em 1995, e pelo homicídio de Alfredo Matiz em 1996. Advogado, político e fundador, em 1965, da primeira estação de rádio de Arauca, La Voz del Cinaruco, Matiz frequentemente usava a emissora para denunciar a violência dos rebeldes, de acordo com seu filho, Alfredo Matiz Brando.

Os parentes nunca foram capazes de confirmar as razões por que o ELN sentenciou Baquero, Pelayo e Matiz à morte nem puderam testemunhar no tribunal. A província ainda é refém do ELN, e as autoridades não foram capazes ou não quiseram prender os guerrilheiros responsáveis por essas mortes ou os comandantes rebeldes por trás dos crimes. O caso de Baquero prescreveu em dezembro de 2013, assim como provavelmente vai acontecer com os casos de Pelayo e Matiz nos próximos anos.

“A justiça está agora nas mãos de Deus,” declarou Claudia Baquero, a irmã do jornalista assassinado.

Se não a justiça, algum tipo de responsabilização por esses crimes pode ainda ser possível. O governo da Colômbia está atualmente num processo de paz em Cuba com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, FARC, o maior grupo rebelde do país. Em julho de 2013, as FARC pediram ao governo que incluísse o ELN no diálogo, uma ideia que o presidente Juan Manuel Santos parece apoiar.

No caso de as negociações de paz com as FARC e o ELN obterem êxito, provavelmente isso incluirá um processo de justiça de transição, o que se refere a medidas judiciais e alternativas para lidar com as extensas violações aos direitos humanos em sociedade que estão em transição, de um estado de guerra para a paz. Como parte do interesse de convencer os rebeldes a se desmobilizarem, a vasta maioria de seus crimes permaneceria impune. No entanto, esse cenário tornaria possível que comandantes militares dos dois lados fossem indiciados. Segundo o International Crisis Group, eles foram os maiores responsáveis pelos crimes mais graves durante o conflito.

Não está claro se esse tipo de processo incluiria o indiciamento por alguns dos assassinatos de jornalistas. Entretanto, tanto as FARC, cujos guerrilheiros mataram numerosos repórteres, quanto o ELN apoiam a ideia de uma comissão independente de investigação para estabelecer a responsabilidade pelos crimes e possibilitar indenizações.

“Sem dúvida, também houve crueldade e dor provocada pelas nossas forças,” declarou o negociador das FARC, Pablo Catatumbo, em setembro de 2013 durante as negociações de paz em Havana. “Precisamos reconhecer a necessidade de lidar com a questão das vítimas, sua identificação e indenizações, com completa lealdade à causa da paz e da reconciliação.” 



Para as famílias de outros dois jornalistas de Arauca assassinados, a justiça de transição ajudou a esclarecer os crimes, mas também se mostrou um labirinto legal lento e frustrante.

Em 18 de março de 2003, Luis Eduardo Alfonso Parada, um correspondente do El Tiempo e da rádio de Arauca Meridiano-70, foi morto por paramilitares no caminho para o trabalho. Seu homicídio ocorreu apenas nove meses depois de os paramilitares assassinarem o dono da rádio, Efraín Varela Noriega, que, como Alfonso, era um crítico dos grupos de extermínio que haviam chegado a Arauca havia pouco tempo. 

Vários soldados paramilitares envolvidos nesses dois assassinatos se apresentaram voluntariamente à justiça depois do estabelecimento da legislação Justiça e Paz, em 2005. Esse mecanismo legal da justiça de transição, que nas últimas décadas possibilitou a desarticulação de cerca de 30 mil membros das forças paramilitares, oferece sentenças reduzidas – com pena máxima de oito anos – para os soldados que contam a verdade sobre seus crimes e concordam em pagar indenizações. 

Sob essa lei, um ex-soldado paramilitar confessou em 2009 haver assassinado Alfonso. Mas o advogado da família da vítima, Ramón del Carmen Garcés, contou ao CPJ que o homem ainda não foi condenado devido a atrasos no processo.

Mais alegações sobre as mortes de Alfonso e Varela vieram de Miguel Ángel Mejía, que comandava forças paramilitares em Arauca no início dos anos 2000. Num depoimento de 2009 sob a legislação Justiça e Paz, Mejía acusou o ex-governador de Arauca, Julio Acosta Bernal, de receber dinheiro dos grupos paramilitares e de ordenar o assassinato dos dois jornalistas. Acosta foi preso indiciado pelo assassinato de um adversário político de Arauca. Mas ele não foi denunciado pelas mortes de Alfonso e Varela, que frequentemente criticavam Acosta em suas matérias. O ex-governador negou a participação nesses dois crimes.

De qualquer forma, oito anos depois de a legislação Justiça e Paz entrar em vigor, apenas 14 soldados paramilitares foram condenados. Num relatório de 2013, a Anistia Internacional chamou a atenção para o fato de essa legislação ser “mais um exemplo de como o Estado não é capaz de obedecer aos padrões internacionais no que diz respeito ao direito das vítimas à verdade, à justiça e a reparações”. 

Tentativas do CPJ de entrevistar os promotores responsáveis pelos casos de Alfonso e Varela foram infrutíferas.

“Para alcançar justiça, temos que pegar os mandantes dos crimes,” disse Garcés ao CPJ de seu escritório em Arauca. “Quem ordenou os crimes é muito mais criminoso do que aqueles que puxaram o gatilho.”

Garcés destaca que, mesmo que faça mais de dez anos desde o último assassinato a um jornalista na província, o jornalismo local nunca se recuperou. Aqueles que investigam muito a fundo casos de corrupção no governo, ligações entre políticos e criminosos ou ações de guerrilheiros são rapidamente afastados.

“Essas são questões intocáveis,” declarou um repórter de Arauca que recebeu proteção do governo após sofrer ameaças de morte. “O objetivo dos assassinos é silenciar a imprensa de qualquer maneira. Os repórteres sobreviventes receberam uma mensagem bastante clara.”

John Otis, correspondente do CPJ na região dos Andes para o programa das Américas, trabalha como correspondente para a revista Time e o jornal Global Post. Ele é autor do livro Law of the Jungle, de 2010, sobre militares norte-americanos sequestrados por rebeldes colombianos. Atualmente mora em Bogotá, na Colômbia.


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