CPJ apresenta texto à Corte Internacional de Direitos Humanos

Nova York, 12 de setembro de 2011 – Uma ação alegando invasão à privacidade que Carlos Saúl Menem, ex-presidente da Argentina, impetrou contra dois jornalistas da revista local Noticias viola o Artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, afirmou o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) em um texto legal apresentado na sexta-feira ante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Este é o primeiro caso apresentado ao sistema interamericano que envolve uma demanda de privacidade originada em uma reportagem sobre temas de interesse público. O CPJ considera vital que a Corte estabeleça um precedente para proteger o direito dos jornalistas, em um momento no qual líderes na América Latina e ao redor do mundo estão utilizando um montante de ações legais para restringir o trabalho informativo crítico.

“Além de constituir um modo de processo judicial penal injustificado, os litígios civis abusivos são uma forma devastadora para que os poderosos funcionários públicos silenciem jornalistas que trabalham para que tais funcionários prestem contas de seus atos”, afirma o texto legal do CPJ.

O CPJ também instou a corte a “declarar que o acosso de um funcionário público contra um jornalista, através de um processo civil utilizado como represália, constitui uma violação ao direito à livre expressão”.

O texto amicus curiae, apresentado ante a Corte Regional, foi preparado pelo CPJ através da firma de advocacia Debevoise & Plimpton LLP, cujos advogados incluem Jeremy Feigelson, Erik Bierbauer, e James C. Goodale, integrante do conselho diretivo do CPJ e um proeminente advogado especializado na Primeira Emenda.

O caso originou-se em uma ação de 1995, apresentada pelo então presidente Menem contra Jorge Fontevecchia e Héctor D’Amico, respectivamente fundador e editor da Noticias, uma revista sediada em Buenos Aires e conhecida por seu jornalismo investigativo. O ex-presidente alegou que duas reportagens de 1995 sobre sua relação extraconjugal com Martha Mexa, uma ex-professora que se tornou deputada provincial do Partido Justicialista, havia invadido sua privacidade.

A Noticias, citando declarações e informações difundidas ampla e previamente por Meza, informou que o ex-mandatário era pai do filho de Meza, que nasceu em 1981. A revista noticiou que, enquanto era presidente, Menem deu generosos presentes e grandes somas de dinheiro a Meza; estabeleceu um fundo de investimento de um milhão de dólares norte-americanos para o filho, além de usar sua influência para que o governo do Paraguai protegesse Meza e seu filho quando ela denunciou que o menino havia sido ameaçado. Em 2007, Menem reconheceu a paternidade do menino. As reportagens da revista foram publicadas em meio a alegações de organizações internacionais e da oposição política sobre a existência de corrupção generalizada durante o governo Menem.

Em 1997, um tribunal recusou a ação de Menem, mas, em 1998, a decisão foi revertida em  apelação. Em 25 de setembro de 2001, a Corte Suprema de Justiça, cujos nove juízes incluíam seis que haviam sido designados por Menem, determinou que Fontevecchia, D’Amico e a Editorial Perfil, empresa editora da Noticias, eram legalmente responsáveis por haver invadido a privacidade de Menem. O tribunal ordenou aos acusados o pagamento de 60.000 pesos a Menem a título de danos (60.000 dólares norte-americanos em 2001), mais custas processuais de 244.323,25 pesos (84.000 dólares em 2005, quando foi enviado o último pagamento).  A Argentina reconheceu ante a Corte Interamericana que o Poder Judiciário estava demasiadamente próximo a Menem para ser verdadeiramente independente.

Durante sua década como presidente nos anos 90, Menem utilizou uma torrente de processos com o intuito de restringir a vibrante imprensa argentina, segundo demonstra a investigação do CPJ. Isto incluiu múltiplas ações contra a editora da Noticias.

Depois de esgotar todas as instâncias legais internas, o caso chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em Washington, D.C., em novembro de 2001. Em julho de 2010, a CIDH decidiu que a Corte Suprema da Argentina havia imposto limitações à liberdade de expressão dos jornalistas e recomendou que o Estado revogasse a sentença. Em dezembro, depois de a Argentina não cumprir as recomendações da comissão, a CIDH apresentou o caso ante a Corte Interamericana. 

“Assim como a violência e os processos penais representam uma ameaça para a liberdade de expressão, o mesmo ocorre com ações politizadas como a que apresentou o ex-presidente Carlos Saúl Menem”, afirmou o diretor-executivo do CPJ, Joel Simon. “Acreditamos que estas demandas violam garantias internacionais sobre a liberdade de expressão e esperamos que este argumento seja levado em conta pela corte”.

No texto, o CPJ afirma que “os jornalistas nunca deveriam ser objeto de acosso ou represálias legais por seu trabalho de informar de maneira veraz sobre assuntos de interesse público que envolvem funcionários do governo. Ao penalizar os jornalistas por  supostamente invadir a privacidade do presidente Menem, a Argentina ignorou a grande importância política dos temas investigados pela Noticias e, também, o fato de que Menem não sofreu nenhum tipo de dano apreciável em consequência das publicações. A Argentina utilizou os processados como exemplo, e enviou uma clara advertência e ameaça à imprensa do país: informar sobre políticos é assumir o risco de ruína econômica”. 

O informe especial do CPJ, “Equador sob Correa: confronto e repressão“[disponível em inglês e em espanhol], lançado recentemente, destaca a utilização de processos penais e civis para atacar jornalistas críticos. Como o presidente equatoriano Rafael Correa, outros líderes latino-americanos e em todo o mundo estão acossando jornalistas críticos com ações judiciais. “Sob o risco de enfrentar processos legais carentes de mérito, litígios intermináveis e de alto custo perante tribunais nacionais parciais, e a aplicação de vultosas sentenças, até os mais valentes jornalistas pensarão duas vezes antes de informar sobre possíveis condutas ilícitas de funcionários públicos”, diz o texto.