Nova Iorque, 29 de agosto de 2024 – No meio de tensão política na Guiné-Bissau, na sequência da dissolução do parlamento pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló em dezembro, foi com naturalidade que o jornalista da rádio Ussumane Mané fez ao líder da África Ocidental uma pergunta que estava na boca de toda a gente: haverá eleições presidenciais este ano?
Embaló, um antigo general do exército que chegou ao poder a 27 de fevereiro de 2020, na sequência de um escrutínio contestado, respondeu com palavrões a Mané durante a conferência de imprensa de 13 de julho no aeroporto da capital, Bissau.
“Ele explodiu, disse-me: ‘Vai-te foder’”, afirmou Mané, que trabalha na Rádio Sol Mansi, de propriedade católica, ao CPJ. “Fiquei chocado. Não disse mais nada”.
O incidente é emblemático da relação frágil entre a administração de Embaló e a imprensa, com as diferenças a aumentarem desde que o presidente destituiu o parlamento, na sequência de confrontos que ele disse serem uma tentativa de golpe.
Desde julho, pelo menos 16 jornalistas foram obstruídos, expulsos ou mesmo agredidos pela polícia e por funcionários do governo quando tentavam reportar notícias.
“As explosões e ameaças do Presidente Embaló contra os media, juntamente com a violência policial contra jornalistas, pintam um quadro sombrio da liberdade de imprensa antes das eleições legislativas da Guiné-Bissau em novembro”, disse a coordenadora do programa CPJ África, Muthoki Mumo, em Nairobi. “As autoridades devem investigar os ataques à imprensa e garantir que os media possam fazer o seu trabalho livremente.”
A governar por decreto, Embaló planeia realizar eleições legislativas em novembro, ignorando os apelos dos partidos políticos para a realização de eleições presidenciais em 2024, que, segundo os analistas, são constitucionalmente exigidas 90 dias antes do termo do seu mandato expirar a 27 de fevereiro de 2025.
Outros incidentes dignos de registo incluem:
- A 14 de julho, o sindicato dos jornalistas locais, Sinjotecs, apelou aos meios de comunicação social para boicotarem a cobertura do Presidente, descrevendo o “desrespeito” e os “insultos sistemáticos” como “recorrentes nas comunicações públicas de Embaló”. Em resposta, o Presidente anunciou o seu próprio boicote ao sindicato dos jornalistas e pediu ao Procurador-Geral que investigasse o Sinjotecs.
- No dia 31 de julho, duas jornalistas foram atropeladas por um veículo da polícia enquanto cobriam um protesto de professores em Bissau. A repórter da Rádio Popular, Nguoissan Monteiro, disse ao CPJ que a viatura a atropelou e a atirou a vários metros de distância. A repórter da Rádio Capital FM, Djuma Colubali, disse ao CPJ que um veículo da polícia passou por cima do seu pé e que um agente a agrediu com um bastão por detrás, enquanto ela filmava com um tripé num passeio. Ela desmaiou. O CPJ não conseguiu determinar se o mesmo veículo esteve envolvido em ambos os incidentes.
- Em 5 de agosto, Embaló teve um encontro de três horas com os jornalistas. Defendeu o seu historial de liberdade de imprensa. “Nos PALOP, (Países onde se fala português), a Guiné-Bissau é o único país onde um jornalista insulta o Presidente da República e vai dormir sem que nada lhe aconteça. Vemos países onde os jornalistas são abatidos a tiro na rua”, Embaló foi citado como tendo dito.
- No dia 13 de agosto, a polícia impediu mais de uma dezena de jornalistas de cobrir a chegada de Braima Camará, presidente do partido MADEM-G15 de Embaló, ao aeroporto internacional de Bissau. Camará era um dos principais aliados do presidente que recentemente retirou o seu apoio. Dois dos presentes, Aguinaldo Ampa, do jornal O Democrata, e Djariatu Baldé, da Rádio Jovem, disseram ao CPJ que a polícia bloqueou a entrada de cerca de 13 repórteres num centro de receção VIP, normalmente acessível à imprensa, e depois ordenou aos jornalistas que abandonassem a zona de chegada dos passageiros, bem como uma rotunda perto do aeroporto para onde se tinham retirado.
- A 22 de agosto, um assessor do Ministério da Saúde expulsou Indira Baldé, presidente do sindicato dos jornalistas que trabalha para a emissora pública portuguesa RTP, da sua conferência de imprensa, invocando uma “ordem superior da presidência para me proibir de fazer reportagens sobre qualquer coisa relacionada com o governo”, disse Baldé ao CPJ.
A porta-voz da presidência, Ndira Tavares, disse ao CPJ que estava confiante de que um incidente como o de Embaló insultar Mané não voltaria a acontecer e que a presidência estava “empenhada em manter um diálogo aberto e respeitoso” com a imprensa. A porta-voz descreveu o encontro do Presidente com os jornalistas a 5 de agosto como “muito produtivo e participativo”, mas não comentou a expulsão de Baldé da conferência de imprensa do Ministério da Saúde.
José Carlos Macedo Monteiro, Secretário de Estado da Ordem Pública, disse ao CPJ “que os que estão no estrangeiro não sabem o que se passa no país e não devem falar do que não sabem”, sem fornecer mais pormenores.
O Ministério da Administração Interna não respondeu ao pedido de comentário do CPJ enviado por correio eletrónico.