Dois repórteres, José Kalembe e Diamantino Sangueve, da Rádio Ecclésia Huambo gerida pela Igreja Católica, e o seu diretor, Padre Alberto Java, foram interrogados pela polícia angolana nos dias 6 e 26 de janeiro como parte de uma queixa por difamação criminosa e calúnia depois de uma reportagem sobre os alegados negócios de tráfico de armas de um comandante da polícia local, de acordo com os jornalistas que falaram com o CPJ por telefone, e reportagens dos media.
A 3 de dezembro de 2021, Sangueve transmitiu a sua reportagem, baseada no testemunho de dois residentes locais, sobre as alegadas ações ilegais de um polícia no Huambo, conhecido pela sua alcunha de “Comandante Tabaco”.
A primeira fonte da reportagem de Sangueve foi um ex-presidiário que tinha sido encarcerado em posse de armas da polícia. Segundo a fonte, “Tabaco” vendeu-lhe espingardas e munições e a outras pessoas por cerca de 55.000 kwanzas (110 dólares) cada. A outra fonte disse que “Tabaco” ordenou que ela fosse espancada por causa de uma disputa com outra mulher, que ela afirmava ser a namorada do polícia.
Mais tarde, a 3 de dezembro, Kalembe transmitiu um programa de três horas na língua local Umbundu, incluindo discussões sobre a reportagem de Sagueve e permitindo aos ouvintes telefonar e comentar, disse ele ao CPJ.
A 4 de dezembro de 2021, “Tabaco”, que não estava fardado, e três outros homens que também estavam à paisana, visitaram a estação de rádio e exigiram ver Kalembe, segundo o jornalista e o assistente administrativo da Rádio Ecclésia, Paulo Ngila, que falou ao CPJ por telefone.
“Tabaco” estava muito zangado e insistiu que a Rádio Ecclésia nunca deveria ter transmitido as alegações contra ele, disse Ngila ao CPJ, acrescentando que tinha dito ao polícia que Kalembe não estava no local e que deveria queixar-se por escrito à administração da rádio.
Martinho Satito, porta-voz da polícia no Huambo, disse ao CPJ por telefone que foi aberta uma investigação criminal por difamação após o comandante ter apresentado uma queixa contra a Rádio Ecclésia e os seus jornalistas.
Satito recusou-se a dar o nome completo do “Tabaco”, citando o seu direito à presunção de inocência, e afirmou que não podia comentar sobre as perguntas da polícia aos jornalistas, mas que a polícia reagiu rapidamente à notícia, abrindo uma investigação interna sobre o comandante no dia seguinte à transmissão. A investigação ainda está em curso.
A 6 de janeiro, os polícias interrogaram Java e Kalembe sobre a reportagem e as suas fontes, dizendo que a estação deveria ter esperado pelo comentário da polícia antes de transmitir a reportagem, relataram o jornalista e Java ao CPJ. A 26 de janeiro, Sangueve foi interrogado por agentes sobre as informações de contato do ex-preso que falou sobre as ações de “Tabaco”, disse ao CPJ, acrescentando que os jornalistas ficaram surpreendidos por receberem a notificação para comparecerem para interrogatório, uma vez que procuraram obter comentários da polícia antes da transmissão da reportagem.
Satito confirmou ao CPJ que visitou a estação de rádio antes da transmissão e recebeu uma cópia da entrevista do ex-recluso e prometeu dar o seu comentário ao canal. Os jornalistas disseram ao CPJ que Satito lhes disse que teriam um comentário em menos de 24 horas e que esperaram 48 horas antes de transmitirem a reportagem. Satito afirmou que só esperaram 24 horas antes da reportagem ir para o ar, embora ele não pudesse confirmar ao CPJ em que dia se dirigiu à estação de rádio.
Sangueve disse ao CPJ que ele e Java foram nomeados como testemunhas na investigação e Kalembe foi declarado “arguido“, uma classificação legal portuguesa em que as pessoas se tornam suspeitos formais na prática de um crime, e que pode ser um passo preliminar para uma detenção ou acusação formal. Não está claro por que razão as autoridades designaram Kalembe como “arguido”, disseram os jornalistas ao CPJ.
De acordo com o advogado de Kalembe, António Pelage, o serviço de investigação criminal de Huambo encaminhou a sua investigação para o Ministério Público local para uma decisão sobre a acusação formal do seu cliente. “O investigador disse-nos que os jornalistas deveriam esperar por uma nova notificação”, explicou Pelage ao CPJ.
A difamação criminosa implica uma pena de até um ano e meio de prisão ou uma multa a critério do juiz, de acordo com o advogado e o código penal. A calúnia implica um ano de prisão ou uma multa semelhante à discrição do juiz. Contatado por telefone a 22 de fevereiro, “Tabaco” recusou-se a declarar o seu nome completo e disse ao CPJ que tinha ido à rádio para perguntar a Kalembe sobre a sua fonte, porque as alegações o afetavam profissional e pessoalmente. Disse também que não retiraria a queixa porque isso tinha prejudicado a sua reputação e que não podia comentar mais porque queria que o assunto fosse decidido em tribunal.