O ex-presidente do Peru, Martin Vizcarra, conversa com jornalistas na reabertura do Aeroporto Internacional Jorge Chávez, após mais de seis meses de bloqueio após o surto da COVID-19 em Lima, Peru, em 5 de outubro de 2020. O Peru é um dos cinco países latino-americanos em quais o CPJ e TrustLaw documentaram restrições aos meios de comunicação devido à pandemia. (Reuters / Sebastian Castaneda)

Em cinco países da América Latina, as respostas à COVID-19 restringem a liberdade de imprensa, constatam CPJ e TrustLaw

Por Natalie Southwick, coordenadora do Programa para as Américas do Sul e Central do CPJ 

Na Bolívia, Brasil, El Salvador e Peru, medidas de emergência em resposta à COVID-19 restringiram a capacidade da mídia de informar livremente e a capacidade do público de acessar informações, incluindo esclarecimentos críticos sobre intervenções de saúde pública e a própria pandemia, constatou um relatório do Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ) e o programa TrustLaw da Fundação Thomson Reuters. O informe, publicado em 8 de junho, também apurou que a legislação que antecedeu a COVID-19 na República Dominicana foi usada para processar pessoas por publicarem “falsas notícias” sobre a pandemia.  

O relatório aprofundado, intitulado “Medidas de resposta à COVID-19 que afetam a liberdade de imprensa”, analisa como as medidas de emergência adotadas em resposta à pandemia da COVID-19 impactam a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e o acesso à informação nos cinco países da América Latina. Produzido em parceria com equipes pro bono de escritórios de advocacia dos cinco países, o relatório bilíngue é uma análise comparativa das novas leis, ordens executivas e outras medidas legais promulgadas nesses países em resposta à pandemia nos seis meses seguintes ao primeiro caso identificado de COVID-19 na América Latina, em fevereiro de 2020. O informe analisa como essas medidas impactaram negativamente a liberdade de expressão e o acesso à informação durante esse período de seis meses, ou seu potencial para restringir esses direitos fundamentais no futuro. 

Apesar da orientação de organismos internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cuja Resolução 01/20, adotada em abril de 2020, ofereceu recomendações específicas para que os países “abordassem a COVID-19 a partir de uma perspectiva de direitos humanos”, lideranças nacionais pelas Américas não atenderam às necessidades dos jornalistas e implementaram regulamentações com linguagem excessivamente ampla que abriram as portas para uma maior criminalização da livre expressão. Em alguns casos especialmente preocupantes, líderes já considerados repressivos usaram a pandemia como pretexto para aumentar a censura, minar a transparência e restringir o acesso público à informação.

Conforme a pandemia se espalhou pelas Américas, autoridades e responsáveis pela elaboração de políticas não consideraram as necessidades específicas da imprensa para manter o acesso a seus locais de trabalho e de realização de reportagens, impondo o toque de recolher e ordens de quarentena sem exceções para a mídia. Apesar da clara necessidade do público por informações confiáveis, os jornalistas nem sempre foram definidos como “trabalhadores essenciais” – dos países analisados, a República Dominicana e o Peru foram os únicos a definir proativamente o trabalho da mídia como um “serviço essencial” ou incluir isenções para trabalhadores dos meios de comunicação desde o início. Mesmo no Peru, responsáveis pela aplicação da lei nem sempre estavam cientes das exceções, levando a numerosos casos de jornalistas assediados ou detidos brevemente pela polícia por quebrar a quarentena, mesmo quando carregavam a identificação necessária que lhes permitia circular livremente, como o CPJ documentou na época.

A pressa em redigir e aprovar muitas dessas ordens executivas e legislações de emergência também significou que a própria linguagem era com frequência excessivamente ampla, deixando-as abertas à interpretação e, em alguns casos, introduzindo novos crimes não previstos no código penal nacional, sob o pretexto de proteger a saúde pública. Na Bolívia, o governo da presidente interina Jeanine Áñez foi forçado a recuar em diversos decretos executivos que permitiam acusações criminais contra indivíduos que espalhavam “desinformação” ou causavam “incerteza na população”, sem definir nenhum desses termos. No Brasil, vários legisladores apresentaram projetos de lei que estabeleceriam penalidades criminais para quem publicasse ou compartilhasse “notícias falsas” – uma expressão que não tem definição jurídica estabelecida pela legislação brasileira. 

Nos casos mais preocupantes, o relatório concluiu que a COVID-19 ofereceu uma desculpa para líderes com tendências autoritárias restringirem ainda mais o acesso às informações oficiais e se protegerem de perguntas ou críticas. A administração do presidente salvadorenho Nayib Bukele disponibilizou informações através de algumas poucas fontes selecionadas, oferecendo atualizações oficiais somente por meio da secretaria de imprensa presidencial ou, cada vez mais, pela própria conta do presidente no Twitter. Tanto em El Salvador como no Brasil, os governos nacionais reduziram ou suspenderam as atividades de entidades governamentais encarregadas de garantir a transparência e responder às solicitações de informações públicas, efetivamente suprimindo fontes de dados vitais sobre questões de interesse público, tais como contratos governamentais para centros e suprimentos médicos, aplicação de vacinas e até mesmo taxas de hospitalização e mortalidade.

O relatório completo está disponível em inglês e espanhol aqui.