Carlos Lauría / Coordenador Sênior do Programa das Américas do CPJ
“Deixe-me em paz. Vai chafurdar no lixo” disse em um acesso de raiva o presidente do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Joaquim Barbosa, a um repórter de um dos principais jornais nacionais, O Estado de São Paulo, que tentou lhe fazer uma pergunta na terça-feira em uma reunião do Conselho Nacional de Justiça em Brasília, capital do país. Atordoado pela reação de Barbosa, o jornalista exigiu uma explicação. “Você é um palhaço”, foi a resposta que recebeu do presidente do mais alto tribunal do Brasil.
Mais tarde naquele dia, o tribunal divulgou um comunicado no qual Barbosa, que é conhecido por sua firme posição contra a corrupção política, pediu desculpas pela erupção e disse ter sido um incidente isolado que não reflete sua relação com a imprensa. O presidente do STF apontou que está comprometido com a liberdade de expressão, o que era corroborado por iniciativas como o encontro que teria com o CPJ no dia seguinte. Convidado a comentar o infeliz desabafo de Barbosa, disse ao jornal "As relações entre as instituições democráticas e a imprensa devem se basear no respeito mútuo".
No dia seguinte, juntamente com um dos principais jornalistas investigativos e ganhador do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do CPJ Mauri König, encontrei Barbosa em seu elegante e solene escritório no centro de Brasília. Barbosa mostrou interesse na visão do CPJ sobre as condições da liberdade de imprensa no Brasil, e estava bem consciente da recente violência letal que está afetando jornalistas no interior. No entanto, o presidente do STF disse não achar que a censura judicial - juízes ao lado de figuras poderosas contra a imprensa em casos de difamação ou privacidade - seja um grande problema no Brasil, apesar das pesquisas de grupos locais e internacionais demonstrarem o contrário. Eu ouvi opinião semelhante de um de seus antecessores, Antonio Cesar Peluso, com quem me reuni em 2010.
O encontro com Barbosa foi parte de uma missão do CPJ à capital brasileira para apresentar o relatório anual Ataques à Imprensa a altos funcionários em todas as três esferas do governo, expressar nossa preocupação com o acentuado aumento de assassinatos de jornalistas, e discutir o papel do Brasil na defesa do sistema regional de direitos humanos. König, que está de volta ao país depois de um curto período no exílio a que foi submetido após receber sérias ameaças de morte por reportagens sobre corrupção policial, é diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo ou ABRAJI.
Antes de nosso encontro no STF, visitamos o Congresso Nacional para nos reunir com os líderes de ambas as casas. Renan Calheiros, presidente do Senado, declarou total compromisso do colegiado com a livre expressão e foi enfático em seu apoio ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que está sob ataque da ALBA, bloco liderado pelo Equador. "Qualquer coisa que prejudique o atual sistema de direitos humanos do hemisfério encontrará uma barreira no Senado brasileiro", disse Calheiros. O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alvez, usou um tom similar, afirmando que buscará uma declaração de apoio da Câmara.
Ambos os líderes do Congresso forneceram informação sobre um projeto que está sob a apreciação da Câmara dos Deputados que daria à polícia federal a competência para investigar crimes contra jornalistas. O projeto de lei, segundo informações da imprensa, é motivado pela dificuldade e desafios enfrentados pelos investigadores de polícia local para resolver esses crimes. No entanto, alguns proeminentes jornalistas disseram ao CPJ que a iniciativa não é suficientemente abrangente (não compreende o direito constitucional à liberdade de expressão), e poderia ser interpretado por alguns como um privilégio para jornalistas em um momento no qual as taxas de criminalidade em todo o país são crescentes. Calheiros e Alves, ambos políticos poderosos que representam estados nordestinos pobres, foram alvo de várias investigações sobre corrupção.
Nós ainda nos reunimos com a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que também expressou apoio ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e ao seu relator especial para a liberdade de expressão. "O Brasil está trabalhando duro junto com outros países membros da OEA [Organização dos Estados Americanos] para fortalecer o sistema regional de direitos humanos, e preservar a autonomia e independência da comissão", disse ela.
Maria do Rosário disse que seu ministério está estudando a criação de um mecanismo federal de proteção a jornalistas em risco como resultado do aumento no número de ameaças e assassinatos de jornalistas. Ela declarou que um grupo especial composto por autoridades de direitos humanos, ministérios da Justiça e da Comunicação, presidência, polícia federal, e grupos de imprensa (incluindo a ABRAJI), criará um sistema de monitoramento de ataques contra a imprensa. Depois de um período de avaliação de seis meses, o grupo fará recomendações para a criação ou não do mecanismo. Se criado, o programa vai reproduzir um que está em vigor desde 2004 para a proteção de defensores dos direitos humanos. Esse programa fornece assistência, incluindo a realocação e a proteção policial, para aqueles que recebem sérias ameaças ou são atacados por seu trabalho.
Ressaltando a necessidade de proteger jornalistas e processar seus agressores, o radialista Rodrigo Neto foi morto a tiros hoje em Minas Gerais, o nono jornalista assassinado no Brasil nos últimos dois anos.
As reuniões de alto nível mantidas esta semana pelo CPJ foram coordenadas pelo diretor da ABRAJI Fernando Rodrigues, proeminente jornalista da Folha de S.Paulo, um dos principais jornais do país, e membros do grupo. Amplamente respeitada entre os repórteres locais, a ABRAJI foi fundada em 2002 e tem feito grandes progressos na promoção do jornalismo investigativo em todo o Brasil. A organização treinou e instruiu 4.000 jornalistas, e tem um programa que monitora violações à liberdade de imprensa.