• Forças Armadas dos Estados Unidos ignoram pedido de investigação de assassinato de 16 jornalistas no Iraque.
• Sob a Lei Pearl, o Departamento de Estado poderá monitorar a liberdade de imprensa em todo o mundo.
Estatística em Destaque
14: jornalistas presos pelas forças militares norte-americanas por longos períodos de tempo sem acusação, entre 2004 e 2010.
Em dois importantes avanços, o Congresso aprovou uma legislação para poder acompanhar a liberdade de imprensa em todo o mundo, enquanto forças militares libertaram um jornalista iraquiano que estava preso sem acusação há 17 meses. Mas funcionários obstruíram um fotojornalista que cobria um grande derramamento de óleo no Golfo do México e repórteres que documentavam um processo judicial militar na Baía de Guantánamo, em Cuba. Um vídeo de militares norte-americanos, divulgado pelo site WikiLeaks, levantou questões sobre se as tropas dos Estados Unidos agiram de forma correta quando atiraram e mataram um jornalista iraquiano e seu assistente em 2007.
ATAQUES À
IMPRENSA EM 2010
Prefácio
Introdução
Análise Internet
Análise Américas
Argentina
Brasil
Colômbia
Cuba
Estados Unidos
Equador
Haiti
Honduras
México
Venezuela
Ataques e fatao
em toda a região
Em 10 de fevereiro, forças militares norte-americanas libertaram Ibrahim Jassam, um fotógrafo e cinegrafista freelance que contribuía para a Reuters. Depois de prender Jassam em setembro de 2008 sob a vaga justificativa de que ele representava uma “ameaça à segurança do Iraque e das forças de coalizão”, o exército dos Estados Unidos o manteve sob custódia contrariando a decisão de um Tribunal Penal iraquiano, que concluiu que não havia provas suficientes para acusar o jornalista de um crime. O CPJ e outras organizações expressaram esperança de que a libertação de Jassam marcasse o fim de uma prática alarmante do exército norte-americano de prender jornalistas por tempo indeterminado. Segundo pesquisa realizada pelo CPJ, desde 2004, pelo menos 14 jornalistas foram detidos pelas forças dos Estados Unidos por longos períodos de tempo sem qualquer acusação ou processo judicial no Iraque, no Afeganistão e na Baía de Guantánamo.
Em maio, o presidente Barack Obama assinou a Lei Daniel Pearl de Liberdade de Imprensa, nomeada em memória do repórter do Wall Street Journal que foi morto no Paquistão em 2003. A medida exige que o Departamento de Estado aprofunde sua investigação em questões de liberdade de imprensa e apresente suas conclusões anualmente para o Congresso. Os relatórios devem documentar uma série de abusos – incluindo ataques, prisões e fontes indiretas de pressão – e avaliar medidas para frear as violações. No mesmo mês, Obama celebrou o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa ao lembrar o jornalista Chauncey Bailey, que foi morto em 2007 em Oakland, Califórnia. Uma coalizão de jornalistas locais e organizações de imprensa chamada Projeto Chauncey Bailey foi fundamental na exposição de uma investigação policial falha e na promoção de uma pesquisa mais aprofundada. Os promotores estavam preparando o caso para julgamento no fim do ano.
Também em maio, funcionários do Pentágono barraram quatro jornalistas da cobertura das ações da comissão militar norte-americana na Baía de Guantánamo. O exército acusou os jornalistas de violarem regras básicas que impedem a identificação de seus funcionários sem aprovação explícita. Michelle Shephard do Toronto Star, Paul Koring do Globe and Mail de Toronto, Steven Edwards do Serviço de Notícias Canwest e Carol Rosenberg do Miami Herald citaram um interrogador do exército norte-americano, Joshua Claus, a quem um detento que passava por exames médicos acusou de tortura. Claus já tinha se identificado à imprensa dois anos antes em entrevistas para o Toronto Star e outros veículos canadenses, nas quais ele negou ter torturado o detento. Seu nome também foi mencionado em 2005, em uma matéria do New York Times sobre outro caso de interrogatório do exército norte-americano.
Uma coalizão de organizações de imprensa, incluindo a McClatchy Newspapers (dona do Miami Herald), a Dow Jones & Co., o New York Times, o Washington Post, a Reuters e a The Associated Press, afirmou que a proibição era inconstitucional. Dois meses depois dos repórteres serem barrados, o Pentágono permitiu que retornassem à cobertura com a condição de que admitissem ter violado regras militares e aceitassem obedecer as restrições do Pentágono nas próximas matérias. Em setembro, o Pentágono divulgou novas regras básicas, permitindo que repórteres noticiassem informação já pública, mesmo que fosse considerada “protegida” por um juiz militar na Baía de Guantánamo. O Pentágono declarou que continuaria a impor outras restrições – incluindo a edição de fotos antes de sua publicação para atenderem aos requisitos de segurança -, ainda que tenha estabelecido um processo de apelação expressa, para que os litígios pudessem ser resolvidos no prazo de 24 horas.
Pelo menos um jornalista foi hostilizado enquanto tentava cobrir o derramamento de óleo no Golfo, um dos maiores acontecimentos nos Estados Unidos em 2010. O fotógrafo Lance Rosenfield estava trabalhando em julho para a organização de mídia sem fins lucrativos ProPublica (dirigida pelo diretor do CPJ Paul Steiger) e o programa de televisão “Frontline”, da emissora PBS, perto de uma refinaria da BP na Cidade do Texas. Rosenfield foi confrontado por um segurança da BP, um policial local e um homem que se identificou como um agente do Departamento de Segurança Interna, de acordo com o ProPublica. O policial liberou o fotógrafo apenas depois de revisar suas fotos e anotar sua data de nascimento e número de identidade. Depois, entregou os dados para o segurança da BP, disse o ProPublica.
No Alasca, em outubro, os assessores de campanha do candidato republicano ao Senado dos Estados Unidos Joe Miller algemaram e detiveram o editor de um site local, após ele ter insistido em fazer perguntas após um evento de campanha na cidade. O fundador e editor do Alaska Dispatch, Tony Hopfinger, estava questionando Miller sobre relatos de que o candidato havia sido punido por utilizar recursos da cidade de Fairbanks para sua própria campanha política enquanto trabalhava durante meio período como advogado público. Quando a polícia chegou, libertaram o editor. Não foram prestadas queixas contra nenhum dos envolvidos. Miller perdeu a eleição.
Em abril, o WikiLeaks divulgou um vídeo do exército norte-americano que mostra um ataque feito em julho de 2007 pelas forças dos Estados Unidos em Bagdá que resultou na morte de diversas pessoas, entre elas o fotógrafo da Reuters Namir Noor-Eldeen e seu assistente Saeed Chmagh. O CPJ enviou uma carta para o Secretário de Defesa norte-americano Robert Gates pedindo uma investigação ampla, imparcial e pública sobre as mortes de Noor-Eldeen e Chmagh, junto com a de outros 15 jornalistas iraquianos e dois funcionários de apoio à imprensa mortos a tiros pelas forças dos Estados Unidos desde 2003. Gates não respondeu.
Autoridades do Pentágono foram as que protestaram, em julho, quando o WikiLeaks publicou mais de 75 mil documentos secretos do exército norte-americano sobre o Afeganistão. O site forneceu ao New York Times, o Guardian e o Der Spiegel acesso antecipado aos documentos, e cada publicação resumiu suas descobertas em artigos separados publicados simultaneamente nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Alemanha. Em outubro, o WikiLeaks divulgou quase 400 mil documentos restritos sobre as operações militares dos Estados Unidos no Iraque. O Pentágono novamente protestou, dizendo que a divulgação ameaçava a vida das tropas norte-americanas e aliadas, e de seus informantes.
No mês seguinte, o WikiLeaks divulgou uma série de comunicados confidenciais do Departamento de Estado norte-americano, levando algumas figuras políticas locais a condenar o fundador Julian Assange como um “inimigo combatente” e “terrorista de informação”. O CPJ declarou que o uso de uma retórica tão inflamatória dá cobertura para líderes autocratas ao redor do mundo que costumam utilizar linguagem similar para referir-se a jornalistas críticos. O procurador-geral dos Estados Unidos Eric Holder disse que tomaria medidas legais contra Assange. Detalhes de um possível processo não foram divulgados, ainda que tenha havido especulações de que o governo prestaria queixas legais sob a Lei de Espionagem de 1917. Em carta a Obama e Holder, o CPJ instou a administração a não processar Assange.
O Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos e o Departamento de Estado negaram um visto de entrada, em junho, para Hollman Morris, um premiado jornalista colombiano que iria estudar na Universidade de Harvard por meio de uma bolsa de estudos da Fundação Nieman. A embaixada norte-americana em Bogotá informou ao jornalista que ele era inelegível sob o Ato Patriótica (Patriot Act), que proíbe vistos para acusados de atividade terrorista. O curador da Nieman. Robert H. Giles. registrou no Los Angeles Times que enquanto alguns bolsistas haviam sido anteriormente barrados por seus próprios governos – tal como na era do apartheid na África do Sul -, a negação do visto de Morris foi a primeira vez que um estudante foi barrado pelos Estados Unidos.
Morris ficou conhecido por suas revelações de abusos contra os direitos humanos e ligações entre grupos paramilitares ilegais de direita e funcionários do governo do presidente Álvaro Uribe Vélez. A caracterização infundada feita por Uribe de Morris como um “cúmplice do terrorismo” foi vista como influente na decisão dos Estados Unidos. Uma coalizão de grupos que incluiu o CPJ, a Human Rights Watch, o Centro Dart para Jornalismo e Trauma, o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e o Sindicato das Liberdades Civis Americanas protestou contra a decisão. O CPJ enviou uma carta para a Secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton, pedindo-lhe que revertesse a decisão. Um mês depois, funcionários norte-americanos concederam o visto a Morris.
Em maio, um tribunal federal em Nova Iorque julgou a favor de uma companhia de petróleo que queria obter o material bruto do documentário “Crude”. O filme registra alegações sobre degradações na saúde e no meio ambiente causadas pela extração de óleo da Texaco no Equador. A companhia petrolífera, comprada pela Chevron em 2010, disse que precisava do material para sua defesa em uma ação movida por equatorianos que exigiam milhões de dólares em danos. O diretor do filme, Joseph Berlinger, entrou com um recurso. Um grupo de documentaristas e associações de produção de cinema, incluindo a Associação Internacional de Documentários, a Associação dos Diretores da América e o Instituto de Filmes de Tribeca, registrou uma declaração em seu apoio. Organizações de imprensa, incluindo a The Associated Press e o New York Times, publicaram um texto de apoio escrito pelo famoso advogado especialista na Primeira Emenda, Floyd Abrams. Em julho, o Tribunal de Apelações dos Estados Unidos em Nova Iorque reduziu a decisão, mas ainda assim ordenou que Berlinger entregasse uma parte limitada do material bruto envolvendo advogados, peritos e funcionários do governo. Em setembro, o tribunal ordenou que Berlinger respondesse a questões em depoimento aos advogados da Chevron.
Molly Norris, uma cartunista política do Seattle Weekly, escondeu-se depois que publicou um chamado por “Dia de Todo Mundo Desenhar Maomé”, de acordo com o jornal. A declaração foi incluída em uma tira publicada em abril que satirizava a decisão do canal a cabo Comedy Central de não levar ao ar um episódio de “South Park” que testou a proibição islâmica de representar imagens do Profeta. O cartum de Norris não retratava Maomé de forma direta, mas a tira incluía imagens como um bule de chá sorridente que dizia “Sou a imagem e semelhança de Maomé”. O cartum foi replicado por terceiros no Facebook. Um tribunal paquistanês ordenou aos provedores de serviço que bloqueassem temporariamente o acesso ao Facebook por causa do desenho. Um clérigo iemenita-americano, Anwar al-Awlaki, declarou em uma revista de idioma inglês, Inspire, em trechos que depois foram postados online pelo site “Al-Qaeda na Península Ibérica”, que Norris “não merece a vida, não merece respirar o ar”, de acordo com o Daily News, de Nova Iorque. Segundo noticiado pelo Seattle Weekly, Norris escondeu-se em setembro, seguindo conselhos de peritos do FBI.