O CPJ pede uma investigação completa após blitz fiscal no Clarín

Nova York, 11 de setembro de 2009 – Na quarta-feira, aproximadamente 200 fiscais invadiram os escritórios do Clarín, o jornal argentino de maior circulação, depois que o diário publicou uma matéria sobre o pagamento de um subsídio agrário irregular por um órgão governamental, informou a imprensa local. A ação, descrita pelo Clarín como intimidação do governo, intensificou um áspero debate entre a administração da Presidenta Cristina Fernández de Kirchner e o principal grupo de mídia da Argentina sobre uma proposta para reformar a lei que regula o espaço radioelétrico.

Os inspetores da Administração Federal de Ingressos Públicos (AFIP) irromperam nos escritórios do Clarín em Buenos Aires nas primeiras horas da tarde, noticiou a imprensa. Enquanto os agentes recolhiam documentos, o diretor da AFIP [fisco da Argentina], Ricardo Echegaray, telefonou ao secretário-geral de redação do Clarín, Ricardo Kirschbaum, para informar que não havia ordenado a inspeção, que havia ocorrido por um erro de procedimento, segundo informou o diário.

Echegaray enviou uma carta ao Clarín desculpando-se pela operação e anunciando que ordenou a abertura de processo administrativo, noticiou a imprensa. O Clarín informou que dois diretores regionais da AFIP foram demitidos na quarta-feira. Mas o chefe de Gabinete argentino, Aníbal Fernández, insistiu hoje, durante uma entrevista de rádio, que a blitz não havia sido um ato de intimidação.

“As autoridades argentinas devem chegar ao fundo desta questão e apurar quem são os responsáveis”, afirmou o coordenador sênior do programa das Américas, Carlos Lauría. “A presidenta Kirchner deve desmentir publicamente a existência de qualquer esforço do governo para intimidar a imprensa crítica ou aqueles que se opõem ao projeto de lei de mídia audiovisual”.

A blitz ocorreu horas depois da publicação, pelo Clarín, de uma reportagem de capa sobre o suposto pagamento de um subsidio de 10 milhões de pesos (US$ 2,6 milhões) pela agência governamental Oficina Nacional de Control Comercial Agropecuario (ONCCA) a uma empresa agropecuária, sem a devida autorização. Ricardo Echegaray também é o titular da ONCCA.

O Clarín descreveu a inspeção como “uma escalada de atos agressivos e intimidantes” que ocorre em meio à discussão sobre a lei de mídia apoiada por Kirchner. Em agosto, o escritório do jornal em Rosario foi vítima de vandalismo. No mesmo mês, cartazes e grafites atacando o Clarín e seus executivos apareceram em diferentes locais de Buenos Aires.

Em 27 de agosto, a presidenta Kirchner apresentou ao Congresso uma lei de meios de comunicação audiovisuais que, segundo o governo, democratizará o espaço radioelétrico. Entre outras coisas, o projeto prevê a divisão do espaço radioelétrico em três partes: um terço das licenças seria outorgado a empresas privadas; um terço a meios de comunicação do Estado; e o terço restante a organizações sem fins lucrativos. O projeto também limita o número de licenças que uma empresa pode ter, e prevê cotas para programação nacional.

Muitos jornalistas e ativistas pela liberdade de imprensa na Argentina reconhecem a necessidade de modificar os regulamentos de radiodifusão promulgados em 1980, durante a ditadura militar, mas demonstram preocupação com este projeto de lei.

Uma análise de CPJ encontrou cláusulas no projeto que poderiam restringir a liberdade de expressão, em particular um artigo que outorga ao Poder Executivo a autoridade para designar a maioria dos membros do novo órgão regulador. “O órgão regulador deve ser autônomo e independente para assegurar que as frequências do espaço radioelétrico não sejam objeto de interferências políticas”, disse Lauría. “A blitz desta semana aumenta nossas preocupações sobre eventuais intimidações e pressões do governo”. 

Jornalistas locais manifestaram sua inquietação ante o fato de a administração estar pressionando a aprovação da lei antes que o novo Congresso tome posse, em 10 de dezembro.  O governo tem, atualmente, maioria em ambas as casas, uma posição que perderá quando o novo Congresso assumir. “Instamos as autoridades a adiar o debate sobre a lei até que os novos legisladores assumam, em 10 de dezembro. Isto promoverá uma discussão mais pluralista e diversa”, destacou Lauría.

Os analistas acreditam que a lei de mídia aponta para a debilitação do Grupo Clarín, já que os novos regulamentos obrigariam o grupo a vender alguns de seus meios de comunicação. O Clarín tem se oposto fortemente ao projeto. O Grupo Clarín é proprietário de jornais, de emissoras de rádio e de televisão, assim como de empresas provedoras de serviços de cabo e Internet.