Jornalistas acompanham o Facebook Live de Jair Bolsonaro, legislador de extrema direita e candidato presidencial do Partido Social Liberal (PSL), no Rio de Janeiro, Brasil, em 7 de outubro de 2018. Depois de assumir o cargo em janeiro, Bolsonaro e seus partidários tornaram o trabalho dos jornalistas brasileiros mais difícil. (Reuters/Sergio Moraes)
Jornalistas acompanham o Facebook Live de Jair Bolsonaro, legislador de extrema direita e candidato presidencial do Partido Social Liberal (PSL), no Rio de Janeiro, Brasil, em 7 de outubro de 2018. Depois de assumir o cargo em janeiro, Bolsonaro e seus partidários tornaram o trabalho dos jornalistas brasileiros mais difícil. (Reuters/Sergio Moraes)

Bolsonaro está dificultando o trabalho dos jornalistas brasileiros

Andrew Downie /Correspondente do CPJ no Brasil

Primeiro como candidato e agora em seus primeiros meses como presidente, Jair Bolsonaro deixou claro seu desdém pela imprensa. Ministros, apoiadores e membros de sua família seguiram seu exemplo deixando de conceder entrevistas, atacando e bloqueando repórteres críticos nas redes sociais, e chamando-os de “notícias falsas”.

Bolsonaro, ex-capitão do exército que assumiu o poder com um discurso de extrema-direita focado em combater a corrupção e dominar as chocantes taxas de criminalidade do Brasil, criticou a mídia durante toda a campanha. Como presidente, ele evitou conferências de imprensa abertas e preferiu fazer comunicados pela mídia social ou para repórteres amigáveis. Em um tuíte enviado no início deste mês maculava uma repórter que estava investigando as relações financeiras duvidosas de sua família, repetindo uma notícia que foi fabricada.

“O bom é que agora temos um porta-voz presidencial”, disse Anthony Boadle, correspondente da Thomson Reuters em Brasília, referindo-se ao general Otávio Rêgo Barros, porta-voz da presidência. “Ele aceita qualquer pergunta, dá retorno a você e conhece o mundo. A má notícia é que não há mais negociações off the record ou de bastidores. É o mesmo no Ministério das Relações Exteriores. O governo agora é executado com disciplina militar. Ninguém quer falar porque tem medo de sair da linha.”

No Fórum Econômico Mundial em Davos, Bolsonaro cancelou uma coletiva de imprensa programada e, em vez disso, deu exclusividade à TV Record, um canal menor de propriedade de um pastor evangélico que endossou Bolsonaro para presidente.

Essa decisão foi simbólica da estratégia de comunicações à la Trump de Bolsonaro. Ele tem evitado a maior e mais influente emissora do Brasil, a TV Globo, em favor de canais conservadores, e seus filhos têm propagado agressivamente sua mensagem através das mídias sociais. O acesso, em quase todos os aspectos, é mais restrito.

“Comecei a fotografar sob o governo militar de Castello Branco, em 1966”, disse o fotógrafo Orlando Brito. “Sob o regime militar, por mais duro que fosse e por mais difícil que fosse, você tinha acesso, podia fotografar tudo, mas não publicar por causa da censura. Hoje, é contraditório, você pode publicar tudo pela internet, mas não fotografar nada”.

Um dos filhos de Bolsonaro, Carlos Bolsonaro – vereador no Rio de Janeiro que ajudou a coreografar a campanha que levou seu pai ao poder – atacou repetidamente a imprensa on-line. O jornal carioca O Globo analisou 500 tuítes e retuites enviados por Carlos entre 15 de dezembro de 2018 e 15 de fevereiro deste ano e apurou que quase três quartos eram ataques e, desses, 42,4% criticavam a imprensa.

Carlos não bloqueou jornalistas ou críticos no Twitter, mas seu irmão Eduardo, que é senador, e o próprio presidente, o fizeram.

O The Intercept Brasil, um dos veículos de notícias mais críticos do governo Bolsonaro, diz que oito de seus repórteres foram bloqueados e pelo menos um correspondente estrangeiro disse ao CPJ que ele também perdeu o acesso às redes sociais à família.

Esse bloqueio impede que os jornalistas cubram adequadamente uma administração que faz muitos anúncios públicos pelo Twitter.

“Recebemos várias opiniões jurídicas de que isso é uma violação das garantias de igualdade de acesso que constam na Constituição”, disse Andrew Fishman, editor-gerente do The Intercept Brasil, ao CPJ. “Estamos considerando ativamente nossas opções para pressionar contra esta ação abusiva de Bolsonaro e defender os direitos dos jornalistas em um país onde eles estão cada vez mais em risco”.

O governo federal não respondeu aos pedidos de comentários do CPJ.

A tendência de demonizar a imprensa também se espalhou pelo Congresso, onde vários membros atacaram ou insultaram jornalistas no Twitter.

Em uma explosão notória, o veterano senador Renan Calheiros atacou Dora Kramer, jornalista da revista Veja, com insinuações no Twitter sobre sua vida sexual. O deputado Alexandre Frota, ator pornô que foi eleito como parte da onda Bolsonaro, atacou a mídia em mais de uma ocasião, com um juiz determinando em janeiro que Frota deveria pagar indenização por insultar no Twitter o colunista esportivo Juca Kfouri.

“O grupo Bolsonaro e seus filhos atacam e eles voltam as pessoas contra os jornalistas no Facebook e Twitter”, disse Eliane Cantanhêde, repórter e colunista de Brasília ao CPJ. “Eles possuem uma rede de ataques e é horrível, porque toda vez que há uma cobertura, eles tentam desviar a atenção, criando notícias falsas.”

Cantanhêde apontou que o Partido dos Trabalhadores, que governou anteriormente, usou táticas semelhantes, difamando todos os oponentes como “golpistas” depois que a presidente Dilma Rousseff sofreu impeachment em 2016.

Mas mesmo os que veem os ataques de Bolsonaro como os mais recentes de uma tendência negativa que se desenvolve há muito tempo dizem que as ações do novo presidente e de seus apoiadores fazem parte de um esforço mais insidioso para minar o escrutínio da imprensa e tornar mais difícil para os repórteres obter informações de fontes governamentais.

Jornalistas na capital Brasília tiveram seu acesso ao Congresso restrito para determinadas sessões. A imprensa que cobriu a posse informou que eles receberam ordens para chegar horas antes e tiveram acesso limitado a banheiros e outras instalações.

E em um nível institucional, o governo procurou neutralizar o Lei de Acesso à Informação brasileira aumentando drasticamente o número de funcionários que podem declarar documentos como secretos ou altamente sigilosos. Atualmente, apenas algumas dezenas de altos funcionários do governo, das forças armadas e do corpo diplomático têm esse poder, de manter documentos em sigilo por até 25 anos. O governo Bolsonaro procurou aumentar esse número para mais de 1.000.

A proposta foi derrotada no Congresso, mas os defensores da lei estão preocupados com esta medida de reduzir a transparência.

“Se você for eleito sob a bandeira do combate à corrupção, não poderá expandir os mecanismos que podem aumentar o número de documentos classificados como secretos”, disse Joara Marchezini, do grupo de liberdade de expressão Artigo 19, em São Paulo.

Se há algum motivo para otimismo, é a resposta dos meios de comunicação do Brasil.

Os maiores conglomerados de mídia do Brasil são frequentemente descritos como conservadores, mas desde sua posse eles têm sido críticos a Bolsonaro. Mesmo aqueles que fecharam os olhos ao seu comportamento durante a campanha, questionam suas ações como presidente.

O resultado, no entanto, é que uma atmosfera que já estava tensa durante as administrações anteriores piorou e os jornalistas ainda não sabem como isso os afetará, tanto em termos de reportagens quanto de segurança pessoal.

“Tivemos dificuldades em contatá-los durante a campanha, foi difícil e às vezes impossível”, disse Chantal Reyes, correspondente do jornal francês Libération, ao CPJ. “Desde que Bolsonaro foi eleito, há uma atmosfera de preocupação em termos de como será nosso relacionamento com o governo e se haverá retaliação por criticá-los”.

“O fato é que os jornalistas não se sentem confortáveis ​​porque estão atacando a imprensa o tempo todo.”

[Reportagem de São Paulo]