Jornal brasileiro enfrenta assédio judicial

São Paulo, 20 de junho de 2016 – Uma série de processos judiciais movidos contra jornalistas e funcionários do jornal Gazeta do Povo constitui assédio judicial e deve ser descartada imediatamente, disse hoje o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Funcionários do poder judiciário do estado do Paraná entraram com 46 ações civis individuais contra cinco funcionários da Gazeta do Povo desde março, contou um representante do jornal ao CPJ.

Os processos judiciais focam uma série de reportagens, publicadas na Gazeta do Povo de 15 a 17 de fevereiro de 2016, alegando que os juízes, magistrados e promotores no estado ganhavam mais que o teto constitucionalmente imposto pela adição de benefícios, bônus, salários atrasados e outros pagamentos adicionais. Todas as remunerações eram legítimas e relatadas abertamente pelas autoridades em seus sites, segundo o jornal.

No Paraná, a Associação de Magistrados (AMAPAR) disse em um comunicado enviado à imprensa e visto pelo CPJ que considerou as reportagens “ofensivas” e que os juízes em todo o estado experimentaram “algum tipo de desconforto ou constrangimento causado pela indignação popular pelos super-salários.”

Funcionários no sul do estado entraram com uma série de processos judiciais que, nas alegações dos jornais, visa intimidar os cinco funcionários que trabalharam na série. Todos, exceto um dos 46 processos judiciais individuais alegando “invasão de privacidade”, foram arquivados por tribunais de pequenas causas por juízes, magistrados e promotores, disse ao CPJ Fernanda Yanaze Maia, porta-voz da Gazeta do Povo. Ela explicou que não poderia discutir um dos casos, porque estava em andamento.

O CPJ documentou como ações cíveis são usadas como forma de censura à imprensa no Brasil. Os tribunais têm muitas vezes que decidir em favor de centenas de figuras políticas, funcionários do governo e empresários que tenham apresentado casos, alegando que jornalistas críticos violaram sua privacidade e honra, impondo multas ou ordenando aos jornais para excluir o conteúdo ofensivo.

“Pedimos aos funcionários do poder judiciário do Paraná que suspendam quaisquer ações contra os empregados da Gazeta do Povo relacionadas às reportagens sobre remunerações do poder judiciário”, disse Carlos Lauría, coordenador sênior do programa para as Américas do CPJ. “Esse assédio é uma ameaça para a responsabilidade essencial que os tribunais e os funcionários públicos têm de prestar contas no Brasil.”

Quase todos os processos solicitam o valor de R$ 35.200 (equivalente a aproximadamente US$ 10.365) de indenização por danos, que é o valor máximo permitido em tribunais de pequenas causas, disse Yanaze Maia. Ela explicou que as petições eram quase idênticas na formulação e conteúdo, levando o jornal a acreditar que foram coordenadas.

Frederico Mendes Júnior, presidente da AMAPAR, enviou uma mensagem de áudio aos membros da associação quatro dias após as reportagens aparecerem pela primeira vez, incentivando os membros a “tomar medidas conjuntas.” Ele disse que a AMAPAR estava “procurando um modelo para processos individuais movidos por muitas pessoas.”

A AMAPAR confirmou ao CPJ que a gravação era genuína, mas em um comunicado enviado à imprensa na semana passada, Mendes sustentou que as ações movidas não estavam coordenadas.

“Não há nenhuma tentativa de intimidar, mas há o uso de um direito constitucional que é o direito de tomar uma atitude”, disse o comunicado. “Não há nenhuma ação coordenada por parte da AMAPAR”.

As ações judiciais acusam os jornalistas Chico Mares, Euclides Lucas Garcia, e Rogério Galindo, bem como o analista de sistemas Evandro Balmant e o designer Guilherme Storck, informou a Gazeta do Povo. Elas foram abertas em diferentes cidades, a fim de criar problemas para os réus, afirmou o jornal. Os cinco juntos já viajaram mais de 5.900 quilômetros através do Estado e perderam um total combinado de 19 dias de trabalho enquanto participavam de audiências em tribunais, de acordo com o jornal.

O jornal e os cinco funcionários que trabalharam no projeto foram laureados pela Associação Nacional de Jornais com o Prêmio Liberdade de Imprensa 2016 na semana passada.

Separadamente, no mês passado, dois juízes no Paraná ordenaram ao blogueiro Marcelo Auler que retirasse 10 artigos de seu site, alegando que eles ofendiam policiais que participam em uma investigação de corrupção federal.