O Caminho para a Justiça

Capítulo 5: Criar Pressão, Exigir Cumprimento

As Nações Unidas aumentaram seu foco nos assassinatos de jornalistas, declarando que os ataques impunes contra jornalistas são uma grande ameaça não só à liberdade de imprensa, mas também a todas as principais áreas de trabalho da ONU. Nos últimos anos, adotaram duas resoluções que tratam de segurança dos jornalistas e da impunidade e lançaram um plano de ação. Estes vieram reforçar a resolução 1738 já existente do Conselho de Segurança, que condena os ataques a jornalistas em situações de conflito. “Não deve haver impunidade para aqueles que têm jornalistas como alvo da violência”, proclamou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em declaração durante os preparativos para o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, em 3 de maio de 2014.

Estes novos esforços se baseiam numa série de resoluções, procedimentos especiais e convenções da ONU que têm como alvo a violência contra os jornalistas ao longo dos anos. Incluem o trabalho dos relatores especiais, o processo de Revisão Periódica Universal, e as disposições de direito internacional de direitos humanos que garantem a liberdade de expressão, direito à vida e à proteção de civis em conflitos armados. Mas quando se trata de estancar a impunidade, a trajetória das Nações Unidas, como mostram os dados do CPJ, é ínfima. Os governos muitas vezes não conseguem seguir as recomendações dos mecanismos da ONU, e uma cultura dominada por discretas diplomacias em vez de efetivas denúncias e divulgação, pouco faz para aplicá-las.

O Caminho para a Justiça
Índice
Impressão
Download o pdf

“Embora essas organizações e os instrumentos internacionais existentes sejam úteis, eles não podem forçar os governos locais a processar os responsáveis”, disse Michèle Montas, jornalista do Haiti e ex-porta-voz do Ban Ki-moon. Montas conhece de perto as frustrações de não obter justiça. Seu marido, o dono de estação de rádio Jean Léopold Dominique, foi assassinado em 2000, e ninguém foi condenado pelo crime.

A ferramenta mais direta da ONU para abordar a luta contra a impunidade quanto às mortes de jornalistas encontra-se na UNESCO. Mas se o registro da agência é indicador do quanto os Estados-Membros estão preparados para cumprir, ainda que minimamente, os seus compromissos sobre a impunidade, há motivo para preocupação.

A cada dois anos, o diretor-geral da UNESCO pede aos governos que enviem atualizações sobre o estado das investigações judiciais nos casos de jornalistas assassinados, junto com as medidas tomadas para responsabilizar os autores. As respostas são compiladas para o Relatório sobre a Segurança de Jornalistas e o Perigo da Impunidade [Report on the Safety of Journalists and the Danger of Impunity]. Atualizações avulsas são publicadas on-line. As informações dos governos são prestadas “numa base voluntária”, como estabelecido na decisão sobre segurança de jornalistas e a questão da impunidade, adotada por delegados em 2008. Os governos podem responder a qualquer um, todos ou nenhum dos casos sobre os quais o diretor-geral tenha emitido condenações, e podem optar por ter as suas respostas divulgadas ou não.

A ferramenta mais direta da ONU para abordar a luta contra a impunidade quanto às mortes de jornalistas encontra-se na UNESCO. (Reuters/Charles Platiau)
A ferramenta mais direta da ONU para abordar a luta contra a impunidade quanto às mortes de jornalistas encontra-se na UNESCO. (Reuters/Charles Platiau)

A UNESCO incluiu uma análise das respostas dos governos na sua publicação de 2014 Tendências Mundiais de Liberdade de Expressão e de Desenvolvimento da Mídia. Constatou-se que, com relação a assassinatos entre 2007 e 2012, apenas 42 por cento dos Estados membros haviam respondido às perguntas do diretor-geral, em meados de 2013. Para o relatório mais recente, a ser publicado em novembro de 2014, os números refletem uma falta de participação ainda maior. De acordo com a informação disponível no início de setembro de 2014, responderam apenas 24 dos 61 países, menos de 40 por cento. A maioria simplesmente informou que as investigações estavam em andamento e deu poucos detalhes. Apenas 14 países publicaram suas respostas.

Este fraco empenho sugere que investigar a impunidade quanto a assassinatos de jornalistas é baixa prioridade ou politicamente muito difícil, especialmente para os Estados onde há pouco ou nenhum seguimento por parte das autoridades. Guy Berger, diretor da Divisão de Liberdade de Expressão e de Desenvolvimento da Mídia da UNESCO, atribui os resultados do relatório a uma combinação de mau fluxo de informação dentro dos governos, falta de capacidade de alguns Estados para monitorar os assassinatos de jornalistas e preocupação com a imagem. “Nenhum governo gosta de ter fama de presidir erros no Estado de direito e da justiça, especialmente quando isso se aplica ao caso dos jornalistas, o que pode gerar publicidade especialmente negativa”, disse Berger. Ele disse que os países devem, ao contrário, ver o processo como uma forma de rebater as críticas ao demonstrar que algum tipo de investigação e ação penal está em andamento, mesmo que incompletos.

O CPJ tem demostrado apreensão quanto ao reduzido número de respostas a esse processo e as poucas informações prestadas. Das mais de três dezenas de países que não participaram, muitos estão mergulhados na violência contra a imprensa e apareceram repetidamente no Índice de Impunidade do CPJ: Afeganistão, Bangladesh, Índia, Somália, Nepal e Nigéria. Se estes e outros Estados membros deixam de cumprir de forma transparente este processo de comunicação, é pouco provável que respeitem compromissos mais difíceis, como a aplicação do Plano de Ação das Nações Unidas sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade.

No entanto, funcionários internacionais têm muitas esperanças quanto ao Plano de Ação. “É uma iniciativa que pode mudar o jogo”, disse Berger há dois anos, ao apresentar o documento da ONU a uma audiência internacional. O Plano das Nações Unidas e a estratégia de 31 páginas que o acompanha, são ambiciosos. Propõem que as agências da ONU, governos, grupos de liberdade de expressão e a mídia melhorem a coordenação, sensibilizem, e desenvolvam programas para proteger os jornalistas e combater a impunidade em casos de violência contra a imprensa. Juntos, a resolução e seu plano de aplicação oferecem um mandato político e um roteiro, uma combinação rara para a comunidade das Nações Unidas.

O CPJ examinou de que maneira o plano, que chega ao final de seus dois primeiros anos, está se enraizando em três dos quatro países identificados para a execução durante a primeira fase. Eles são o Iraque, Paquistão e Nepal, lugares onde o CPJ documentou altos níveis de impunidade quanto a ataques a jornalistas. (O quarto país, o Sudão do Sul, embora repleto de outras violações de liberdade de imprensa, não tem altos índices de assassinatos de jornalistas, de acordo com pesquisa do CPJ. A região das Américas é também um foco primário de implantações).

Embora as estatísticas, detalhadas em capítulo anterior, mostrem pequeno impacto direto, o plano em alguns lugares revigorou os protagonistas locais e impulsionou as medidas contra a impunidade. Estes no entanto correm grande risco de perderem o entusiasmo se as agências da ONU não aumentarem o seu nível de engajamento. Num dos países, o empenho para envolver as partes interessadas falhou completamente.

O plano realizou o maior número de incursões no Paquistão. Depois de uma reunião internacional de planejamento em Islamabad, em março de 2013, grupos da sociedade civil e de jornalismo se uniram para criar a Coalizão do Paquistão sobre Segurança da Mídia. A coalizão encarregou-se de vários projetos, incluindo a criação de um Índice de Segurança de Jornalistas. Os seus membros chegaram a um acordo sobre a necessidade de nomear um procurador especial e estão preparando um projeto de lei. Owais Aslam Ali, membro do comitê dirigente e secretário-geral da Fundação de Imprensa do Paquistão, disse que a maior conquista foi criar uma dinâmica e reunir elementos-chave, incluindo associações importantes de mídia, como o Sindicato Federal de Jornalistas do Paquistão, Sociedade de Jornais de Todo o Paquistão, e o Conselho de Editores de Jornais do Paquistão.

O jornalista sênior Iqbal Khattak, participante do comitê que coordena a coalizão, disse que ter um plano da ONU atraiu outro elemento fundamental aos debates: o governo. “O Plano de Ação da ONU ajudou a legitimar os esforços para acabar com a impunidade”, disse Khattak. O ministro da Informação do Paquistão, Pervez Rasheed, agora atua como membro do comitê de direção.

Apesar das origens do plano na ONU, foram os órgãos das Nações Unidas no Paquistão que demoraram a se mexer. “A UNESCO não assumiu a liderança como esperávamos”, disse Khattak. Ao mesmo tempo, rachas na mídia se ampliaram no Paquistão este ano após o âncora da televisão Geo Hamid Mir, ser baleado, retardando o progresso da coalizão. Após a Geo divulgar as acusações de que os serviços de inteligência do Paquistão estavam por trás da agressão a Mir, a estação foi suspensa pelo governo e fortemente criticada por muitos outros meios de comunicação.

No Nepal, o foco principal dos esforços em torno do plano de ação, lançado em junho de 2013, foi estabelecer a estrutura adequada para lidar com a questão da segurança de jornalistas e da impunidade. A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Nepal concordou em supervisionar o progresso da entidade, e foi elaborada uma carta em consulta com as partes interessadas, incluindo jornalistas e organizações internacionais.

Espera-se que o mecanismo reúna, entre outros, representantes do governo, da polícia e da Federação de Jornalistas nepaleses, além de peritos independentes e da comissão de direitos humanos, para monitorar casos de agressão a jornalistas ou defensores dos direitos humanos, e responder às ameaças com medidas preventivas.

Tal como no Paquistão, os defensores locais gostariam de ver um maior envolvimento da comunidade das Nações Unidas. “A cooperação entre as agências das ONU no plano não é muito visível”, disse Binod Bhattarai, consultor de mídia e comunicações no Nepal, que auxilia a organização Apoio à Mídia Internacional, com sede na Dinamarca, a gerenciar vários programas em conexão com o plano de ação. “Tem havido alguma cooperação financeira, em que o Fundo de Paz da ONU para o Nepal apoia o projeto de segurança da UNESCO, mas tenho a impressão de que o resto da ONU não está se esforçando suficientemente para configurar seus programas com este plano de ação em mente”.

“As agências da ONU trabalham” em estreita colaboração no Paquistão, disse Timo Pakkala, Coordenador Residente da ONU no Paquistão, “mas elas fazem o trabalho mais visível sob a tutela de seus respectivos mandatos”. O coordenador residente chefia as equipes locais da ONU e trabalha para promover a coerência e a eficácia das atividades operacionais das várias agências da ONU, fundos e programas no nível do país. De acordo com Pakkala, o plano é regularmente discutido pelos chefes das Agências, Fundos e Programas da ONU no Paquistão. “A imagem pública nem sempre reflete o processo que está por trás da execução”, disse ele.

No Iraque, que tem visto uma deflagração da violência sectária ao longo do último ano, a reduzida presença da ONU ali e as divergências entre as partes interessadas tornaram o plano inviável. Uma reunião prévia das partes interessadas, a ser realizada em Amã, na Jordânia, não aconteceu. “O fato de que esta foi cancelada no último minuto foi um indício das dificuldades em juntar as partes interessadas”, disse Axel Plathe, diretor do escritório da UNESCO no Iraque, e acrescentou que a UNESCO e outras agências da ONU estão tentando reanimar a execução do plano. Alguns observadores têm alertado que a maioria dos funcionários da UNESCO centrados no Iraque está baseada na Jordânia, devido à recente deterioração do clima de segurança no Iraque, dificultando a necessária conciliação para o plano germinar.

Os grupos de jornalistas têm suas dúvidas quanto ao potencial do plano dada a violência e anarquia no Iraque. “As falhas não estão no projeto, mas nas instituições por não cumprirem as leis”, disse Rahman Gharib, diretor do grupo de direitos de jornalistas iraquianos Centro Metropolitano para a Defesa de Jornalistas. Suas sugestões incluem focalizar um incentivo em fazer com que os jornalistas denunciem à polícia todos as agressões e treiná-los sobre questões jurídicas.

Em muitas regiões, grupos de liberdade de imprensa, observadores e especialistas da ONU familiarizados com o plano disseram que seria preciso mais intervenção da ONU, mais financiamento e uma maior conscientização sobre a iniciativa para que tenha êxito. (Apesar da participação do ministro da Informação na coalizão do Paquistão, o primeiro-ministro Nawaz Sharif não sabia disso nem do plano de ação, quando o CPJ o mencionou durante uma reunião, em março de 2014). Eles também aconselharam que a ONU levasse em consideração a segurança dos jornalistas e as questões de impunidade na hora de estabelecer e renovar as operações de manutenção da paz para determinados países.

Berger disse que o plano da ONU terá êxito em lugares onde há consciência de que os ataques à mídia afetam muito mais do que apenas o jornalismo. “As questões de segurança e a impunidade são parte de um ambiente mais amplo, o que requer a abordagem de um complexo conjunto de intervenções”, disse ele. Esse entendimento ajudou a abrir caminho para a resolução de 2013 da Assembleia Geral da ONU sobre a segurança de jornalistas e a impunidade, disseram Berger e outros.

Órgãos intergovernamentais da região também têm regulamentos que podem ser usados ​​para controlar a impunidade e levar à proteção de jornalistas através da condenação pública, o uso de relatores e meios de dar queixa. Mas estes apresentaram resultados um pouco melhores do que os seus congêneres da ONU quando se trata da obediência de Estados recalcitrantes. “Alguns Estados participantes não respeitam esses compromissos, e, nestes casos, a falta de vontade política para fazê-lo é evidente”, disse Deniz Yazici, pesquisador assistente na agência de liberdade de mídia da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.

Uma ferramenta que está avançando um pouco na luta contra a impunidade é a rede de tribunais regionais. Órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a Comunidade Econômica dos Estados do Oeste Africano, e o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, deram vereditos fortes em casos de assassinatos de jornalistas em Gâmbia, Burkina Faso, Turquia, Ucrânia, México, Colômbia e Brasil. Com pouco respaldo afiado por trás de sua jurisprudência, os Estados cumprem debilmente esses vereditos, ou de todo os desprezam, e muitas vezes proscrevem novas investigações ou processos mais amplos. No entanto, o processo em si prova ser, cada vez mais, um meio importante para realçar a impunidade sistêmica e impedir os governos de desistir de tudo em casos que preferem não abordar.

Um bom exemplo pode ser encontrado na África. Lá, defensores da justiça e da liberdade de imprensa utilizaram um mecanismo pouco conhecido, o Tribunal de Justiça da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), para desafiar a ferrenha impunidade em Gâmbia, em três processos sobre violência contra jornalistas. Os dois primeiros processos, movidos pela Fundação da Mídia para a África Ocidental, alegaram que Gâmbia foi responsável pelo desaparecimento do repórter “Chefe” Ebrimah Manneh, visto pela última vez sob custódia do Estado em 2006, e pela tortura do editor de jornal Musa Saidykhan, preso por três semanas, em 2006. Nesses casos, não houve sequer a presença de representantes governamentais da administração gambiana. O tribunal julgou à revelia, ordenando a libertação de Manneh e indenização em 2008 e, em 2010, a indenização para Saidykhan, que agora vive no exílio. Gâmbia não obedeceu. O governo não divulgou informações sobre o paradeiro de Manneh.

Em 2014, o Tribunal da CEDEAO disse que Agência Nacional de Inteligência de Gâmbia não realizou uma investigação adequada do assassinato do editor de jornal e correspondente da AFP Deyda Hydara, visto aqui em 2004. (AFP / Seyllou Diallo)
Em 2014, o Tribunal da CEDEAO disse que Agência Nacional de Inteligência de Gâmbia não realizou uma investigação adequada do assassinato do editor de jornal e correspondente da AFP Deyda Hydara, visto aqui em 2004. (AFP / Seyllou Diallo)

No terceiro processo, que contesta a impunidade no assassinato em 2004 de Deyda Hydara, fundador do jornal independente The Point, Gâmbia prestou atenção. “Houve uma mudança de atitude por parte de Gâmbia”, disse Rupert Skilbeck do Movimento de Justiça do Instituto Sociedade Aberta, que trabalhou com advogados da região, a Federação Internacional de Jornalistas e os filhos de Hydara para preparar o caso. “O Estado nem respondeu nos casos de Saidykhan e Manneh”, disse Skilbeck. “Desta vez eles enviaram respostas por escrito, envolveram-se totalmente no processo, e enviaram representantes da Procuradoria-geral.”

Em junho de 2014, os juízes declararam que Agência Nacional de Inteligência de Gâmbia não investigou adequadamente o assassinato de Hydara, um crítico frequente das políticas repressivas do Presidente de Gâmbia, Yahya Jammeh. Eles também disseram que a agência “não era um órgão imparcial para conduzir a investigação”, embora eles não concluíssem que havia provas ligando o governo gambiano ao assassinato. O tribunal concedeu US$ 50 mil [R$ 120 mil] para a família de Hydara como indenização pelo malogro do governo em investigar efetivamente o assassinato, e US$ 10 mil [R$ 23 mil] pelas custas legais. Ainda assim, até setembro de 2014, o governo de Gâmbia não havia feito nenhuma declaração nem tomou quaisquer medidas relacionadas com as perdas e os custos atribuídos ao caso, de acordo com Dindam Killi, um dos advogados que representam a família Hydara.

O veredito do tribunal levou em conta o padrão cumulativo dos três casos, como prova de que o governo gambiano estava fomentando um clima de impunidade que, em si, era uma violação da liberdade de expressão. “O tribunal fez a constatação expressa de que a liberdade de expressão foi sufocada por causa dessa impunidade”, disse Skilbeck. “É um tribunal regional, portanto estabelece um precedente para todos os países da África Ocidental. É preciso haver uma resposta adequada e eficaz aos ataques contra jornalistas”.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem sido outro refúgio para as famílias que procuram a justiça para seus entes queridos mortos, e sua experiência mostra que pode haver progresso, pelo menos parcial, ainda que ao longo de muitos anos.

Quando parecia evidente que as autoridades ucranianas não iriam processar os assassinos de Georgy Gongadze por conta própria, sua viúva, Myroslava Gongadze, levou o caso ao Tribunal Europeu. O mandato do tribunal permite que reveja supostas violações dos direitos humanos nos Estados Membros, quando todos os meios internos foram esgotados. Em 2005, o tribunal concluiu que a Ucrânia violou vários artigos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, principalmente ao não proteger a vida do jornalista ou investigar sua morte, e ordenou o pagamento de uma indemnização de 100 mil euros (cerca de US$ 118 mil na época, R$ 300 mil).

Apesar deste veredicto favorável, e posterior pagamento da Ucrânia, Gongadze iria esperar mais oito anos para ver a condenação do principal suspeito, Aleksei Pukach. Ela ainda aguarda a condenação dos principais instigadores do crime, mas o tribunal tem sido um meio decisivo para manter a engrenagem da justiça em movimento. “Eu estava lutando por uma maneira de pressionar o governo a continuar agindo”, disse Gongadze. “Eu pude apelar ao tribunal e por alguns anos o governo ucraniano ficou alerta”, disse ela. “Tiveram que responder a perguntas do Tribunal.”

O ex-general da Polícia Aleksei Pukach, visto aqui no tribunal em 2013, foi condenado por envolvimento no assassinato do jornalista ucraniano Georgy Gongadze, em 2000. (Reuters/Gleb Garanich)
O ex-general da Polícia Aleksei Pukach, visto aqui no tribunal em 2013, foi condenado por envolvimento no assassinato do jornalista ucraniano Georgy Gongadze, em 2000. (Reuters/Gleb Garanich)

O Tribunal Europeu decidiu em outro caso de grande repercussão que as autoridades turcas deixaram de aproveitar as informações que poderiam ter evitado o assassinato do jornalista Hrant Dink em 2007. Dink, fundador e ex-editor-chefe do semanário Agos, foi assassinado na frente de seu escritório em Istambul em janeiro de 2007. Uma investigação apanhou apenas os suspeitos menores, apesar de provas de que a polícia e os militares tinham conhecimento prévio do crime, se não cumplicidade com ele. Frustrada, a família de Dink levou o caso ao Tribunal Europeu. O veredito no caso Dink vs Turquia foi minucioso. Além de violar a disposição da Convenção Europeia de Direitos Humanos sobre o direito à vida, foi decidido que a Turquia deixou de cumprir sua obrigação de proteger a liberdade de expressão e o direito a uma efetiva reparação. Os resultados na Turquia, no entanto, foram limitados, com os oficiais implicados no crime evadindo a justiça.

O caso ressalta o fato de que, mesmo quando os julgamentos regionais expõem injustiças e exigem reparações, se os governos não obedecem e não existir pressão diplomática suficiente para obrigá-los a fazê-lo, o impacto dos vereditos será limitado.

Capítulo 6: Conclusão >>

<< Capítulo 4