O número de jornalistas presos em todo o mundo estabeleceu outro recorde em 2021. Invocando novas leis tecnológicas e de segurança, regimes opressivos da Ásia até à Europa e à África reprimiram duramente a imprensa independente. Um relatório especial do CPJ elaborado pela diretora editorial Arlene Getz.
Publicado em 9 de dezembro de 2021
NOVA YORK
Tem sido um ano especialmente sombrio para os defensores da liberdade de imprensa. O censo prisional de 2021 do CPJ constatou que o número de repórteres trancafiados por seu trabalho atingiu um novo recorde global de 293, contra um total revisado de 280 em 2020. Pelo menos 24 jornalistas foram assinados devido a suas coberturas até o momento neste ano; outros 18 morreram em circunstâncias muito obscuras para determinar se eram alvos específicos.
A China continua sendo o pior carcereiro de jornalistas do mundo pelo terceiro ano consecutivo, com 50 atrás das grades. Myanmar subiu para a segunda posição após a repressão da mídia que se seguiu ao golpe militar de 1º de fevereiro. Egito, Vietnã e Belarus, respectivamente, completam os cinco primeiros colocados.
As razões para o implacável aumento no número de jornalistas detidos – este é o sexto ano consecutivo em que o censo da CPJ registra pelo menos 250 encarcerados – diferem entre os países. Mas todos refletem uma forte tendência: a crescente intolerância às reportagens independentes. Autocratas ousados estão cada vez mais ignorando o devido processo e desprezando as normas internacionais para se manterem no poder. Em um mundo preocupado com a COVID-19 e tentando priorizar questões como as mudanças climáticas, os governos repressivos estão claramente cientes de que a indignação pública contra os abusos dos direitos humanos é mitigada e os governos democráticos têm menos apetite por represálias políticas ou econômicas.
É verdade que alguns países surpreenderam ao contrariar a tendência de colocar mais jornalistas na prisão. A Turquia, que já foi o pior carcereiro de jornalistas do mundo, agora está em sexto lugar no censo do CPJ, depois de libertar 20 prisioneiros no ano passado. Restam dezoito. A soltura de 10 prisioneiros pela Arábia Saudita – que possui 14 depois que não foram registrados novos jornalistas no censo de 2021 – significa que não está mais entre os cinco maiores infratores.
No entanto, seria ingênuo ver menos prisioneiros como sinal de uma mudança de opinião em relação à imprensa. Como o CPJ observou, a repressão da Turquia após uma tentativa fracassada de golpe em 2016 efetivamente erradicou os grandes meios de comunicação do país e levou muitos jornalistas a abandonar a profissão. A contagem das prisões da Turquia também está diminuindo à medida que o governo permite que mais jornalistas em liberdade condicional aguardem julgamento ou a decisão de apelação.
O efeito intimidador do horrível assassinato e desmembramento de Jamal Khashoggi em 2018, assim como várias novas prisões em 2019, provavelmente terá silenciado muitos jornalistas de forma mais eficaz do que qualquer nova onda de detenções na Arábia Saudita. Além disso, os líderes autoritários estão procurando de forma crescente encontrar formas sofisticadas de bloquear repórteres e meios de comunicação independentes – notadamente interrupções da Internet e maior vigilância através de spyware de alta tecnologia – ao invés de mantê-los atrás das grades.
O persistente encarceramento de jornalistas na China não é novidade. No entanto, esta é a primeira vez que jornalistas detidos em Hong Kong são identificados no censo anual da CPJ – resultado da implementação da draconiana Lei de Segurança Nacional 2020, imposta em resposta aos históricos protestos pró-democracia na cidade.
Oito personalidades de destaque da mídia de Hong Kong, incluindo Jimmy Lai, fundador do Apple Daily e do Next Digital e ganhador do Prêmio de Liberdade de Imprensa Gwen Ifill 2021 do CPJ, foram presos em um duro golpe contra a já combalida imprensa independente da cidade. Alguns podem enfrentar prisão perpétua.
Na China continental, outros encararam uma ladainha de vagas acusações Orwellianas. A videorrepórter freelance Zhang Zhan, presa em maio de 2020 por sua cobertura crítica da resposta chinesa à pandemia da COVID-19, está cumprindo quatro anos de prisão por “procurar briga e criar problemas” – uma denúncia comumente utilizada para atingir os críticos pacíficos do Partido Comunista Chinês no poder. Outros são acusados de serem “duas caras” [hipócritas]”, termo sem base legal, mas que sugere oposição clandestina ao Partido Comunista e é frequentemente empregue contra os jornalistas Uigur de Xinjiang.
A China também visou não-jornalistas por ínfimas associações com veículos de comunicação social, prendendo 11 pessoas por supostamente enviarem material ao The Epoch Times, organização de mídia afiliada ao grupo espiritual Falun Gong. Os 11 não estão listados no censo do CPJ porque o The Epoch Times disse que não eram repórteres, mas sua detenção é um indicador sinistro do empenho da China para abafar o discurso da imprensa.
Myanmar, que não tinha jornalistas na prisão em 1º de dezembro de 2020, viu a repressão militar após a golpe colocar 26 jornalistas sob custódia 12 meses depois. A situação, entretanto, é ainda mais grave do que este total sugere. Muitos jornalistas, entre eles o norte-americano Danny Fenster, foram libertados antes da apuração final do censo após meses na prisão e a pesquisa do CPJ sugere que pode haver outros detidos ainda não identificados como repórteres. Além disso, um número desconhecido de jornalistas foi para a clandestinidade ou para o exílio – sua partida foi um golpe significativo nos avanços obtidos pela mídia independente sob o governo eleito deposto.
O Egito foi o terceiro maior encarcerador de jornalistas do mundo, atrás de Myanmar, com 25 presos em 2021. Embora tenha diminuído em relação ao ano passado, as detenções em curso são simbólicas do governo de Abdel Fattah el-Sisi, que muitas vezes desrespeita descaradamente as próprias leis do país.
As autoridades egípcias regularmente contornam a legislação que limita a dois anos a prisão preventiva dos prisioneiros, apresentando novas acusações para prorrogar esse período. Em outros casos, eles incorporam condições à libertação daqueles que cumpriram suas sentenças.
O fotojornalista egípcio e ganhador do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do CPJ Mahmoud Abou Zeid, conhecido como Shawkan, por exemplo, passa todas as noites sob custódia policial desde que foi solto da prisão de Tora, em 4 de março de 2019. Libertado sob “observação policial“, ele deve comparecer a uma delegacia de polícia todas as noites durante os próximos cinco anos e, até agora, é obrigado a pernoitar nas celas. Shawkan também está proibido de administrar seus bens e finanças por cinco anos.
Na África subsaariana, o maior revés para a liberdade de imprensa ocorreu na Etiópia. O governo de Abiy Ahmed, que se tornou primeiro-ministro durante uma era sem precedentes de reformas, em 2018, surgiu em 2021 como o segundo maior carcereiro de jornalistas na África subsaariana, depois da Eritréia.
Inúmeros jornalistas foram presos no país desde o início da guerra civil entre as forças do governo federal e as forças lideradas pela Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF) há um ano; nove repórteres continuavam presos em 1º de dezembro. Seis foram presos em novembro à medida que o conflito se intensificava e o governo impôs duras leis de emergência. O CPJ documentou várias outras violações da liberdade de imprensa ao longo do ano.
O líder bielorrusso Aleksandr Lukashenko, por sua vez, mostrou o pouco que se importava com a opinião pública e o quanto se importava em permanecer no poder pelas medidas extremas tomadas para prender o jornalista Raman Pratasevich: o ultrajante desvio de um voo civil da RyanAir para tirar Pratasevich do avião.
Belarus tem agora 19 jornalistas atrás das grades, acima dos 10 do ano passado e o maior desde que o CPJ começou a manter dados sobre jornalistas presos em 1992.
Um dos que estão sob custódia é Aliaksandr Ivulin, repórter do site de notícias esportivas independentes Tribuna. Enquanto Ivulin enfrenta até quatro anos de prisão por acusação de perturbação da ordem pública, um de seus fãs foi condenado a 14 dias de prisão por usar uma camisa de clube com o número 25 numa partida no clube de futebol local de Ivulin. O motivo? O número era usado por Ivulin quando ele jogava pelo clube.
Nesse triste ano para a liberdade de expressão, esse tipo de intolerância deixa pouco espaço para o otimismo de que o número de jornalistas presos vai parar de bater recordes tão cedo.
Outras constatações importantes:
– O CPJ registrou 19 jornalistas assassinados em retaliação por seu trabalho em 1º de dezembro de 2021, em comparação com 22 durante todo o ano de 2020. Outros três foram mortos este ano enquanto reportavam de zonas de conflito, e mais dois cobrindo protestos ou confrontos de rua que resultaram fatais.
– O México continuou sendo o país mais mortífero do hemisfério ocidental para os repórteres. Três jornalistas foram assassinados em retaliação direta por suas reportagens; o CPJ está investigando outros seis homicídios para determinar se estão relacionados ao exercício do jornalismo.
– A Índia tem o maior número de jornalistas – quatro – confirmados como tendo sido assassinados em retaliação por seu trabalho. Um quinto foi morto durante a cobertura de um protesto.
– Seis jornalistas estão listados no censo de prisioneiros da América Latina: três em Cuba, dois na Nicarágua, e um no Brasil. Embora seja um número relativamente baixo, o CPJ constatou um declínio inquietante da liberdade de imprensa na região.
– Pelo menos 17 jornalistas presos foram acusados de cibercrimes. No Benin, país da África Ocidental, dois são acusados sob o extenso código digital do país, considerado um grande desafio à liberdade de imprensa ao permitir processo criminal por qualquer coisa publicada ou distribuída on-line.
– Quarenta dos 293 jornalistas detidos – menos de 14% – são mulheres.
– Nenhum jornalista foi preso na América do Norte durante o prazo do censo. Entretanto, o U.S. Press Freedom Tracker, parceiro do CPJ, registrou 56 prisões e detenções de jornalistas em todos os EUA durante 2021. Oitenta e seis por cento ocorreram durante protestos. No Canadá, dois jornalistas que foram detidos durante a cobertura de manifestações pelos direitos de terra no norte da Colômbia Britânica passaram três noites sob custódia antes de um tribunal ordenar sua libertação condicional.
Metodologia
O censo de jornalistas presos refere-se apenas aos que estão sob custódia do governo e não inclui aqueles que desapareceram ou são mantidos em cativeiro por protagonistas não estatais. Estes casos são classificados como “desaparecidos” ou “sequestrados”.
O CPJ define jornalistas como pessoas que cobrem notícias ou fazem comentários sobre assuntos públicos em qualquer mídia, incluindo imprensa, fotografias, rádio, televisão e on-line. Em seu censo anual, o CPJ inclui apenas os jornalistas que confirmou terem sido aprisionados por seu trabalho.
A lista do CPJ é um retrato dos encarcerados às 00:01 h do dia 1º de dezembro de 2021. Não inclui os muitos jornalistas que foram presos e libertados durante o ano; relatos desses casos podem ser encontrados em http://cpj.org. Os jornalistas permanecem na lista do CPJ até que a organização determine com razoável certeza de que eles foram libertados ou morreram sob custódia.
Arlene Getz é diretora editorial do Comitê para Proteção de Jornalistas. Agora radicada em Nova York, ela já trabalhou na África, Europa, Ásia e Oriente Médio como correspondente estrangeira, editora e editora executiva da Reuters, CNN e Newsweek.