Nova Iorque, 14 de Maio de 2021 – O governo de Angola deve permitir que os canais de televisão Record TV África, Vida TV e Zap Viva voltem ao ar e deve parar de assediar os meios de comunicação que criticam o governo, disse hoje o Comité de Proteção dos Jornalistas (CPJ).
Em 19 de abril, o Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS) ordenou todas as três operadoras de TV do país – DSTV Angola, TV Cabo e ZAP TV – a cessarem a veiculação de conteúdo da Record TV África, Vida TV e Zap Viva, de acordo com uma declaração do ministério, que o CPJ analisou, e informações da imprensa.
O comunicado alegou que esses canais violaram várias leis ao não se registar adequadamente como empresas de mídia e citou a Lei de Imprensa, Lei da Televisão, Estatuto do Jornalista e o Regulamento Geral de Comunicação Eletrônica como sua autoridade para suspender os canais até que sejam devidamente registrados .
Os três canais estão fora do ar em Angola, mas continuam a ser transmitidos em Moçambique, segundo reportagens.
“Com as eleições do próximo ano se aproximando, o presidente angolano João Lourenço e sua administração devem promover uma série de perspectivas na mídia e garantir que o Estado não tenha o monopólio da informação crucial para o público tomar decisões informadas”, disse Angela Quintal, coordenadora do programa para a África do CPJ, em Nova York. “Censurar os meios de comunicação de propriedade de oponentes ou críticos do governo vai contra o suposto compromisso do presidente com uma imprensa livre.”
A declaração do MINTTICS afirma que o ministério também planeou revogar as licenças de operação de meios de comunicação que teriam estado inativos por dois anos ou mais, que compreendem 27 das 144 estações de rádio registradas do país, 209 dos 243 jornais registrados e 442 das 459 revistas. O comunicado informa ainda que apenas 10 websites foram devidamente registados para operar no país e não ofereceu mais detalhes.
Teixeira Cândido, presidente do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, disse ao CPJ por telefone que a Record TV África, a Vida TV e a Zap Viva foram suspensas sem receberem qualquer aviso de que teriam estado a funcionar sem o devido registo.
Ele acrescentou que o MINTTICS não tem autoridade legal para suspender os canais, dizendo que as leis citadas no comunicado se aplicam apenas a empresas como as prestadoras de serviço de assinatura de TV, mas não se aplicam a empresas produtoras de conteúdo individuais.
Os cidadãos angolanos “estão agora reduzidos a ver canais que estão sob controlo directo do governo”, disse Cândido.
André Mussamo, presidente do capítulo angolano do Media Institute of Southern Africa, um grupo regional de liberdade de imprensa, disse ao CPJ por telefone que a Record TV África, Vida TV e Zap Viva se tornaram alvos das autoridades devido ao jornalismo critico do Governo do Presidente João Lourenço.
“A liberdade de imprensa sofreu um golpe com esta suspensão; notícias diversas e independentes são fundamentais para uma jovem democracia como Angola ”, acrescentou.
A Zap Viva e a VIDA TV são propriedade de Isabel e Welvitcha dos Santos, respetivamente, filhas do ex-presidente José Eduardo dos Santos; A Record TV África é propriedade de acionistas privados e da TV Record Europa, empresa afiliada à evangélica Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) com sede no Brasil, segundo reportagens da mídia.
Sob a administração de Lourenço, a família dos Santos e outras pessoas próximas ao ex-presidente foram acusadas de corrupção e processadas, de acordo com informações da imprensa. As autoridades angolanas acusaram a IURD de evasão fiscal e crimes financeiros, de acordo com reportagens.
Além da alegada falta de registro conforme citado nas suspensões de Zap Viva e VIDA TV, o MINTTICS também acusou a Record TV África de ter um cidadão estrangeiro como seu diretor executivo e de empregar jornalistas estrangeiros não credenciados, ambas violações das leis de imprensa, de acordo com o comunicado do MINTTICS e informações dos média.
A 30 de Abril, a Record TV África nomeou o jornalista angolano Simeão Mundula para substituir Fernando Teixeira, de nacionalidade brasileira, como director, segundo reportagens. Antes de ser substituído, Teixeira disse ao CPJ, por meio de um aplicativo de mensagens, que nenhum jornalista estrangeiro foi contratado pela emissora, acrescentando que a ordem de suspensão foi uma decisão política e que a Record TV África havia entrado com um recurso.
A proprietária da TV VIDA, Welwitcha dos Santos, postou na sua página do Facebook que acreditava que a ordem do ministério era “outra ilegalidade de um governo liderado por um presidente com a intenção de fechar todos os que o irritam”.
A diretora de comunicação da Zap Viva, Vanessa Berenguel, enviou por e-mail ao CPJ uma declaração na qual a empresa qualificou a suspensão de “injusta” e um “erro injustificável”. O comunicado afirma que Zap Viva entrou em contato com o órgão regulador da mídia repetidamente nos últimos três anos e cumpriu todas as suas instruções.
Quando o CPJ ligou para o diretor da DSTV Angola, Glauco Ferreira, e para o diretor da Zap HD, José Lourenço, os dois recusaram-se a comentar. O director da TV Cabo, Francisco Ferreira, disse ao CPJ que embora a sua empresa tenha sido mencionada no comunicado, limitou-se a distribuir as ofertas da DSTV e da Zap HD.
Nuno Albino, secretário de Estado da Comunicação Social de Angola, disse à emissora estatal Televisão Pública de Angola que as suspensões foram uma “medida administrativa normal”. Quando o CPJ ligou repetidas vezes a Albino para comentar, ele não atendeu as ligações, respondeu por mensagem de texto que não poderia falar naquele momento, e não respondeu às mensagens subsequentes.
O CPJ enviou um e-mail ao MINTTICS para comentar no correio eletrônico listado no seu site, mas recebeu uma mensagem de erro informando que o endereço não estava funcional.
No passado mês de julho, o governo angolano nacionalizou o grupo de comunicação Media Nova, dono da emissora TV Zimbo, do jornal O país, da revista Exame, da Rádio Mais e da gráfica Damer; em agosto, também nacionalizou o grupo de mídia Interactive Empreendimentos Multimédia (IEM) LDA, que produzia conteúdo para as emissoras TV Palanca e Radio Global, segundo notícias da mídia da época.
Antes da sua nacionalização, a Média Nova era de propriedade de Manuel Vicente, o ex-vice-presidente de dos Santos, bem como de dois generais do exército, Leopoldino dos Santos e Kopelipa Dias, e o IEM era propriedade de Manuel Rabelais, o ex-ministro da mídia sob o governo de Dos Santos, assim como por outros ex-dirigentes afiliados ao ex-presidente, segundo reportagens.
O governo do presidente Lourenço acusou membros da administração dos Santos de corrupção e de desviar fundos do Estado para construir empresas de mídia, afirmam as reportagens.