Um agente da polícia aponta a sua arma a manifestantes em Maputo, Moçambique, a 7 de novembro de 2024, que contestavam o resultado das eleições de 9 de outubro, que prolongaram o regime de 49 anos do partido Frelimo, no poder. (Foto: AP/Carlos Uqueio)

Jornalistas no fogo cruzado da crise pós-eleitoral em Moçambique

Nova Iorque, 19 de novembro de 2024 – Nas semanas que se seguiram às eleições gerais de 9 de outubro em Moçambique – caracterizadas por irregularidades e em que o partido no poder, a Frelimo, reivindicou a vitória – o país mergulhou no caos, à medida que as forças de segurança se envolvem em violentos confrontos com manifestantes que contestavam os resultados.

Reportes da media e declarações de grupos de defesa dos direitos humanos mostram que os jornalistas que cobrem a repressão pós-eleitoral não foram poupados à violência, que já fez pelo menos 45 mortos.

As autoridades agrediram ou detiveram pelo menos nove jornalistas e expulsaram pelo menos dois correspondentes estrangeiros. O governo impôs várias suspensões da Internet, dificultando ainda mais a recolha de notícias e a elaboração de reportagens.

O jornalismo tornou-se “demasiado arriscado e muitas vezes impossível”, disse ao CPJ Gervásio Nhampulo, um jornalista da província do Niassa, no norte do país. “Temos famílias a considerar se algo nos acontecer”.

Da esquerda para a direita: Valdimiro Amisse e César Rafael, repórteres da Rádio TV Encontro; Bruno Marrengula, operador de câmara da TV Glória; Jaime Joaquim e Gervásio Nhampulo, jornalistas da TV privada Amaramba; e Nunes Rafael, repórter da Rádio Esperança. (Fotos: Gamito Carlos, Bruno Marrengula, e cortesia de Gervásio Nhampulo.

Desde as eleições, o CPJ documentou as seguintes violações da liberdade de imprensa:

Jornalistas detidos

  • A polícia deteve Bongani Siziba e Sbonelo Mkhasibe, jornalistas sul-africanos do meio de comunicação social nigeriano News Central, e Charles Mangwiro, um repórter local da estatal Rádio Moçambique, a 14 de novembro na capital, Maputo. Os jornalistas disseram que os agentes os levaram para uma esquadra da polícia antes de homens armados e mascarados os transferirem para um segundo local que Siziba disse ao CPJ que “parecia um quartel”. Siziba e Mkhasibe disseram ao CPJ que foram mantidos com os olhos vendados, interrogados várias vezes e acusados de serem espiões que queriam retratar Moçambique de uma forma sombria. Foram libertados no dia seguinte.

Mkhasibe disse ao CPJ que os homens se recusaram a dar-lhe a medicação para a tensão arterial e para a diabetes enquanto esteve detido.

Jornalistas atacados a tiro

  • Cerca de cinco agentes de segurança à paisana perseguiram e dispararam contra César Rafael e Valdimiro Amisse, repórteres da Rádio TV Encontro, propriedade da Igreja Católica, depois de os jornalistas se terem recusado a apagar imagens de uma manifestação no norte da província de Nampula, a 13 de novembro. Amisse disse ao CPJ que inicialmente escaparam, mas mais tarde depararam-se com os mesmos agentes que os espancaram com paus, atiraram-lhes pedras e tentaram tirar-lhes a câmara, até que membros do público intervieram.
  • A polícia disparou uma bala de borracha contra Paulo Julião, chefe do escritório moçambicano da agência noticiosa portuguesa Lusa, atingindo-o nas costas, a 4 de novembro, em Maputo.
  • Agentes da polícia agrediram e detiveram brevemente Nuno Alberto, um repórter da Rádio Monte Gilé, enquanto este cobria protestos em 25 de outubro em Gilé, uma cidade na província central da Zambézia. Alberto disse ao CPJ que um agente o agarrou pela garganta e o atirou ao chão, e outros o pontapearam, esbofetearam e bateram-lhe com bastões. Os agentes levaram-no para uma esquadra da polícia, onde o espancaram novamente e obrigaram o jornalista a usar uma máscara e a segurar um cartaz de protesto enquanto os agentes o fotografavam. O jornalista foi libertado ao fim de duas horas sem qualquer acusação.
  • A polícia disparou gás lacrimogéneo contra vários jornalistas que cobriam os protestos da oposição em Maputo, a 21 de outubro. O operador de câmara da TV Glória, Bruno Marrengula, disse ao CPJ que foi hospitalizado durante dois dias com uma tíbia partida, depois de um agente da polícia o ter atingido com uma lata de gás lacrimogéneo.
  • A polícia disparou gás lacrimogéneo contra um grupo de jornalistas que cobria uma conferência de imprensa do líder da oposição Venâncio Mondlane, num incidente separado, mais tarde, a 21 de outubro. Gaspar Chirinda, um repórter da rede privada de notícias STV, disse que uma lata de gás lacrimogéneo foi disparada perto das suas pernas, atingindo-o e ferindo-o.
As fotos da esquerda e do centro mostram o ferimento do repórter Gaspar Cihirinda antes e depois de ser tratado; a polícia disparou uma bomba de gás lacrimogéneo que atingiu as pernas de Chirinda em 21 de outubro de 2024. A fotografia da direita mostra a perna do operador de câmara da TV Glória, Bruno Marrengula, que esteve hospitalizado durante dois dias com a tíbia partida, depois de um polícia o ter atingido com uma bomba de gás lacrimogéneo. (Fotos: Gaspar Chirinda, Bruno Marrengula)

Expulsos do país

  • Os agentes dos serviços de imigração confiscaram os passaportes de Alfredo Leite e Marc Silva, repórteres portugueses das cadeias de televisão CMTV e NOW TV, a 1 de novembro, sob a alegação de estarem a trabalhar em Moçambique com vistos de turista. Leite disse ao CPJ que foram expulsos de Moçambique a 3 de novembro.

Equipamento confiscado

  • Agentes do serviço secreto confiscaram os telemóveis de Nhampulo e de Jaime Joaquim, jornalistas locais da TV privada Amaramba, e de Nunes Rafael, repórter da Rádio Esperança, uma estação pertencente ao grupo religioso Igreja Assembleia de Deus Alfa e Ómega, enquanto faziam uma reportagem sobre os protestos no Niassa, a 26 de outubro. Os jornalistas disseram ao CPJ que os seus aparelhos foram devolvidos passadas duas horas.

Numa conferência de imprensa a 22 de outubro, o porta-voz do Conselho de Ministros de Moçambique, Filimão Swaze, disse que a polícia não visava os jornalistas e que estes foram atacados enquanto cobriam os protestos a 21 de outubro porque estavam “num local onde também havia manifestantes”.

O CPJ não obteve resposta às chamadas e mensagens dirigidas ao porta-voz da polícia de Maputo, Leonel Muchina, ao comandante-geral da polícia de Moçambique, Bernardino Rafael, e a Swaze.

Nos últimos anos, as autoridades moçambicanas têm perseguido, espancado e acusado vários jornalistas. As autoridades ainda não conseguiram explicar de forma credível o desaparecimento, em 2020, do jornalista de rádio Ibraimo Mbaruco.