Cercado por jornalistas, o juiz do STF Gilmar Mendes passa por uma pilha de móveis danificados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, na entrada do Supremo Tribunal Federal brasileiro em Brasília, em 10 de janeiro de 2023. (AP Photo/Eraldo Peres)

Pelo menos 40 jornalistas são alvo em meio a tumultos na capital do Brasil e seus desdobramentos

Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2023 – As autoridades brasileiras devem investigar todos os ataques a jornalistas cobrindo os tumultos de 8 de janeiro na capital do país e suas consequências, e adotar medidas concretas para proteger os membros da imprensa e reduzir a hostilidade generalizada contra a mídia, disse na sexta-feira o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ).

Em 8 de janeiro, milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e as instalações do Supremo Tribunal Federal em um violento tumulto na capital do país, Brasília, destruindo móveis, equipamentos, objetos de arte e partes dos edifícios, de acordo com várias reportagens da imprensa

De acordo com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal (SJPDF), pelo menos 16 jornalistas foram atacados ou assediados na capital em 8 de janeiro, e pelo menos 24 outros foram alvo na sequência dos tumultos. As autoridades prenderam mais de 1.200 pessoas desde o início dos tumultos, de acordo com as reportagens da mídia.

“Os níveis extremos de hostilidade contra jornalistas no Brasil que cobriam os tumultos de 8 de janeiro e outros protestos pró-Bolsonaro são alarmantes, e as autoridades devem agir imediatamente para identificar os perpetradores e responsabilizá-los”, disse Renata Neder, representante do CPJ no Brasil. “Um dos trágicos legados do governo Bolsonaro é a animosidade generalizada contra a imprensa. O novo governo deve adotar medidas imediatas para reverter esta tendência e cumprir sua responsabilidade de proteger jornalistas”.

Jornalistas atacados em 8 de janeiro incluem:

  • Um jornalista do jornal local O Tempo, a quem os desordeiros mantiveram por 30 minutos dentro do Congresso Nacional, onde o esbofetearam, socaram, chutaram e o ameaçaram com armas de fogo, de acordo com declarações publicadas pelo jornal onde trabalha. O jornalista, que se preferiu não revelar seu nome devido a  preocupações com sua segurança, escreveu na declaração que os desordeiros o acusavam de “infiltrado”. 
  • Marina Dias, repórter do The Washington Post, que foi cercada, empurrada, chutada, puxada pelos cabelos e teve seus óculos quebrados por vândalos que também tentaram agarrar seu telefone, de acordo com várias reportagens da imprensa e um tuite da jornalista. 
  • Rafaela Felicciano, fotojornalista do site de notícias Metrópoles, que foi cercada por 10 homens que lhe deram pontapés e socos e depois roubaram seu celular e o cartão de memória da câmera, de acordo com as matérias divulgadas.
  • Dois fotógrafos, um trabalhando para a AFP e outro para a Reuters, que sofreram agressão física e tiveram equipamento e celular roubados.

Uma lista completa incluindo os outros ataques a jornalistas pode ser encontrada no site do SJPDF.

A presidente da Abraji, Katia Brembatti, disse ao CPJ via aplicativo de mensagens que tais ataques são ” ápice de um processo que foi sendo construído ao longo dos anos para caracterizar jornalistas como inimigos a serem combatidos.”

” a partir do incentivo de governantes como Bolsonaro, os profissionais foram sendo desumanizados e deslegitimados, virando alvos”, disse ela.

Entre o segundo turno das eleições presidenciais de 30 de outubro de 2022, e 7 de janeiro de 2023, a Abraji e a Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) documentaram 78 incidentes de ataques físicos, assédio, ameaças ou atos que danificaram o equipamento dos jornalistas.

A presidente da FENAJ, Samira de Castro, disse ao CPJ que os incidentes ” configuram um grave atentado à liberdade de imprensa no país, que vem se deteriorando nos últimos seis anos, com violências que vão desde agressões físicas e verbais, passando por censura feita por agentes públicos, assédio judicial e até assassinatos.”

Em 9 de janeiro, representantes de quatro organizações de liberdade de imprensa reuniram-se com Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em um vídeo tuitado em 12 de janeiro, Pimenta disse que os trabalhadores da mídia “têm sofrido a violência e o ódio quando na verdade estão simplesmente exercendo a sua profissão, e isso não pode ser naturalizado”, acrescentando que ele entrou em contato com o chefe da polícia civil em Brasília para solicitar que os casos de jornalistas fossem tratados de maneira diferente para que ” esses inquéritos andem com celeridade” e os autores dos crimes possam ser identificados e responsabilizados. 

Em resposta ao pedido de comentários do CPJ, a Polícia Civil do Distrito Federal enviou por e-mail um link para uma declaração que dizia que eles permaneciam “em estado de prontidão operacional até normalização da ordem pública”.  O CPJ enviou um e-mail para a assessoria de imprensa do governo federal para comentários, mas não recebeu nenhuma resposta. 

De acordo com uma declaração que Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, enviou ao CPJ através de aplicativo de mensagens, “Jair Bolsonaro repudia veementemente os atos de vandalismo e depredação do patrimônio público” e nega ter qualquer relação com aqueles que participaram dos tumultos da capital.

[Nota dos editores: O último parágrafo deste texto foi atualizado para incluir a resposta de Wassef para comentários].