Lisboa, 4 de março de 2020 – As autoridades angolanas devem parar de assediar o editor Mariano Brás, retirar quaisquer acusações contra ele e permitir que a imprensa cubra o presidente do país sem medo de assédio legal, disse hoje o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ).
No dia 12 de fevereiro, oficiais da divisão de crime organizado do Serviço de Investigação Criminal de Angola interrogaram Brás, editor do semanário independente O Crime, durante cerca de três horas sobre um artigo de dezembro que criticava o presidente João Lourenço, segundo o jornalista, que falou ao CPJ em entrevista por telefone, informações da imprensa e uma cópia da convocatória de 9 de fevereiro para interrogatório enviada ao jornalista, que o CPJ examinou.
Os oficiais disseram que o interrogavam a respeito de uma denúncia, que inicialmente disseram ter sido feita pelo próprio presidente, mas depois não quiseram especificar quem a interpôs, alegando que poderia ter sido qualquer pessoa ou instituição porque a reportagem era pública, disse Brás.
Salvador Freire, advogado de Brás, disse ao CPJ por telefone que a convocatória indicava que um processo criminal havia sido aberto, mas não especificava se alguma acusação havia sido formalizada. E acrescentou que não teve acesso ao processo do caso para obter detalhes sobre a acusação. Freire explicou que seu cliente poderia ser potencialmente acusado de ofender a autoridade do Estado, insulto ou difamação, e que o procurador “parecia estar a estudar a acusação exacta para lançar” contra o seu cliente.
“As autoridades angolanas deveriam encerrar imediatamente a investigação sobre o jornalista Mariano Brás pela sua reportagem sobre o presidente João Lourenço e retirar quaisquer acusações contra ele”, disse em Nova York a coordenadora do programa para a África do CPJ, Angela Quintal. “O presidente Lourenço deve dar o exemplo ao mostrar que, como funcionário público, não está isento do escrutínio da imprensa. Uma boa forma de começar seria revogar as leis de difamação e insultos criminais de Angola, que são uma violação do direito à liberdade de expressão.”
Brás disse que se sentiu intimidado durante o interrogatório, no qual os policiais perguntaram sobre sua casa e sua vida privada, e acrescentou que acredita que o objetivo é calar o seu jornal.
Na edição de 26 de dezembro de O Crime, revista pelo CPJ, o jornal concedeu o título de “pior figura de 2020: demagogo e hipócrita” ao presidente Lourenço, e escreveu que ele não cumpriu suas promessas eleitorais.
Freire disse ao CPJ: “Não sabemos [quais são as acusações] e temos que esperar até que eles decidam dar-nos acesso ao processo”, acrescentando, “só sabemos que tal processo existe porque a convocatória o menciona e ao número do seu caso.”
Se acusado e condenado por injúria criminosa, Brás pode receber até dois meses de prisão; se for condenado por difamação, pode receber até seis meses de prisão; e se for condenado por ofender o Estado, uma acusação de segurança nacional, pode chegar até aos três anos de prisão e uma multa fixada à discrição do juiz, de acordo com os artigos aplicáveis do código penal do país e do advogado e especialista em direito penal Manuel Pinheiro, que falou ao CPJ em entrevista por telefone.
Em telefonema ao CPJ, o diretor do Serviço de Investigação Criminal, Arnaldo Carlos, não quis comentar a investigação nem confirmar os detalhes da denúncia contra Brás. O porta-voz da presidência, Luís Fernando, não respondeu a uma mensagem de texto via app de mensagens nem atendeu a inúmeros telefonemas do CPJ.
Brás já enfrenta uma acusação criminal de difamação relacionada à cobertura da ministra de Estado dos Assuntos Sociais Carolina Cerqueira, que apresentou uma queixa contra ele no ano passado que ainda está sob investigação, segundo reportagens publicadas.
Em 2018, Brás, cujo nome completo é Mariano Brás Lourenço, e o editor do Maka Angola, Rafael Marques de Morais, foram declarados inocentes das acusações de insulto ao Estado, de acordo com as informações da imprensa e da documentação do CPJ na época.