CPJ insta a Venezuela a parar de obstruir o trabalho da imprensa estrangeira

São Paulo, 13 de fevereiro de 2017 – Dois jornalistas brasileiros que investigavam uma rede de corrupção continental foram presos no fim de semana, na Venezuela, de acordo com reportagens da imprensa. Separadamente, o presidente venezuelano Nicolas Maduro anunciou em um comício que queria que a CNN deixasse o país e acusou a rede de espalhar “notícias falsas”, segundo informaram outros meios de comunicação.

“Os meios de comunicação internacionais devem ser capazes de cobrir assuntos de interesse público e informar sobre temas sensíveis sem medo de retaliação e perseguição por parte das autoridades venezuelanas”, disse Carlos Lauría, coordenador sênior do programa das Américas do CPJ em Nova York. “Instamos o governo do presidente Maduro a acabar com a prática sistemática de obstruir a cobertura e a deixar de interferir com o trabalho dos meios de comunicação.”

O repórter Leandro Stoliar e o cinegrafista Fred Gilson Oliveira chegaram a São Paulo às 5h50 de hoje depois de serem libertados pela polícia venezuelana, segundo a TV Record, a rede de televisão com sede em São Paulo para a qual eles trabalham. Os jornalistas foram presos em Maracaibo próximo do horário de meio-dia, em 11 de fevereiro, durante as filmagens de uma reportagem sobre a ponte Nigale, uma ponte de 11,8 km sobre o Lago Maracaibo, cuja construção está a cargo da Odebrecht, uma multinacional brasileira que é uma das empresas que se encontra no centro de um enorme escândalo de corrupção.

As autoridades também prenderam dois ativistas venezuelanos, Jesus Urbina e Maria Jose Tua, que trabalham para a Transparência Venezuela, a filial local da Transparência Internacional, uma organização global anticorrupção. Urbina e Tua estavam acompanhando os jornalistas, segundo afirmou a Transparência Venezuela em um comunicado.

Funcionários do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) detiveram os jornalistas brasileiros, tomaram as impressões digitais e os submeteram a interrogatório, disseram os jornalistas.

Os funcionários escoltaram os jornalistas de volta para o hotel cerca de 01h15 de 12 de fevereiro e os mantiveram sob vigilância no lobby até cerca de 08h00, quando eles foram levados de volta para a sede do Sebin.

À noite, a polícia venezuelana transportou-os em um voo de Maracaibo para a capital, onde foram escoltados para um voo de volta para o Brasil, segundo declarações de um porta-voz da TV Record ao CPJ. A polícia confiscou o equipamento nos quais haviam gravado as imagens e entrevistas, de acordo com a TV Record.

“O assédio, a prisão, sem comunicação alguma, a polícia nos seguia inclusive até o banheiro”, disse Stoliar ao site da rede de televisão. “Fomos tratados como criminosos quando na verdade estávamos apenas fazendo nosso trabalho. Nós chegamos em casa com as roupas que estávamos vestindo e uma mochila que conseguimos manter”.

Os jornalistas estavam trabalhando em uma história sobre a participação da Odebrecht no projeto de construção da ponte sobre o Lago Maracaibo. Recentemente, a empresa concordou em pagar cerca de dois bilhões de dólares em multas depois de admitir o pagamento de subornos a determinados funcionários para obter contratos de construção em vários países, incluindo a Venezuela.

Os jornalistas foram presos no mesmo fim de semana que o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro anunciou que queria que a CNN deixasse o país. “A CNN não deve interferir nos assuntos dos venezuelanos”, disse Maduro. “Quero a CNN longe daqui. Fora da Venezuela. Que não metam seu nariz na Venezuela”.

Maduro, que culpou a cadeia de notícias dos Estados Unidos de manipulação, fez as declarações durante um comício poucos dias depois da CNN em espanhol transmitir uma reportagem afirmando que os funcionários da embaixada venezuelana no Iraque tinham vendido passaportes e vistos para suspeitos de terrorismo.

A Venezuela adotou uma posição cada vez mais hostil contra os repórteres estrangeiros nos últimos meses e proibiu vários jornalistas de entrar no país, de acordo com dados do CPJ. O correspondente da ABC News Matt Gutman foi detido em outubro junto com um cinegrafista e um médico venezuelano que os havia acompanhado em reportagem sobre a crise no sistema nacional de saúde. Aitor Saez, correspondente espanhol que trabalhou para a Deutsche Welle (DW), foi deportado para a Colômbia em 22 de janeiro. O jornalista tinha chegado ao país para cobrir os protestos da oposição.

O CPJ constatou que durante a gestão de Maduro, as autoridades têm recorrido a diversas táticas para restringir o trabalho dos meios de comunicação independentes. O jornalista de internet e de rádio Braulio Jatar Alonso foi preso no início de setembro depois de cobrir um protesto, e foi acusado de lavagem de dinheiro e continua prisioneiro. A prisão e os recentes incidentes ocorreram em meio a uma violenta repressão exercida sobre a oposição política, num momento em que o governo de Maduro enfrenta uma crescente inquietação frente a escassez generalizada de alimentos e uma taxa de inflação que atingiu três dígitos.