Corte Suprema do Uruguai restabelece veredicto de injúria

Nova York, 26 de julho de 2006 – O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) está alarmado com a decisão da Corte Suprema de Justiça uruguaia de restabelecer a condenação penal por difamação do jornalista Carlos Dogliani Staricco por uma série de artigos nos quais descreveu como um prefeito local tratou a dívida tributária de um contribuinte. A corte parece ter ignorado um crescente número de opiniões legais na região, segundo as quais as leis que penalizam a discriminação violam o direito internacional e são desnecessárias em uma democracia. Além disso, a corte afirmou que os fatos sobre os quais se baseia a cobertura jornalística não constituem uma defesa relevante.

Na decisão, divulgada em 18 de setembro, a corte revogou uma sentença de 2005 emitida por um tribunal de apelação e condenou Dogliani a cinco meses de prisão sob liberdade condicional. Segundo a Corte Suprema, o direito à honra põe limite ao direito dos meios de comunicação de informar, e as leis penais de difamação devem restringir a liberdade de expressão. A corte encontrou um problema particular com o uso de certas palavras – o título de uma das notas era “Fraude” – que, segundo os juizes, tem um significado legal concreto e “não agregam nada substantivo”.

Na sentença de 18 páginas, a corte não levou em consideração a veracidade dos artigos e declarou que “não interessa se o fato é verdadeiro”. A corte prosseguiu com a citação de um jurista uruguaio que afirmou, em livros sobre direito penal, que até reportagens com informações verídicas podem ser difamatórias.

“Estamos muito preocupados com a sentença da Corte Suprema de Justiça, que tem enorme repercussão na cobertura jornalística sobre funcionários públicos. De fato, a corte situou os funcionários públicos acima do escrutínio público, o que é incompatível com a democracia”, assinalou o Diretor-executivo do CPJ, Joel Simon. “A jurisprudência na região tem estabelecido que os funcionários públicos devem estar sujeitos ao escrutínio em uma democracia. Instamos os legisladores a revogar as leis penais de difamação e a promover uma legislação que permita adequar as leis do Uruguai conforme os padrões internacionais em matéria de liberdade de expressão”.

A Associação de Imprensa Uruguaia (APU, por sua sigla em inglês) expressou sua preocupação pela sentença em um comunicado, ao considerar que promoverá a autocensura. A corte também parece ter dado as costas a uma sentença de 1997 na qual se determinou que o direito à liberdade de expressão e o direito à liberdade de imprensa estão acima do direito à honra.

O caso se baseia em uma demanda por difamação apresentada em março de 2004 por Álvaro Lamas, então prefeito da cidade de Paysandú, contra Dogliani, jornalista do semanário local El Regional. A ação foi motivada pela publicação, naquele mês, de uma série de artigos nos quais Dogliani acusava Lamas de perdoar grande parte da dívida tributária de um proprietário de terras, segundo informes da imprensa e entrevistas do CPJ.

Em dezembro de 2004, uma juíza local condenou Dogliani e o sentenciou a cinco meses de prisão sob condicional. Um tribunal de apelações revogou por unanimidade a sentença, em julho de 2005, declarando que a cobertura crítica não violava as leis penais. Lamas questionou a veracidade da reportagem em uma entrevista com o CPJ. Dogliani e El Regional mantiveram a autenticidade de sua informação, segundo assinalou Edison Lanza, assessor legal da APU. O El Regional encerrou sua publicação desde então por outros motivos.

As leis que penalizam expressões que não incitam à violência anárquica são incompatíveis com o direito à liberdade de expressão consagrados no Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, segundo uma declaração de 1994 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O Uruguai ratificou a Convenção Americana.

“De fato, se forem consideradas as conseqüências das sanções penais e o efeito inevitavelmente inibidor que possuem para a liberdade de expressão, a penalização de qualquer tipo de expressão somente pode ser aplicada em circunstâncias excepcionais, nas quais exista uma ameaça evidente e direta de violência anárquica”, afirmou a Comissão Interamericana.

Em 2004, a Corte Interamericana de Direitos Humanos anunciou uma sentença na qual revogou a condenação, em 1999, do jornalista costarriquenho Maurício Herrera Ulloa, repórter do diário La Nación ,de San José, pelo crime de difamação. O tribunal determinou que a sentença violou o direito à liberdade de expressão e ordenou à Costa Rica que pagasse ao jornalista uma indenização por danos e prejuízos. O presidente da Corte Interamericana, juiz Sergio García Ramírez, redigiu uma opinião concorrente na qual questionou a criminalização da difamação e sugeriu que tais leis deveriam ser revogadas.

Leia os alertas do CPJ sobre o caso de Herrera Ulloa:
http://www.cpj.org/news/2001/Costa_rica21may01naSp.html
http://www.cpj.org/news/2003/Costarica26feb03na_Sp.html

Existe um crescente consenso entre organismos internacionais no sentido de que leis civis de difamação proporcionam reparação suficiente para todos aqueles que reclamam ter sido difamados. Em abril, a Assembléia Legislativa do Distrito Federal aprovou uma medida que descriminaliza a difamação e a calúnia na Cidade do México, dirigindo tais demandas às cortes civis.

O CPJ é uma organização independente, sem fins lucrativos, sediada em Nova York, que se dedica a defender a liberdade de imprensa em todo o mundo.