O Comitê para a Proteção de Jornalistas e outros ativistas da liberdade de imprensa fazem uma vigília à luz de velas em frente à embaixada da Arábia Saudita em Washington, no dia 2 de outubro de 2019, para marcar o primeiro aniversário do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado suadita em Istambul. (Reuters/Sarah Silbiger)

Mahoney: Política de Biden em relação à Arábia Saudita dificulta busca por justiça para Khashoggi

Por Robert Mahoney

De pária a potencial parceiro. Essa é a evolução da Arábia Saudita para o presidente Joe Biden nos cinco anos desde que Riad enviou um esquadrão da morte para assassinar o jornalista Jamal Khashoggi.

A contínua reabilitação da administração do reino do petrodólar e do seu governante de facto, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, conhecido como MBS, parece colocar a realpolitik acima do objetivo declarado de Biden de trazer justiça para o colunista do Washington Post.

As consequências de ignorar este compromisso em prol de ganhos estratégicos e econômicos a curto prazo são desastrosas para jornalistas e defensores dos direitos humanos não apenas na Arábia Saudita, mas globalmente. 

O fracasso na busca por justiça para Khashoggi, um residente permanente dos EUA, sinaliza para regimes repressivos que mesmo as democracias ocidentais mais poderosas moderarão seu fervor pela proteção dos jornalistas se perceberem que interesses políticos e econômicos estão em jogo.

Se alguém tão proeminente quanto Khashoggi pode ser desmembrado no consulado saudita em Istambul com aparente impunidade, que chance têm os jornalistas bem menos relacionados ao desafiar autocratas por meio de suas reportagens?

As paredes das redações ao redor do mundo estão cobertas com fotos de colegas assassinados por governos ou grupos criminosos que buscam silenciar a divulgação da verdade. Em oito casos de cada 10, aqueles que ordenaram os assassinatos escapam da justiça. 

Por um momento, parecia que o assassinato de Khashoggi poderia ser diferente. A crueldade do crime, no qual uma equipe de 15 homens desmembrou o corpo, ganhou manchetes internacionais. 

Mesmo o governo fortemente pró-saudita de Trump foi levado a agir quando a inteligência turca, que havia grampeado o consulado de Istambul, divulgou detalhes do assassinato ocorrido em 2 de outubro de 2018. O presidente Donald Trump impôs sanções a alguns sauditas ligados ao assassinato, mas evitou acusar diretamente o príncipe herdeiro, mesmo depois de a inteligência dos EUA concluir que ele havia aprovado o assassinato.
 

No ano seguinte, o candidato Joe Biden prometeu durante um debate das eleições do Partido Democrata buscar responsabilização e tornar a Arábia Saudita um “pária”.

Ao assumir a presidência em 2021, Biden divulgou o relatório inédito da CIA, mas, como seu antecessor, recuou e não impôs sanções diretamente a MBS. Em novembro do ano passado, sua administração chegou ao ponto de declarar que o príncipe herdeiro estava protegido pela imunidade soberana. Isso encerrou uma ação civil movida em um tribunal distrital dos EUA pela noiva de Khashoggi, Hatice Cengiz, que buscava responsabilizar Mohammed bin Salman e dois de seus principais assessores pela morte.

Certo de que os governos ocidentais não tomariam nenhuma ação contra ele, o príncipe Mohammed iniciou uma campanha de rebranding [mudança de imagem], apresentando-se como um millenial amigável à tecnologia e reformador político. Segundo o Guardian, o Reino da Arábia Saudita investiu mais de US$ 6 bilhões em acordos internacionais de esportes e patrocínios, uma tática que críticos chamam de “sports washing“. O país também atraiu empresas de tecnologia do Vale do Silício e planeja gastar US$ 500 bilhões no desenvolvimento de uma cidade futurista ao longo de uma faixa da costa do Mar Vermelho como destino de negócios e turismo.

A popularidade do príncipe herdeiro cresceu em seu país, à medida que ele relaxou as restrições religiosas na vida social e permitiu que as mulheres dirigissem.

Mas por trás das campanhas de relações públicas, o reino continua sendo um dos países menos livres do mundo, de acordo com a Freedom House, organização de direitos dos EUA. Em 1º de dezembro de 2022, havia 11 jornalistas na prisão, de acordo com o censo anual de jornalistas presos do Comitê para Proteção de Jornalistas, juntamente com dezenas de defensores de direitos humanos e ativistas sociais. A crítica ao governo e ao príncipe herdeiro é perigosa, mesmo quando expressa por cidadãos sauditas que fugiram para o exterior.

“Todos nós que temos pedido justiça para Jamal nos sentimos desapontados”, disse Fred Ryan, ex-editor e CEO do Washington Post. “Um governo republicano concluiu que a responsabilidade pelo assassinato chegou até o topo do governo saudita. O candidato Joe Biden descreveu MBS como um pária. A pergunta é ‘o que mudou?'”

A resposta, em parte, pode ser a avaliação de Washington de que precisa da Arábia Saudita para conter a influência do Irã e da China no Oriente Médio e garantir uma maior estabilidade no mercado de petróleo após as turbulências causadas pela guerra da Rússia na Ucrânia.

A administração também está tentando persuadir o príncipe Mohammed a reconhecer o aliado regional mais importante de Washington, Israel, em um acordo que poderia ser modelado com base nos Acordos de Abraão que Trump intermediou entre Israel, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos.

A Arábia Saudita está exigindo um alto preço em troca, incluindo um tratado de defesa mútua e ajuda dos EUA para desenvolver um programa nuclear civil. O ataque sem precedentes e mortal a Israel em 7 de outubro por parte do palestino Hamas e a resposta de Israel diminuíram — se não acabaram — com qualquer acordo de paz ambicioso.

A disposição do príncipe herdeiro em considerar tal proposta é um lembrete de que os Estados Unidos ainda têm influência. Washington pode promover os direitos humanos e ainda buscar seus interesses estratégicos e econômicos na região.

Se Riad deseja garantias de segurança dos EUA ou apoio ocidental em seus esforços para sediar grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2034 da FIFA ou os Jogos Olímpicos, as democracias liberais podem aproveitar essas oportunidades. Elas podem pedir a libertação de jornalistas presos e de prisioneiros políticos no país e o fim do assédio a críticos sauditas no exterior.

Washington poderia dar força de lei às restrições de visto do Khashoggi Ban do Departamento de Estado dos EUA. Também pode apoiar iniciativas como o projeto de lei do deputado Adam Schiff para proteger dissidentes exilados de seus governos de origem.

Esconder o assassinato de Khashoggi sob o tapete diplomático é um erro.

“Os déspotas observam como os EUA respondem quando os direitos fundamentais em que acreditamos são violados”, disse Ryan. “O sinal que eles estão recebendo não é encorajador.”