Pedidos para que os jornalistas exercitem um senso de responsabilidade são muitas vezes o código de censura. No entanto, o jornalismo antiético também pode pôr a imprensa em perigo. Por Jean-Paul Marthoz

O escândalo do News of the Word, no qual o tabloide dominical inglês invadiu mensagens de voz de celebridades e pessoas comuns, levou a um debate decisivo sobre como regular a mídia no Reino Unido. (Reuters/Luke MacGregor)

 

Aspirantes a repressores brandem “ética” como justificativa

Por Jean-Paul Marthoz

Em todo o planeta, governantes autoritários e seus funcionários discorrem sobre a “responsabilidade da imprensa”.

Na maioria das vezes, suas pregações e falas sobre a necessidade de códigos de conduta ou diretrizes éticas servem para podar os jornalistas independentes e domar a imprensa. Sua invocação a imponentes noções de patriotismo, honra, reputação e respeito à autoridade tem como objetivo impedir investigações e denúncias de seus abusos de poder e enriquecimento ilícito.

O escândalo do News of the Word, no qual o tabloide dominical inglês invadiu mensagens de voz de celebridades e pessoas comuns, levou a um debate decisivo sobre como regular a mídia no Reino Unido. (Reuters/Luke MacGregor)

A ética também é brandida quando a imprensa aborda temas sensíveis, como religião, nacionalismo ou etnia. Sob o pretexto de proteger as minorias contra discursos de ódio ou de prevenir a incitação à violência, os governos muitas vezes se esforçam para censurar histórias que são de interesse público e devem ser contadas.

Em países autoritários, convocações para que os jornalistas pratiquem um senso de responsabilidade ou decência são, em sua maioria, um código para a censura. No Egito, após a derrubada do governo liderado pela Irmandade Muçulmana, em julho de 2013, os novos governantes apoiados pelos militares imediatamente anunciaram sua intenção de criar um código de ética jornalístico e tornou sua adoção uma condição para suspender a censura existente.

No Equador, o presidente Rafael Correa tem feito agressões à mídia há anos, classificando jornalistas como “antiéticos”, “provocadores” ou “mentirosos”. Após sua reeleição com uma vitória esmagadora em fevereiro de 2013, ele advertiu, conforme relatado pelo correspondente do CPJ John Otis, que “uma coisa que precisa ser corrigida é a imprensa, que carece totalmente de ética e escrúpulos”. Desde então, Correa “corrigiu” a imprensa por meio de uma nova lei de comunicações que restringe severamente a liberdade de imprensa ao estabelecer a regulamentação governamental do conteúdo editorial e conferir às autoridades o poder de impor sanções arbitrárias à imprensa.

Em junho de 2013, o governo do Sri Lanka tentou impor um novo código de ética para a mídia, visando, de acordo com Keheliya Rambukwella, o ministro dos meios de comunicação e informação, “criar uma cultura de mídia salutar”. Ainda que os protestos de associações nacionais e internacionais de jornalistas tenham forçado o governo a recuar, alguns observadores temem que o código possa ressurgir. “O código de mídia foi parte de uma campanha continuada para controlar a mídia e conter a dissidência”, Brad Adams, diretor para a Ásia da Human Rights Watch, disse ao CPJ. “Sua imprecisão provavelmente teria levado a uma maior autocensura para evitar a retaliação governamental.” O código proibia “críticas que afetem as relações exteriores” e conteúdo “que promova atitudes antinacionais”. Também impedia “material contra a integridade dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo” e advertia contra a publicação de conteúdo que “ofende as expectativas de moralidade pública do país ou tende a reduzir os padrões do gosto e moralidade públicos”.

No Burundi, “as discussões em torno da elaboração da nova Lei de Imprensa, que foi promulgada em junho de 2013, constantemente remeteram a supostas violações éticas da imprensa”, Marie-Soleil Frère, autora e pesquisadora da Universidade de Bruxelas, disse ao CPJ. “Membros do partido no poder repetiram incessantemente que jornalistas são parciais e injustos e praticam difamações, mentiras e insultos”.

Governos autoritários também possuem formas de alardear supostas violações éticas quando cabe aos seus interesses visando desacreditar jornalistas incômodos e até mesmo minimizar agressões físicas a repórteres que estão trabalhando.

Se um jornalista mexicano ou hondurenho que cobre a área de drogas é assassinado, alguns policiais utilizam a expressão “Por algo será”, que significa “Deve ter havido uma razão” – deixando implícito que a morte foi justificada pelo envolvimento do repórter com organizações criminosas. Isto é usado como uma justificativa para não haver uma investigação séria do homicídio e alimenta o ciclo de impunidade.

De fato, os governos que têm sido mais sonoros em clamar por um “jornalismo ético” muitas vezes têm sido os primeiros a pressionar para que seus meios de comunicação desrespeitem todos os padrões e regras jornalísticos. No Egito, onde as novas autoridades civil-militares têm clamado por ética no jornalismo, os meios de comunicação estatais têm se dedicado a campanhas impiedosas contra vozes jornalísticas dissidentes.

“Espantosamente, os jornalistas egípcios também participaram do assédio a colegas oficialmente impopulares”, disse Mohamed Khattab, repórter do jornal Liberdade e Justiça, a voz oficial da Irmandade Muçulmana, em uma transmissão da NPR em 12 de julho de 2013. Esses ataques não pouparam a imprensa internacional. “Em uma coletiva de imprensa do Exército nessa semana”, acrescentou o jornalista da BBC, Andrew Hosken, durante a mesma transmissão, “um repórter da Al-Jazeera foi expulso por seus pares enquanto gritavam ‘Fora, fora’, e então aplaudiram quando ele foi embora”.

No Azerbaijão, a imprensa pró-governo vergonhosamente invadiu a privacidade de líderes da oposição e jornalistas independentes e publicou rumores e mentiras, sem consequências. “Eu tenho visto incontáveis exemplos de comportamento deliberadamente não profissional e antiético por parte da imprensa estatal e pró-governo”, Rebecca Vincent, diretora de advocacy do Clube de Direitos Humanos, sediado em Baku, disse ao CPJ. Em agosto de 2013, por exemplo, o jornal Ses, que é afiliado ao partido no poder, publicou um artigo atacando Khadija Ismayilova, uma premiada jornalista crítica que trabalha na Rádio Europa Livre/ Rádio Liberdade (RFE/RL). O título era “Mãe armênia de Khadija deve morrer”. Em um comunicado de imprensa, a RFE/RL disse: “O artigo falsamente rotulou diversos parentes de Ismayilova como armênios. Para alguns azeris, a referência à etnia ‘armênia’ é código para traição em um país que entrou em guerra com a Armênia pela disputa de território, em 1988”.

A imprensa estatal do Equador é utilizada como um poderoso megafone para difamar jornalistas que não seguem a linha oficial. Da mesma forma, “no Burundi, a Rema FM, uma estação de rádio pró-governo, gasta seu tempo agredindo emissoras de rádio ligadas à sociedade civil”, disse Frère.

Em tais países, os governos são coniventes com alguns meios de comunicação na violação das normas éticas mais básicas. A distribuição de publicidade pelo Estado, por exemplo, é regularmente utilizada como uma ferramenta obscura para garantir uma cobertura servil e ineficaz. A tática prejudica diretamente a imagem de uma imprensa livre como financeiramente independente e capaz de evitar conflitos de interesse.

Na Argentina, essa pressão arbitrária é aplicada em nível nacional, mas seu impacto é particularmente forte em veículos de comunicação menores e provinciais, “muitos dos quais”, Sara Rafsky, do CPJ, escreveu em 2012, “são quase totalmente dependentes financeiramente da propaganda oficial e, portanto, vulneráveis à pressão do governo em sua cobertura”.

“Envelopes pardos” entregues a jornalistas individuais servem ao mesmo propósito e possuem o mesmo efeito: eles minam gravemente a independência e liberdade da imprensa. Em alguns países, onde a colocação seletiva de anúncios e o pagamento direto a repórteres são comuns, essa prática é até mesmo defendida por alguns dentro da profissão, com o argumento de que anúncios oficiais e gratificações pessoais são essenciais para proteger a renda da imprensa e o emprego de jornalistas.

Proprietários de meios de comunicação em alguns países também são limitados por suas relações comerciais com o Estado e, assim, são suscetíveis à capacidade deste último de persuadir ou punir. No pior de tais casos, a vulnerabilidade à pressão estatal ocorre quando uma empresa de mídia possui outros negócios cuja prosperidade depende de propostas de obras públicas ou licenças governamentais.

Na Turquia, durante os protestos na Praça Taksim e no Parque Gezi, em maio e junho de 2013, as principais organizações jornalísticas privadas agiram como representantes dos censores do Estado de diversas formas, incluindo abstendo-se de cobrir os acontecimentos, estigmatizando os manifestantes e adotando a linha do governo. Para o contínuo entretenimento de muitos, o canal de televisão CNN Türk exibiu um documentário sobre pinguins, em vez de cobrir as manifestações, transformando os pinguins em um símbolo nacional de autocensura.

“Eles agiram de maneira proativa, sem esperar por memorandos vindos do Estado para censurar seus jornalistas”, disse Aidan White, fundador da Iniciativa por um Jornalismo Ético e ex-secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas.

“Os jornalistas do país estão escravizados em redações dirigidas por proprietários de mídia gananciosos e impiedosos, cujos interesses econômicos os tornam submissos ao primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan”, escreveu Yavuz Baydar, principal colunista turco que foi demitido em julho de 2013 de seu cargo de ombudsman do jornal diário Sabah depois de escrever artigos críticos à forma como o governo lidou com os movimentos da Praça Taksim/Parque Gezi. “Críticas diretas a políticas governamentais sobre os curdos, Síria ou corrupção levaram muitos colunistas a serem demitidos ou ‘boicotados’. O alcance do debate democrático e a difusão de opinião estreitaram-se severamente”, ele escreveu.

Os riscos são altos. O histórico de ataques contra a imprensa nos mostra que jornalistas como Guillermo Cano, diretor do El Espectador, na Colômbia, Anna Politkovskaya, no Novaya Gazeta, na Rússia, e Hrant Dink, editor do Agos, na Turquia, foram mortos porque a visão ética de seu trabalho os levou a confrontar grupos criminosos ou elites corruptas no poder. “Jornalistas que são comprometidos com seu trabalho são mortos justamente porque se recusam a ser corrompidos e a se submeter a gangues criminosas”, um importante editor mexicano, que pediu para não ser identificado por causa dos riscos de segurança, disse ao CPJ.

Além disso, o jornalismo antiético pode também desencadear ataques contra a imprensa ao abrir espaço para processos de difamação debilitantes ou mesmo violência, conforme grupos políticos radicais ou organizações criminosas retaliam jornalistas que publicam acusações infundadas ou tomam partido. “Eu acredito firmemente que a melhor medida de segurança que um jornalista pode tomar é ser honesto, objetivo, eticamente responsável e realmente independente”, um jornalista latino-americano declarou aos autores de “Matar o mensageiro”, um relatório de 2007 do Instituto Internacional de Segurança da Imprensa.

Jornalistas antiéticos também enfraquecem a solidariedade e, assim, contribuem com o ciclo de violência e impunidade. “Como alguns jornalistas assassinados são associados a organizações criminosas, as gangues e mesmo a polícia podem mais facilmente rejeitar nossas denúncias e obscurecer sua própria responsabilidade nesses ataques contra a imprensa”, o editor mexicano disse ao CPJ. “E a profissão parece desconfortável e dividida sobre como responder.”

Da mesma forma, as violações éticas minam o apoio público à imprensa e oferecem uma oportunidade, mesmo em democracias estabelecidas, para que os governos adotem regulações legais mais duras. Em países como Venezuela e Rússia, quando a imprensa ficou sob pressão do Estado, o público não se comoveu, como se todos os jornalistas fossem identificados com seus colegas antiéticos.

O escândalo envolvendo o News of the World – a invasão a caixas postais de celebridades e cidadãos comuns pelo tabloide dominical britânico – é um dos exemplos mais claros do impacto negativo do jornalismo rufião sobre a liberdade da imprensa em uma democracia.

O escândalo abalou a cena da imprensa britânica desde que foi exposto, em 2010. Levou a um inquérito público e a um clamor popular tal que os políticos se sentiram obrigados a agir – ou pelo menos a parecer agir – contra barões da imprensa que muitos deles, até então, temiam muito e cortejavam assiduamente. Ao fazê-lo, eles assumiram o risco de adotar regulações injustificadas e precipitadas que podem endurecer a liberdade de imprensa sob a justificativa de punir um crime.

A ligação entre erros reais ou supostos de jornalistas e a reação exagerada do Estado é evidente. “Na África do Sul, a ANC introduziu em 2010 – mas não conseguiu executar – um projeto voltado para a instalação de um Tribunal de Apelações da Mídia que reduziria o poder do [autorregulatório] Conselho de Imprensa, argumentando que o sistema de ouvidoria era caro e ineficaz para corrigir as falhas dos jornalistas”, Frère, a pesquisadora da Universidade de Bruxelas, disse ao CPJ.

A África do Sul não é o único país onde jornalistas têm adotado códigos de imprensa ou criado conselhos de imprensa para precaver-se da regulação governamental. A Comissão para Queixas contra a Imprensa na Grã-Bretanha foi instalada em 1991 por um comitê de editores para evitar a criação de um conselho estatutário, de acordo com o grupo pela livre expressão Artigo 19, com sede no Reino Unido. Da mesma forma, a criação de um Conseil de déontologie journalistique, ou conselho de ética jornalística, na Bélgica, em 2009, veio na esteira da pressão dos partidos políticos à ação depois que alguns meios de comunicação belgas foram acusados de passar dos limites na cobertura de uma série de raptos de crianças e casos de pedofilia.

A tensão entre liberdade de imprensa e ética significa “equilibrar direitos e deveres”, disse o acadêmico e autor belga Benoît Grevisse ao CPJ. Esse exercício depende em grande parte da doutrina do jornalismo a que se adere. A escola do jornalismo de interesse público tornou a adesão à ética um elemento fundamental do exercício de liberdade de imprensa. Toda a imprensa de qualidade considera o respeito a elevados padrões como uma alavanca, e não como um impedimento à liberdade de imprensa. “Uma sociedade democrática precisa de uma imprensa genuinamente livre, independente e responsável para investigar a fundo e, em seguida, investigar ainda mais fundo”, Carl Bernstein, do episódio de Watergate, escreveu na Newsweek em 2011, em um ensaio sobre o escândalo de invasão do News of the World.

Alguns autores vão mais longe. Stephen A. Ward, diretor do Centro para a Ética Jornalística da Universidade de Wisconsin argumentou em seu livro de 2011, Ética e a imprensa, que o papel de uma imprensa livre e do jornalismo “vai além de simplesmente exercer sua liberdade de publicar em direção a uma preocupação ética de como isso facilita o discurso público em uma sociedade pluralista”. White, da Iniciativa por um Jornalismo Ético, disse ao CPJ: “O jornalismo tem uma finalidade pública, que é fornecer, da maneira mais honesta e independente possível, inteligência precisa e confiável para as comunidades a que serve”.

Esse jornalismo orientado ao cívico, porém, é apenas uma de diversas formas legítimas que refletem diferentes critérios e missões, como um jornalismo comercialmente motivado ou “libertário”. E, goste ou não, o mau jornalismo também é jornalismo. Métodos antiéticos – que não devem ser confundidos com atos criminosos, como escutas telefônicas – são inevitavelmente parte de uma cena da imprensa vibrante e turbulenta. Muitos se preocupam que as tentativas de eliminá-los completamente por meio de regulação e sanções implicariam riscos indevidos a todos na imprensa.

Em seu livro La Civilización del Espectáculo, publicado em 2012, Mario Vargas Llosa, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, reconheceu que “o jornalismo orientado ao escândalo é o enteado perverso da cultura de liberdade. Você não pode suprimi-lo sem um golpe mortal à liberdade de expressão”.

Um dos mais fortes defensores do jornalismo socialmente responsável, a Comissão Hutchins sobre a Liberdade de Imprensa, concorda. Em seu relatório de referência, “Uma imprensa livre e responsável”, publicado em 1947, dizia: “A tentativa de corrigir abusos de liberdade, incluindo a liberdade de imprensa, recorrendo a penalidades e controles legais é o primeiro impulso espontâneo de reforma. Mas os perigos da cura devem ser pesados diante dos perigos da doença; cada definição de um abuso convida ao abuso da definição. Assim, a expressão pública mentirosa, venal e infame deve continuar a encontrar abrigo sob uma ‘liberdade de imprensa’ construída para fins muito diferentes. Há uma presunção prática contra o uso de ações legais para coibir o abuso da imprensa”.

A autorregulação tornou-se um mantra no interior de muitas associações de jornalistas. Elas a veem como um instrumento essencial para defender a liberdade de expressão, ao mesmo tempo impedindo a interferência do Estado. No entanto, mesmo que muitos países democráticos, especialmente na Europa Ocidental, tenham estabelecido conselhos de imprensa e adotado códigos de ética que não são vistos como enrijecendo a imprensa, a suspeita permanece de que esses sistemas de responsabilização da imprensa podem eliminar a audácia que a verdadeira liberdade de imprensa permite. Para os céticos, a chamada para ser responsável, para limitar o dano, corre o risco de ser interpretada de formas que podem – ostensivamente para o bem do país e a paz da comunidade – dissuadir jornalistas e editores de trabalhar em histórias sensíveis relacionadas à segurança nacional, relações raciais ou tensões religiosas.

“Suponha que, em 1971, algum código de ética, oficial ou não, tivesse persuadido Arthur Sulzberger a não publicar os secretos Papéis do Pentágono. É duvidoso que qualquer código o teria instado a publicar os supostos segredos do governo”, Tom Wicker, ex-editor associado do New York Times, escreveu em seu livro, On the Record: An Insider’s Guide to Journalism (Para registro público: um guia sobre jornalismo de um informante). “Não há substituto para a integridade, senso de honra e desejo de ser responsável de um jornalista. Um código de ética específico é um substituto pobre para qualquer um desses atributos. Códigos recomendam cautela, limitam escolhas e invocam a sabedoria convencional. Eles não costumam incentivar a coragem, a tomada de riscos e o desafio ao status quo.”

Para alguns, o jornalismo é uma profissão de piratas. Em seu livro de 2007, Freedom for the Thought We Hate: A Biography of the First Amendment (Liberdade para o pensamento que odiamos: uma biografia da primeira emenda), Anthony Lewis citou a fala do colunista do London Times, Bernard Levin: “A imprensa não tem dever nenhum de ser responsável, e será um triste dia para a liberdade se ela adquirir tal dever. Nós somos e devemos permanecer vagabundos e foras da lei, porque apenas continuando sendo é que seremos capazes de manter a fé a partir da qual vivemos, que é a busca do conhecimento que outros gostariam que não fosse buscado e a realização de comentários que outros prefeririam que não fossem feitos”.

Ainda assim, mesmo que a polícia da virtude possa ser mais perigosa para uma sociedade livre que repórteres à solta, os partidários da liberdade de imprensa não podem lavar suas mãos e seguir em frente. Em muitos casos, como vimos nos exemplos acima, uma cultura generalizada de falhas éticas genuinamente compromete o jornalismo e ameaça a independência da imprensa. “Déspotas amam ver uma imprensa livre se comportando mal”, escreveu o ex-editor-executivo do New York Times, Bill Keller, na sequência do escândalo envolvendo o News of the World. “Mais ainda, eles amam ver um governo livre reagindo mal”.

Não há forma de fugir da discussão. “Estamos tão empenhados na defesa dos jornalistas, que algumas vezes ficamos acanhados em revelar e expor o lado obscuro do nosso ofício”, Rosental Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas, disse em uma entrevista a Bill Ristow, publicada pelo Centro Internacional pela Assistência à Mídia, em 2010.

Grupos pela liberdade da imprensa devem retomar energicamente a bandeira da ética das mãos daqueles – déspotas e outros pseudomoralistas – que a sequestraram. “A ética deve ser preservada a fim de evitar a perigosa tendência de Estados autoritários de pedir mais controle”, disse Aidan White.

“A ética não impõe somente deveres e proibições”, Grevisse, o autor belga, disse ao CPJ. “Ela também inclui direitos, de maneira que os jornalistas possam assumir suas responsabilidades específicas em relação ao público.” A liberdade de imprensa, de fato, é muitas vezes uma pré-condição para a prática de um jornalismo ético. “A habilidade de reportar de forma ética possui uma característica essencial: a independência jornalística”, Peter Horrocks, diretor para notícias globais da BBC, disse em uma conferência africana, em agosto de 2013.

Lutar por padrões éticos elevados em nome da liberdade de imprensa é uma boa maneira de irritar os Robert Mugabes, Rafael Correas e Abdel Fattah el-Sisis do mundo e privá-los de um álibi fácil para desacreditar e silenciar o jornalismo crítico.



Assessor sênior do CPJ, Jean-Paul Marthoz é jornalista e escritor belga. É colunista de assuntos internacionais no Le Soir e professor de jornalismo na Université Catholique de Louvain.


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