Tribunal reafirma direito de criticar funcionários públicos

ARGENTINA:

Nova York, 1º de julho de 2008–O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) aplaude a decisão unânime da Corte Suprema argentina que reafirma que os funcionários públicos devem ser submetidos a um nível maior de escrutínio ao revogar uma sentença civil contra um jornal nacional que criticou um organismo do Estado. Em uma sentença que estabeleceu uma das mais amplas e claras proteções à liberdade de imprensa da história argentina, o tribunal aprovou a aplicação do princípio de “real malícia” para determinar a responsabilidade em casos de difamação que envolvam funcionários públicos.

Em uma decisão adotada em 24 de junho, o tribunal máximo de justiça da Argentina revogou uma sentença civil contra o diário La Nación por um editorial que criticou o Corpo Médico Forense do Poder Judiciário da Nação. Em primeira instância, a justiça havia ordenado que o La Nación pagasse 30 mil pesos (9.925 dólares norte-americanos) aos integrantes do corpo forense a título de reparação por danos morais.

O editorial de outubro de 1998 questionou o trabalho do corpo forense, que se encarrega de todas as perícias médicas que passam pela justiça nacional, e assinalou que o organismo era afetado por pressões políticas. O corpo forense sustentou que o jornal afetou o direito constitucional de seus integrantes à intimidade e à honra. O La Nación apresentou uma apelação à Corte em 2004.

“Felicitamos o tribunal por esta sentença, que implica mais um avanço nos direitos dos jornalistas de examinarem e criticarem a conduta de funcionários públicos”, disse Carlos Lauría, coordenador sênior do Programa das Américas do CPJ. “Funcionários públicos, em uma democracia como a Argentina, não devem estar protegidos do escrutínio e da crítica”.

Nesta sentença, o tribunal afirmou que em casos de “crítica ou dissidência” a funcionários públicos no exercício de sua função “não pode haver responsabilidade alguma, já que toda sociedade plural e diversa necessita do debate democrático”. A decisão do tribunal máximo afirmou que “no marco do debate sobre temas de interesse geral e, em especial, sobre o governo, toda expressão que possa ser classificada como opinião não dá lugar à responsabilidade civil ou penal a favor das pessoas que ocupam cargos no Estado”.  

A Corte também firmou o princípio da “real malícia” para determinar a responsabilidade em casos de danos à reputação ou à honra que envolvam funcionários públicos. O padrão da “real malícia” exige que a parte demandante prove que a informação ofensiva é falsa ou que o demandado tenha atuado com manifesta negligência na busca da verdade. O padrão da “real malícia” foi originalmente articulado pela Corte Suprema norte-americana no caso The New York Times Co. v. Sullivan, de1964.

“A investigação jornalística sobre os assuntos públicos desempenha um papel importante na transparência exigida por um sistema republicano”, sustentou o tribunal. “O excessivo rigor e a intolerância ao erro levariam à autocensura, o que privaria os cidadãos de informações imprescindíveis para tomarem decisões sobre seus representantes”.

O CPJ realizou uma campanha na região a favor de padrões que permitam um rigoroso escrutínio de funcionários públicos. A decisão complementa um número crescente de decisões legais internacionais no sentido de que os funcionários públicos estão sujeitos a uma maior fiscalização, e não devem gozar de maior proteção que o restante da sociedade. Em vários casos, sanções penais por difamação têm sido eliminadas ou diminuídas.

Em 1994, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu um importante princípio regional quando afirmou: “De fato, se forem consideradas as conseqüências das sanções penais e o efeito inevitavelmente inibidor que têm para a liberdade de expressão, a penalização de qualquer tipo de expressão só pode ser aplicada em circunstâncias excepcionais nas quais exista uma ameaça evidente e direta de violência anárquica”.

Em agosto de 2004, a Corte Interamericana de Direitos Humanos anunciou uma sentença pela qual foi revogada a condenação, em 1999, do jornalista costarriquenho Maurício Herrera Ulloa, repórter do jornal La Nación, de San José, condenado por difamação. O tribunal determinou que a sentença violou o direito à liberdade de expressão e ordenou à Costa Rica o pagamento ao jornalista por danos e prejuízos. O presidente da Corte Interamericana, juiz Sergio García Ramírez, redigiu uma opinião em aparte na qual questionou as condenações penais por difamação e sugeriu que tais leis deveriam ser revogadas.

Em abril de 2006, o presidente do México, Felipe Calderón Hinojosa, promulgou uma lei que elimina definitivamente a injúria e a calúnia em nível federal, remetendo as demandas relativas a estas causas para a jurisdição civil. O México se uniu a El Salvador como os primeiros países na América Latina a eliminarem a difamação como delito penal.

E, em 2 de maio deste ano, a Corte Interamericana instou a Argentina a anular uma condenação penal por difamação contra um jornalista local e a reformar a legislação em matéria de calúnias e injúrias. 

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