A polícia isola a rua onde um policial foi morto a tiros em 2012. As alterações na forma como a força de segurança do Rio investiga assassinatos ajudou a resolver o caso de um jornalista assassinado em 2013. (AFP/Yasuyoshi Chiba)
A polícia isola a rua onde um policial foi morto a tiros em 2012. As alterações na forma como a força de segurança do Rio investiga assassinatos ajudou a resolver o caso de um jornalista assassinado em 2013. (AFP/Yasuyoshi Chiba)

Em meio à crescente violência no Brasil, condenações em assassinatos de jornalistas são motivo de otimismo

Andrew Downie / Correspondente do CPJ no Brasil

Justiça atrasada é justiça negada, diz a máxima legal, e tem sido muitas vezes o caso na América Latina. Mas a perseverança dos advogados e promotores no Brasil resultou em uma série de recentes condenações em casos que muitos pensavam que haviam sido enterrados ou esquecidos.

A polícia do Rio de Janeiro prendeu quatro pessoas em novembro, em relação ao assassinato de José Roberto Ornelas de Lemos, diretor administrativo do jornal Hora H, em 2013. No ano passado, em Minas Gerais, juízes condenaram Alessandro Neves Augusto pelos assassinatos, em 2013, de um jornalista e um fotógrafo freelance que trabalhavam em conjunto cobrindo casos em que policiais eram suspeitos de envolvimento em assassinatos em e ao redor da cidade de Coronel Fabriciano. E o assassino do jornalista político e blogueiro Décio Sá foi condenado a 25 anos de prisão em 2014, dois anos após o assassinato no estado empobrecido do Maranhão. Seu cúmplice foi condenado a 18 anos e três meses por transportar o atirador de e para a cena do crime.

A resolução total ou parcial desses e de outros casos muito tempo depois que aconteceram é uma boa notícia para uma região com um recorde sombrio sobre a impunidade. O Brasil ocupa o décimo primeiro lugar no Índice de Impunidade do CPJ, que acompanha países onde jornalistas são assassinados e seus homicidas ficam em liberdade. E, de acordo com a pesquisa do CPJ, o Brasil foi o terceiro país mais perigoso do mundo no ano passado para os jornalistas, atrás da Síria e da França, com seis jornalistas assassinados em represália direta por seu trabalho.

Enquanto outras nações latino-americanas fizeram pouco progresso na luta contra a impunidade, as condenações no Brasil são motivo de otimismo, dizem juristas, defensores de direitos humanos e defensores do jornalismo”. O gabinete do relator especial registou avanços em vários casos envolvendo os assassinatos de jornalistas que passaram impunes no Brasil durante os últimos anos”, disse Edison Lanza, relator especial para a liberdade de expressão na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A perseverança dos policiais e promotores públicos reflete uma crescente confiança nas instituições legais do Brasil. O país está no meio de uma guerra de alto nível sobre a impunidade com juízes e promotores mirando grandes nomes suspeitos de envolvimento em uma série de escândalos de corrupção. E assim como os promotores federais estão com políticos de alto escalão e empresário multimilionários, que anteriormente eram intocáveis, na mira, autoridades estaduais e locais se recusam a deixar passar casos envolvendo o assassinato de jornalistas. Os motivos variam de caso para caso e de estado para estado, os defensores do jornalismo, os promotores e a polícia disseram ao CPJ.

A mobilização de uma força-tarefa federal em Minas Gerais foi crucial para ajudar a condenar Neves Augusto, disse Maria José Braga, vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas e pesquisadora e coautora do relatório de janeiro da federação, “A Violência contra Jornalistas e a Liberdade de Imprensa no Brasil“.

Neves Augusto foi condenado em junho do ano passado a 16 anos de prisão por ter assassinado o jornalista Rodrigo Neto. O CPJ divulgou um comunicado na época saudando a condenação. Dois meses mais tarde, ele foi condenado a mais 14 anos e três meses de prisão pelo assassinato do colega de Neto Walney Assis de Carvalho, fotógrafo freelance, de acordo com reportagens.

A federação quer que o assassinato de jornalistas seja classificado como um crime federal para que os casos sejam investigados por policiais federais que estão mais bem preparados e equipados. Braga disse que o envolvimento federal em resolver esse caso justifica a solicitação.

“A impunidade é um problema e, embora alguns nunca tenham sido resolvidos, estamos vendo avanços”, disse Braga ao CPJ por telefone de seu escritório na capital, Brasília. “Eu acho que a pressão de outros jornalistas e associações de jornalismo também é importante e tem tornado as  autoridades mais conscientes”.

No Rio de Janeiro, uma reestruturação do departamento de polícia foi crucial para ajudar detetives a resolver o caso Ornelas de Lemos. O diretor administrativo de 47 anos de idade do Hora H foi baleado pelo menos 41 vezes em um subúrbio do Rio de Janeiro em junho de 2013, segundo a polícia. O jornal cobriu a propagação das milícias supostamente lideradas por policiais corruptos no subúrbio do Rio de Nova Iguaçu, e um colega na época disse às autoridades que ele recebeu inúmeras ameaças de morte pelas reportagens do jornal.

Em novembro de 2015, a polícia prendeu seis pessoas acusadas de dirigir uma milícia na área, e Fabio Cardoso, o delegado responsável pela investigação, disse ao CPJ que quatro delas estavam diretamente envolvidas no assassinato de Ornelas de Lemos.

As prisões foram o resultado de uma nova divisão de homicídios criada em 2010 para investigar assassinatos na cidade. Até então, os homicídios eram abordados pela delegacia de polícia mais próxima ao incidente, disse ao CPJ o chefe da divisão, Rivaldo Barbosa.

Anteriormente, o chefe da delegacia local chegava à cena do crime com dois ou três oficiais e, se precisasse de ajuda, chamava pessoal adicional, talvez mais oficiais, um médico ou um especialista forense. Às vezes, eles vinham de outras partes da cidade e chegavam lá horas mais tarde, às vezes sequer chegavam, disse Barbosa. Quando eles terminavam, voltaram para suas próprias delegacias, raramente falavam e compartilhavam informações sobre o caso, acrescentou.

Sob a nova divisão, quando recebe uma chamada, 15 policiais, incluindo alguns à paisana e carros sem identificação, correm para a cena. A força-tarefa inclui um médico, um especialista forense e um perito em impressões digitais. Quando voltam para a delegacia eles discutem o caso, tanto imediatamente como nos dias seguintes. “É uma nova dinâmica, formal e rápida”, disse Barbosa, em entrevista na sede a divisão. “Antes, nós não falávamos uns com os outros. Agora nós somos uma equipe”.

A nova estratégia tem aumentado significativamente a sua taxa de crimes resolvidos, disse Barbosa, e o sucesso tem levado outras autoridades a levá-los mais a sério e outros estados a estudar seus métodos. “Os tribunais e o Ministério Público podem ver que estamos fazendo um  trabalho melhor e que gerou credibilidade”, disse Barbosa. “Nós ganhamos a sua confiança”.

Se há uma desvantagem é a dificuldade contínua em condenar os autores intelectuais em casos de alta visibilidade, disse Roberta Brayner, promotora pública no estado nordestino de Pernambuco. A maioria dos funcionários eleitos no Brasil não pode ser investigada pela polícia, com todos os vereadores da cidade gozando de imunidade de investigação, ela disse ao CPJ. Um procurador-geral pode autorizar a polícia a investigar e supervisionar os seus inquéritos, mas “é difícil obter autorização”, disse Brayner.

A persistência do Ministério Público resultou na condenação em dezembro passado de quatro homens pelo assassinato em 2005 do veterano radialista José Cândido de Amorim Filho, mais conhecido como Jota Cândido. Cândido, que dedicava parte de seu programa na Rádio Alternativa para denunciar a corrupção local, também estava servindo seu segundo mandato como vereador na cidade de Carpina. Uma tentativa anterior contra a sua vida tinha sido feita em 21 de maio de 2005, de acordo com o jornal local Diario do Pernambuco.

Cândido era um crítico do então prefeito de Carpina, que tinha sido acusado de nepotismo. Cândido criticou a prática em seu programa e apresentou um projeto de lei que proibia funcionários públicos de contratar parentes dias antes de ser morto, informou a imprensa.

Quatro homens foram condenados em 17 de dezembro do ano passado pela morte de Cândido. O policial militar André Luiz de Carvalho foi condenado a 21 anos, e a seus colegas Edilson Soares Rodrigues e Tayrone César da Silva Pereira foram dados 19 anos, de acordo com a imprensa. Jorge José da Silva, que lhes emprestou sua motocicleta, foi condenado a 14 anos, acrescentaram as reportagens. Brayner disse ao CPJ que todos os quatro foram liberados, enquanto aguaqrdam a apelação.

Brayner disse que não há dúvida de que Cândido foi assassinado tanto por seu ativismo jornalístico como político. Ela disse que aos homens condenados haviam sido oferecidos acordos na tentativa de encontrar o autor intelectual, mas todos os quatro recusaram a oferta.

“Quando tento pensar em casos de alto perfil que foram resolvidos rapidamente eu penso em Tim Lopes, jornalista da TV Globo morto no Rio”, Brayner disse por telefone. “Não havia autoridades envolvidas, foram traficantes de drogas que o mataram. Agora imagine se um jornalista é morto investigando corrupção no gabinete do prefeito ou legislatura estadual, e envolve um prefeito ou um senador ou um governador. É muito difícil de investigar”.

Os defensores do jornalismo concordam que, embora o ritmo da mudança possa ser lento, está indo na direção certa e a resolução destes crimes recentes envia uma mensagem importante.

“Quando você resolve um crime devemos celebrar, pois é um avanço, especialmente em um país onde um em cada 10 crimes nunca são resolvidos”, disse Mauri König ganhador de 2012 do Prêmio Internacional à Liberdade de Imprensa do CPJ que tem enfrentado repetidas ameaças por suas reportagens. “O sistema de justiça no Brasil é lento e esta é uma pequena percentagem. É uma forma de mostrar a possíveis agressores que nem todos os crimes ficam impunes”.

[Informando do Rio de Janeiro]