Na única estação de rádio da remota cidade equatoriana de Baeza, Juan Carlos Tito, que apresenta um programa matinal, atualiza os ouvintes sobre o clima, as recentes quedas de energia e os reparos em uma ponte que atravessa um rio próximo. Nos últimos 24 anos, Tito, de 53 anos, tem sido a voz de confiança da Radio Selva, transmitindo notícias importantes da comunidade para essa cidade de 2.000 habitantes nas terras altas dos Andes.
Mas agora a voz de Tito é transmitida para Baeza do exterior.
Depois de investigar gangues de drogas em Baeza e arredores, o jornalista recebeu várias ameaças de morte no ano passado. Em outubro, ele, sua esposa e produtora, Elvira del Pilar Nole, e suas duas filhas colocaram as malas no banco de trás de um carro emprestado e fugiram de Baeza na calada da noite.
“Tínhamos certeza absoluta de que nas próximas 24 a 48 horas eles iriam nos atacar”, disse Nole. “Então, tivemos que fugir.”
Agora, o casal transmite seu programa matutino de duas horas, “Buenos Días, América”, da mesa da cozinha de seu pequeno apartamento em uma cidade latino-americana cheia de poluição e trânsito, cujo nome não quiseram mencionar por temor à sua segurança. Explicando por que ela e Tito continuam a transmitir do exterior, Nole, 42 anos, diz: “Somos como um cordão umbilical para Baeza, porque somos os únicos a fornecer notícias locais”.
Tito e Nole se juntaram a um êxodo crescente de jornalistas do país sul-americano. Um surto de violência relacionada às drogas levou a um aumento nas ameaças contra jornalistas, disse ao CPJ César Ricaurte, diretor do grupo de liberdade de imprensa Fundamedios, com sede em Quito. Ele afirmou que 16 membros da imprensa fugiram do Equador desde 2023, de acordo com os registros da Fundamedios.
“Isso se tornou corriqueiro devido ao crescimento do crime organizado”, disse Ricaurte em uma entrevista por telefone. “Qualquer reportagem que esses grupos pensem que prejudicará seus negócios leva a ameaças e ataques a jornalistas.”
Jornalistas equatorianos não são os(as) únicos(as) a fugir. Em todo o mundo, jornalistas têm fugido de ameaças diretas, guerras e regimes repressivos. Entre 2020 e 2023, o apoio do CPJ a jornalistas exilados aumentou 227%, com jornalistas do Afeganistão, Irã e Nicarágua constituindo a maior parte dos membros da mídia exilados a receber ajuda.
“Quando um(a) jornalista é forçado(a) ao exílio, o jornalismo sofre”, escreveu a diretora de emergências do CPJ, Lucy Westcott, no ano passado. “Muitos deixam de reportar quando se mudam, e os leitores, telespectadores e ouvintes são privados das informações de que precisam para tomar decisões embasadas sobre suas vidas.”
Um jornalista equatoriano de destaque que recentemente fez as malas foi José Luis Calderón, repórter e apresentador da TC Televisión, que foi mantido refém por homens mascarados armados quando ocuparam brevemente a estação de TV pública em Guayaquil em 9 de janeiro. Durante um noticiário ao vivo, os telespectadores assistiram Calderón, 48 anos, tentar argumentar com os invasores que apontaram armas para o jornalista, colocaram um bastão de dinamite no bolso de sua jaqueta e ameaçaram matar seus colegas se a polícia interviesse.
“Estava tentando acalmar os homens armados, pois estávamos todos em perigo”, disse Calderón ao CPJ, em uma entrevista por telefone. “Meus colegas de trabalho estavam implorando por suas vidas”.
Por fim, a polícia prendeu os pistoleiros, mas o episódio teve um impacto devastador sobre Calderón. Ele disse ao CPJ que ficou ansioso e paranoico, procurou ajuda psiquiátrica e foi diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático. Afirmando que a TC Televisión não podia garantir sua segurança, deixou o emprego e, em abril, partiu do Equador para os Estados Unidos, onde busca asilo político.
“Tive que sair porque estava muito mal”, disse Calderón. “Minha saúde mental estava em risco”.
Um relatório especial do CPJ publicado no ano passado constatou que a turbulência política combinada com o aumento do crime organizado no Equador colocou jornalistas em um risco muito maior, levando à autocensura entre repórteres que trabalham em áreas de alto risco e fazendo com que alguns(algumas) deixassem o país.
Na última década, as gangues de tráfico de drogas do país se tornaram cada vez mais violentas, transformando o Equador em um importante ponto de trânsito para a cocaína da vizinha Colômbia, de acordo com a Insight Crime. Entre 2019 e 2023, a taxa de homicídios aumentou em mais de 500%, de acordo com o Observatório Equatoriano do Crime Organizado, que é independente.
Após a tomada armada da TC Televisión em janeiro, o presidente Daniel Noboa, eleito no ano passado com base em uma plataforma de lei e ordem, declarou estado de “conflito armado interno” contra 22 gangues criminosas. Desde então, os assassinatos em geral diminuíram, mas as extorsões e os sequestros aumentaram e “a situação da segurança continua terrível”, de acordo com a Human Rights Watch.
As duas principais gangues do Equador, conhecidas como Los Choneros e Los Lobos, controlam muitas das prisões do país e trabalham em conjunto com cartéis colombianos e mexicanos, bem como com autoridades equatorianas corruptas. Promotores equatorianos afirmam que membros do Los Lobos planejaram o assassinato do candidato presidencial e ex-jornalista Fernando Villavicencio no ano passado, que havia prometido reprimir as gangues.
Jornalistas que fazem reportagens sobre gangues geralmente são os mais ameaçados, diz Karol Noroña, que escrevia para o site de notícias equatoriano GK. Seus problemas começaram quando ela começou a investigar como os líderes de gangues controlam as penitenciárias e administram negócios ilícitos atrás das grades. Depois que uma de suas fontes lhe disse que um líder de gangue estava ameaçando matá-la, Noroña fugiu do Equador em abril de 2022.
“As gangues perceberam que eu não estava do lado delas”, disse Noroña ao CPJ em uma entrevista por telefone. “É por isso que tive de me exilar.”
Ela tem dividido seu tempo entre Bogotá e Buenos Aires, mas diz que a vida no exílio é triste, deprimente e cara.
“A parte mais difícil é ser desenraizada”, disse ela. “Nunca quis deixar o país. Não poder trabalhar me tirou a coisa mais importante da minha vida.”
Noroña e outros jornalistas equatorianos que se exilaram disseram ao CPJ que receberam alguma ajuda de grupos independentes, como a Fundamedios. (O CPJ também concedeu assistência a jornalistas do Equador). Mas reclamam que as autoridades governamentais do Equador não demonstraram nenhum interesse em sua situação.
No ano passado, o governo do Equador criou um “mecanismo de proteção” composto por funcionários do governo, civis e trabalhadores da mídia independente para apoiar jornalistas em risco. Mas Ricardo Rivas, presidente do mecanismo, disse ao CPJ que o governo até agora se recusou a fornecer qualquer dinheiro, apesar de um pedido de orçamento de cerca de US$ 66.000 para proteger os trabalhadores da mídia.
“O governo fala sobre a importância da liberdade de expressão e do respeito à imprensa, mas na prática não está interessado”, disse Rivas, cujo irmão, o fotógrafo Paúl Rivas, foi sequestrado e morto por guerrilheiros colombianos em 2018.
Carlos Lauría, autor do relatório especial do CPJ sobre o Equador e atualmente diretor executivo da Sociedade Interamericana de Imprensa, disse que é imperativo que o governo do Equador financie o mecanismo de proteção. Em uma entrevista por telefone ao CPJ, ele acrescentou que o êxodo forçado de tantos jornalistas — bem como a autocensura dos(as) que permanecem no país — prejudicou gravemente a liberdade de imprensa no Equador.
“Esse é um grande golpe para os equatorianos que precisam ter acesso a informações vitais para debater os problemas do país e tomar decisões informadas”, disse Lauría ao CPJ.
Irene Vélez, secretária de comunicações do governo, não respondeu às mensagens de texto do CPJ solicitando comentários.
Quanto mais tempo jornalistas permanecem no exílio, mais difícil pode ser para seguirem exercendo a profissão, diz Ricaurte, da Fundamedios. Calderón, por exemplo, está morando em Miami, desempregado e se perguntando se algum dia voltará a encontrar trabalho como jornalista.
“Sinto-me mais tranquilo morando nos EUA”, diz ele. “Mas agora tenho que recomeçar minha carreira do zero.”
Para Tito e Nole, a equipe de marido e mulher que administra a Radio Selva do exílio, a estação os mantém ligados ao Equador e fazendo o trabalho que amam. É por isso que, de segunda a sexta-feira, eles se levantam ao amanhecer para coletar informações por meio de entrevistas telefônicas, grupos de bate-papo e mídias sociais para manter vivo seu programa matinal de notícias.
Um assunto que não cobrem mais é o tráfico de drogas. Na verdade, seus problemas começaram há dois anos, quando Tito, a pedido de moradores locais cujos filhos estavam ficando dependentes de cocaína, começou a investigar quem estava vendendo drogas em Baeza e arredores.
Logo depois, ladrões invadiram a casa de Tito e Nole em Baeza e roubaram seus laptops e telefones celulares. Um advogado que defende membros de gangues alertou que eles deveriam deixar Baeza. Para enfatizar a questão, um homem em uma motocicleta ameaçou Tito.
“Ele levantou a camisa e me mostrou sua arma”, disse Tito. “Ele me chamou de ‘sapo’ [um informante da polícia] e disse: “Se você continuar publicando essas coisas, verá o que vai acontecer.”
Quando a família, que inclui duas filhas de 13 e 8 anos, decidiu fugir, inicialmente se mudou para outra cidade no Equador em outubro passado. Mas, quando as ligações telefônicas ameaçadoras não pararam, deixaram o país em janeiro.
Poucas pessoas sabem de seu paradeiro. De fato, os moradores de Baeza e as autoridades municipais às vezes ficam perplexos quando Tito e Nole insistem em fazer entrevistas por telefone em vez de pessoalmente para seu programa de rádio. Mas eles preferem ser discretos sobre sua localização. Se as pessoas em Baeza descobrirem que os dois foram forçados a sair, talvez sintam muito medo de falar com eles, diz Nole.
Não se sabe ao certo por quanto tempo a família conseguirá manter a farsa. Eles terão que retornar ao Equador até o final do ano se quiserem renovar a licença do governo para operar a Radio Selva. Também é difícil conseguir publicidade quando não podem ir de porta em porta prospectar clientes.
Mas Tito e Nole reconhecem que é improvável que a segurança melhore no Equador tão cedo ou que as gangues de drogas em Baeza e arredores desapareçam. Enquanto isso, solicitaram asilo político no país onde estão hospedados e estudam propostas da agência de refugiados da ONU para se mudar para um país ainda mais distante do Equador.
No entanto, essa mudança significaria desligar a Radio Selva para sempre. E, se isso acontecer, disse Nole, “significa que os bandidos venceram”.