Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2022 – A assembleia legislativa do estado de Santa Catarina deve parar imediatamente sua investigação sobre os meios de comunicação investigativos online independentes The Intercept Brasil e Portal Catarinas e respeitar a confidencialidade das fontes jornalísticas, disse o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ).
Em 11 de outubro, a assembleia legislativa do estado de Santa Catarina realizou a primeira sessão de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que está investigando o The Intercept Brasil e o Portal Catarinas por sua reportagem conjunta, publicada em 20 de junho, sobre tentativas de membros do sistema de justiça do estado de impedir o acesso de uma sobrevivente de estupro de 11 anos a um aborto legal, de acordo com várias notícias veiculadas na imprensa, o site da assembleia legislativa do estado de Santa Catarina, e a solicitação dos membros da assembleia pela abertura da investigação.
Em 28 de junho, a deputada estadual Ana Campagnolo apresentou uma petição, subscrita por 21 membros da assembleia, pedindo por uma CPI que esclarecesse como os meios de comunicação tiveram acesso às informações vazadas citadas no artigo, incluindo um vídeo da audiência no qual uma promotora e uma juíza questionam a menina com então 10 anos de idade e repetidamente tentam convencê-la a não interromper a gravidez.
“A investigação da assembleia legislativa catarinense sobre o The Intercept Brasil e o Portal Catarinas flagrantemente tem como alvo os veículos de comunicação e jornalistas que corajosamente expuseram os maus-tratos do Estado contra uma criança sobrevivente de estupro que procurava ter acesso ao aborto legal. Esta é uma tentativa de intimidar a imprensa e ameaçar suas fontes”, disse Natalie Southwick, coordenadora do programa para a América Latina e Caribe do CPJ, em Nova York. “A assembleia legislativa do estado de Santa Catarina deve abandonar imediatamente esta investigação absurda e respeitar a liberdade de imprensa e a confidencialidade das fontes – direitos garantidos na Constituição brasileira”.
A petição de Campagnolo diz que a investigação examinaria o vazamento do vídeo para a imprensa e visa “apurar” como os jornalistas obtiveram acesso a “informações relevantes, sigilosas e gravíssimas”.
De acordo com o artigo 41 do regimento interno da assembleia legislativa do estado de Santa Catarina, uma CPI tem “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, incluindo a capacidade de intimação, e terá 120 dias para concluir a investigação, que pode ser prorrogada por mais 60 dias mediante solicitação.
O artigo 5º da Constituição Federal brasileira protege a “confidencialidade da fonte quando necessário para o exercício profissional”.
“Esta investigação é claramente uma tentativa dos políticos de criminalizar, intimidar e silenciar o jornalismo que revelou os chocantes abusos do sistema de justiça do estado de Santa Catarina contra uma inocente garota de 11 anos”, disse Andrew Fishman, presidente do The Intercept Brasil, ao CPJ via aplicativo de mensagens. “O Intercept e o Portal Catarinas realizaram um serviço público com suas reportagens e não cometeram crimes”.
O artigo de 20 de junho do Portal Catarinas e do The Intercept Brasil revelou que foi negado à criança o acesso ao aborto legal quando sua mãe a levou para um hospital em Santa Catarina. Então, um tribunal estadual ordenou que ela fosse retirada de sua família e mantida em um abrigo por mais de um mês.
O artigo 124 do Código Penal brasileiro pune o aborto, exceto em casos de estupro ou quando não há outra forma de salvar a vida da gestante.
Em resposta à reportagem, o Presidente Jair Bolsonaro e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pediram abertamente uma investigação sobre os meios de comunicação, de acordo com as informações da imprensa. Em 19 de julho, a assembleia legislativa do estado de Santa Catarina autorizou a abertura da investigação, de acordo com reportagens e o site da assembleia.
Em 5 de outubro, o CPJ e outros 15 grupos de liberdade de imprensa e direitos das mulheres enviaram uma carta ao Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos expressando preocupação com os riscos que a investigação parlamentar representa para a liberdade de imprensa e o sigilo das fontes.
O CPJ enviou um e-mail para Ana Campagnolo e telefonou para seu gabinete na assembleia legislativa estadual, mas não recebeu uma resposta imediata. O CPJ também enviou um e-mail ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, mas não teve retorno.
Como o CPJ já documentou anteriormente, os veículos de comunicação que informam sobre direitos das mulheres e aborto no Brasil enfrentaram queixas criminais, ataques DDoS, e assédio judicial.