Nova Iorque, 7 de junho de 2022 – O Presidente moçambicano Filipe Nyusi não deve assinar alterações à legislação de combate ao terrorismo do país e, em vez disso, deve pedir ao parlamento que altere uma cláusula de carácter geral que pode criminalizar a informação sobre a insurreição no norte de Moçambique, disse na terça-feira o Comité para Proteção de Jornalistas (CPJ).
A 3 de junho, o projeto de lei das emendas foi enviado a Nyusi para aprovação, disse ao CPJ António Boene, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional através de um aplicativo de mensagens.
O projeto de lei, que foi aprovado pelo parlamento a 19 de maio, procura alterar a lei moçambicana de combate ao terrorismo de 2018, incluindo uma cláusula demasiado ampla que penaliza qualquer pessoa que reproduza publicamente falsas declarações relacionadas com atos terroristas com uma pena de prisão entre dois e oito anos, de acordo com notícias da imprensa e uma declaração do capítulo de Moçambique do Instituto dos Meios de Comunicação Social da África Austral (MISA).
“A reprodução de declarações é, afinal, uma das marcas do jornalismo”, disse o Misa-Moçambique na declaração.
O governo argumentou que as alterações são necessárias para reforçar o quadro legal da luta contra o terrorismo devido a uma insurgência e ataques terroristas em curso na província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, de acordo com uma reportagem da agência noticiosa estatal moçambicana (AIM) e um documento governamental, revisto pelo CPJ, que foi introduzido na Assembleia Nacional em março de 2022.
“O Presidente moçambicano Filipe Nyusi não deve assinar o projeto de lei de emenda de combate ao terrorismo, mas deve em vez devolvê-lo à Assembleia Nacional para corrigir seus defeitos e assegurar que as reportagens sobre a insurgência em Cabo Delgado não sejam criminalizadas ou censuradas”, disse Angela Quintal, coordenadora do programa para a África do CPJ. “Os membros do parlamento já diluíram outras cláusulas controversas no projeto de lei, mas o presidente deve garantir que vão mais longe para proteger a liberdade dos media e o direito do público à informação, em vez de tentar controlar a narrativa na luta contra o terrorismo em curso em Moçambique”.
A 18 de maio, a Assembleia Nacional aprovou na generalidade o projeto de emenda da lei de combate ao terrorismo, que incluía uma cláusula controversa que declarava que qualquer pessoa que intencionalmente divulgasse informações sobre um ato terrorista, que soubesse ser informação falsa, podia ser punida com uma pena de prisão de oito a 12 anos, de acordo com reportagens dos media e a revisão do projeto de lei pelo CPJ.
O projeto de lei também incluía penas de prisão entre 12 e 16 anos para qualquer pessoa que publicasse “informações classificadas” sobre terrorismo, de acordo com o noticiado pela AIM e o projeto de legislação, revisto pelo CPJ.
Numa declaração de 17 de maio, antes da votação na generalidade do projeto de lei, o MISA-Moçambique exortou o parlamento a alterar essas cláusulas, dizendo que ameaçavam a liberdade de imprensa. A declaração afirmava que a criminalização da publicação de informações classificadas punia os jornalistas e cidadãos comuns, em vez dos funcionários que não cumpriam o seu dever de salvaguardar os segredos de Estado. A organização também se opôs à cláusula de informação falsa, argumentando que a redação era ambígua e tinha o potencial de ser aplicada arbitrariamente.
Na votação do projeto de lei na especialidade, a 19 de maio, a Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional diluiu essas duas cláusulas, criminalizando a divulgação de informações classificadas apenas por funcionários públicos, em vez dos cidadãos em geral. Também baixou a pena de prisão para entre dois a oito anos por violação da cláusula de informação falsa, de acordo com o reporte da AIM.
Boene disse que estas emendas foram aprovadas e que o projeto de lei foi enviado ao presidente no dia 3 de junho para promulgação.
Ernesto Saúl, oficial de programas do MISA-Moçambique, disse ao CPJ por aplicativo de mensagens que, apesar dos esforços do parlamento para alterar algumas das cláusulas, a proposta de lei ainda poderia comprometer a prática do jornalismo, particularmente através da punição de qualquer pessoa que reproduza publicamente declarações sobre atos de terrorismo.
“Basta lembrar que o governo negou atos terroristas em Cabo Delgado durante meses após as primeiras reportagens e muitos jornalistas foram, na época, acusados de espalharem noticias falsas, pelo que o governo pode muito bem usar esta lei para silenciar completamente a cobertura”, disse Saúl.
Além disso, os jornalistas podem publicar notícias sobre planos de ataques iminentes que poderiam facilmente ser consideradas falsas notícias pelo governo, disse Saúl.
Adriano Nuvunga, diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento, um grupo local de direitos humanos, disse ao CPJ, através de um aplicativo de mensagens, que o projeto de lei visava encerrar o espaço cívico e pretendia punir e ameaçar qualquer pessoa que discutisse o terrorismo. “Limita o âmbito de trabalho da sociedade civil e dos jornalistas, uma tendência do governo que já era visível e constitui um grave revés para os ganhos em matéria de direitos humanos pelos quais os moçambicanos tinham lutado”, disse ele.
Emília Moiane, diretora do gabinete de informação do governo moçambicano, disse ao CPJ por telefone que não acreditava que a lei proposta violasse o direito à liberdade de imprensa, pois um dos princípios do jornalismo era publicar apenas a verdade.
“Acreditamos que os jornalistas seguem este princípio. O terrorismo não é um assunto sobre o qual se fala sem ter certeza”, disse Moiane, que não soube informar quando é que se esperava que o presidente promulgasse o projeto de lei.