A jornalista brasileira Patrícia Campos Mello processou o filho do presidente Bolsonaro por danos morais – e ganhou

Patrícia Campos Mello fala no palco do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa 2019 do CPJ em 21 de novembro de 2019 na cidade de Nova York. (Getty Images / AFP / Dia Dipasupil)

Por Renata Neder / correspondente do CPJ no Brasil

Em maio do ano passado, Eduardo Bolsonaro, deputado federal brasileiro e filho do presidente Jair Bolsonaro, fez uma série de acusações acirradas contra a jornalista Patrícia Campos Mello no canal do YouTube da empresa de mídia de extrema direita Terça Livre.

Ele alegou que Campos Mello, repórter do jornal Folha de S.Paulo, tentou usar sexo para obter informações contundentes sobre seu pai e tentou interferir na eleição presidencial de 2018, de acordo com o vídeo que o CPJ revisou antes de o YouTube excluir o canal por violar suas políticas em um incidente não relacionado.

Em resposta, Campos Mello processou Eduardo Bolsonaro por danos morais na justiça civil – e venceu. Em 20 de janeiro, o juiz Luiz Gustavo Esteves, da 11ª Vara Cível do Estado de São Paulo, condenou o deputado a pagar a Campos Mello R$ 30 mil (US$ 5.500), segundo a imprensa.

Em sua decisão, que o CPJ analisou, o juiz Esteves escreveu que Bolsonaro deveria “ter maior cautela nas suas manifestações, o que se espera de todos aqueles com algum senso de responsabilidade para com a nação”, apontando para sua posição de filho do presidente e como eleito que conquistou um número recorde de votos em sua candidatura de 2018 à Câmara dos Deputados.

Até agora, a decisão não deteve Eduardo Bolsonaro, que repetiu as afirmações em uma edição de fevereiro do podcast brasileiro Flow, de acordo com informações da imprensa. Taís Gasparian, advogada de Campos Mello, disse ao CPJ por telefone que Bolsonaro pode apelar da decisão do tribunal.

Campos Mello, ganhadora do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do CPJ em 2019, disse anteriormente ao CPJ que o ambiente para os jornalistas piorou no governo do presidente Bolsonaro. Ela contou que tem enfrentado contínuas campanhas de assédio, incluindo mensagens on-line ameaçadoras e misóginas, insultos lançados na rua e ações judiciais por danos morais por causa de suas reportagens.

Campos Mello conversou com o CPJ por telefone sobre a importância da decisão do tribunal para os jornalistas e o ambiente de perseguições e ameaças à imprensa no Brasil. A entrevista foi editada em termos de duração e clareza.

O que esta decisão da justiça do dia 20 de janeiro significa para você e para outros jornalistas que enfrentam situações semelhantes no Brasil?

Essa decisão é uma boa sinalização para todos os jornalistas no Brasil. Temos números recordes de ataques a jornalistas no Brasil e, no geral, parece que ninguém é responsabilizado. Membros deste governo têm usado campanhas de difamação contra jornalistas, inclusive de cunho misógino, de forma muito frequente. Esta decisão é um primeiro bom sinal de que o judiciário vai reagir em relação a isso. 

As campanhas de difamação contra jornalistas são usadas como uma forma de intimidação para dissuadir jornalistas de publicarem uma reportagem investigativa. É bom ver o judiciário respondendo a uma dessas campanhas [difamatórias].  

Nesta decisão, em particular, foi importante que o juiz tenha expressado que não é aceitável que o filho do presidente difame uma jornalista. 

O que os jornalistas, especialmente as mulheres, podem fazer para se proteger em um contexto de assédio online? 

É importante lembrar que o assédio online não fica só no ambiente digital, ele transborda. Você passa a receber ameaças e ser hostilizado nas ruas. Muitas vezes, quem promove o assédio online diz que isso é uma piada, e que a gente não tem senso de humor. Mas o assédio online é usado para intimidar jornalistas e tem sido usado de forma sistemática. 

As plataformas de redes sociais estão avançando em relação à disseminação de desinformação. Mas em relação ao assédio online, não vimos um avanço significativo. Elas ainda não são capazes de impedir uma campanha de assédio   

Jornalistas devem buscar os diversos kits com orientações e protocolos sobre assédio online e segurança digital. Não devem responder as mensagens para não alimentar o ciclo. Se houver uma ameaça, tem que denunciar para a polícia. Se tem conteúdo ofensivo, podem buscar processar para pedir indenização por danos morais. É muito importante também separar a vida pessoal, porque eles [os que assediam] vão atrás da sua família também. Levem à justiça se for necessário.  

Quais são as dificuldades de exercer o jornalismo em um país em que o presidente e outros membros do governo frequentemente insultam jornalistas e descredibilizam o trabalho da imprensa?  

Uma novidade nesse governo é que eles transformam jornalistas em alvo e de uma forma agressiva. E essa agressividade com a imprensa depois é replicada pelas pessoas. Isso cria um ambiente que diz que está liberado atacar jornalistas. 

Principalmente com as redes sociais, eles criaram uma espécie de realidade alternativa em que a imprensa brasileira é tida como “fake news” e inimiga do povo. Existe um ambiente de hostilidade generalizada e de muita agressividade.  

Além da hostilidade com a imprensa, há uma prática hoje de dificultar o trabalho do jornalista, seja xingando nas redes sociais (que funciona como sinal verde para outros fazerem), seja negando informação ou sendo pouco transparente. Tudo isso ao mesmo tempo em que eles estão nessas campanhas de assédio online contra jornalistas.

Temos visto casos frequentes de diferentes formas de assédio judicial contra a imprensa, desde pedidos de remoção de conteúdo a abertura de investigações por parte da polícia, além de processos por difamação e pedidos de indenização por danos morais. Como essa tendência afeta o trabalho de jornalistas e veículos da imprensa no Brasil?  

Acho muito preocupante essa onda de ofensiva jurídica contra a imprensa. Até 2018, eu nunca tinha sido processada na vida e, de repente, parece que processar jornalistas virou um método de intimidação. 

São vários aspectos preocupantes. Às vezes o valor pedido por quem processa um jornalista é muito alto. Aqueles que processam jornalistas começaram a usar o termo “fake news” nos processos, mesmo que isso não esteja definido na nossa legislação. Vimos o Ministro da Justiça recentemente invocar a Lei de Segurança Nacional com a finalidade de silenciar críticos. Muitos jornalistas, principalmente os que são freelancer, não têm apoio jurídico. Os processos judiciais geram uma pressão econômica sobre jornalistas e sobre os veículos da imprensa. Em última instância, essa tendência de judicialização inibe o jornalismo investigativo.

[Nota do editor: o CPJ enviou um e-mail à 11ª Vara Cível de São Paulo, ao Deputado Eduardo Bolsonaro, e às assessorias de imprensa do Ministério da Justiça e da Presidência da República para comentários, mas não obteve resposta.]

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