Tribunal brasileiro ordena ao The Intercept Brasil e ND+ que modifiquem cobertura de processo judicial

Vista de um prédio de um tribunal em Porto Alegre, Brasil, em 27 de novembro de 2019. Um tribunal ordenou recentemente que The Intercept Brasil e ND+ alterassem trechos de notícias publicados. (Reuters / Diego Vara)

Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 2020 – O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) condenou hoje a decisão de um tribunal brasileiro que exige que dois veículos locais modifiquem suas reportagens em resposta a uma ação judicial.

Em 12 de dezembro, a juíza Cleni Serly Rauen Vieira, da 3ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, no estado de Santa Catarina, ordenou que os sites de notícias independentes The Intercept Brasil e ND+ [Notícias do Dia, em SC], e Schirlei Alves, jornalista freelance que contribuiu com os dois veículos, “retificassem” suas reportagens sobre um julgamento de caso de estupro, de acordo com as informações da imprensa e a decisão da juíza, que o CPJ revisou.

A decisão resultou de uma ação civil movida por Thiago Carriço de Oliveira, o promotor principal naquele julgamento, que alegou que as reportagens da jornalista em ambos os meios de comunicação prejudicaram sua imagem e honra, de acordo com uma cópia da petição de Oliveira ao tribunal, revisada pelo CPJ.

A decisão da juíza instruiu os veículos a acrescentarem linguagem específica às suas reportagens, fornecida por ela, e fixou multa diária de R$ 1.000 (US $ 190) para cada site de notícias e R$ 200 (US $ 38) para a própria Alves caso não cumprissem a ordem no prazo de 48 horas.

No despacho, a juíza afirma que se trata de uma decisão preliminar, pendente de uma investigação completa do caso.

O The Intercept Brasil emitiu um comunicado em 20 de dezembro informando que fez as alterações nas reportagens e em um vídeo, pois eram “obrigados a fazer as modificações para não tomarmos multa diária”. O ND+ também adicionou uma declaração no início de seu artigo, informando que ele foi editado após a decisão do tribunal.

“Os juízes não são editores e suas sentenças não devem interferir nas decisões editoriais ou no direito da imprensa de informar livremente”, disse Natalie Southwick, coordenadora do programa do CPJ para a América do Sul e Central, em Nova York. “Condenamos a decisão preliminar do tribunal de Santa Catarina neste caso que afeta The Intercept Brasil e ND+, que vai muito além de garantir o direito de resposta e pode abrir um terrível precedente.”

A petição de Oliveira, datada de 26 de novembro, buscava R$ 300 mil (US $ 58.100) em indenização por “danos morais” e a remoção de conteúdo que os veículos publicaram sobre o julgamento, de acordo com os documentos do requerimento apresentado.

O juiz Rudson Marcos, que supervisionou o julgamento do caso de estupro, também moveu uma ação civil contra Alves e ambos os sites noticiosos, pleiteando R$ 450 mil (US $ 87,2 mil) em danos morais e a remoção do mesmo conteúdo, de acordo com seus documentos de petição, que o CPJ revisou.

O escritório de advocacia Savoy & Garay está representando Marcos e Oliveira, conforme documentos judiciais analisados ​​pelo CPJ.

Oliveira respondeu ao pedido de comentários enviados por e-mail pelo CPJ informando que o contato com a imprensa se dá por meio da assessoria de comunicação, mas não especificou como fazê-lo.

Um e-mail enviado ao CPJ pela assessora de imprensa Ludmila Baldoni, da Savoy & Garay, afirmou que “a decisão em nada viola a liberdade de imprensa” e que “a imprensa também precisa ser imparcial e neutra”. O comunicado afirma que a decisão foi um lembrete de “que divulgar fake news e manipular conteúdo na imprensa, está longe de ser jornalismo”.

O representante da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Fabrício Severino, disse por e-mail ao CPJ que o referido processo está em segredo de justiça e que a juíza só se manifestará nos autos, exclusivamente. A Terceira Vara Cível não respondeu aos pedidos de comentários do CPJ por e-mail.

De acordo com o comunicado do Intercept Brasil, a decisão da juíza abriu um “precedente perigoso” e que Vieira não ouviu seus argumentos antes de exigir que o veículo fizesse alterações no texto.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse em nota que a decisão da juíza “não tem precedentes no Judiciário brasileiro e se configura como grave violação à liberdade de imprensa”.

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