China, Turquía, Arábia Saudita e Egito são os países que mais encarceram jornalistas no mundo

Foto de 5 de junho de 2019 mostra uma 'área de entrevistas'para jornalistas que estavam próximos à mesquita de Idkah em Kashgar, Xinjiang, na região noroeste do país, na manhã de Eid al-Fitr, quando muçulmanos ao redor do mundo comemoram o fim do Ramadã. A China foi o principal carcereiro de jornalistas do mundo em 2019, com pelo menos 48 na prisão. (AFP / Greg Baker)

Foto de 5 de junho de 2019 mostra uma 'área de entrevistas'para jornalistas que estavam próximos à mesquita de Idkah em Kashgar, Xinjiang, na região noroeste do país, na manhã de Eid al-Fitr, quando muçulmanos ao redor do mundo comemoram o fim do Ramadã. A China foi o principal carcereiro de jornalistas do mundo em 2019, com pelo menos 48 na prisão. (AFP / Greg Baker)

Pelo quarto ano consecutivo, pelo menos 250 jornalistas permanecem atrás das grades em todo o mundo enquanto líderes autoritários como Xi Jinping, Recep Tayyip Erdoğan, Mohammed bin Salman e Abdel Fattah el-Sisi não mostram sinais de afrouxar a pressão sobre os meios de comunicação críticos. Relatório especial do CPJ, por Elana Beiser

Publicado em 11 de dezembro de 2019

NOVA YORK

O número de jornalistas presos em âmbito global por seu trabalho em 2019 permaneceu próximo aos níveis recordes, com a China reforçando seu controle férreo sobre a imprensa e a Turquia, tendo eliminado praticamente todos os meios de comunicação independentes, liberando jornalistas que aguardam julgamento ou recurso. Autoritarismo, instabilidade e protestos no Oriente Médio levaram a um aumento no número de jornalistas atrás das grades na região – particularmente na Arábia Saudita, que agora equipara-se ao Egito como o terceiro pior carcereiro do mundo.

Em seu levantamento mundial anual, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas constatou que pelo menos 250 jornalistas estão na prisão pelo exercício de seu trabalho, em comparação com os 255 registrados no ano anterior. Desde que o CPJ começou a compilar esses dados, o maior número de jornalistas aprisionados em qualquer ano foi de 273, em 2016. Depois da China, Turquia, Arábia Saudita e Egito, os piores carcereiros são Eritreia, Vietnã e Irã.

Enquanto a maioria dos jornalistas presos em todo o mundo enfrenta acusações contra o Estado, seguindo a tendência dos últimos anos o número de incriminados por publicar “notícias falsas” subiu para 30, em comparação com 28 no ano passado. O uso da acusação, que o governo do presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi aplica de maneira muito ativa, cresceu muito desde 2012, quando o CPJ encontrou apenas um jornalista em todo o mundo enfrentando tal alegação. No ano passado, países repressivos, incluindo Rússia e Cingapura, promulgaram leis que criminalizam a publicação de “notícias falsas”.

A jornalista Nazli Ilicak é abraçada após sua libertação da prisão em Istambul em novembro de 2019, depois que, em um novo julgamento, o tribunal ordenou sua soltura imediata pelo tempo já cumprido. Dois de seus colegas continuam atrás das grades por acusações relacionadas a terrorismo, entre os 47 jornalistas aprisionados na Turquia. (Reuters / Huseyin Aldemir)

O censo deste ano marca a primeira vez, em quatro anos, que a Turquia não foi o pior carcereiro de jornalistas do mundo, mas a redução no número de prisioneiros não indica que a situação tenha melhorado para a mídia turca. Em vez disso, a diminuição para 47 jornalistas atrás das grades, em comparação aos 68 no ano passado, reflete os esforços bem-sucedidos do governo do presidente Recep Tayyip Erdoğan para acabar com reportagens e críticas independentes, fechando mais de 100 veículos de comunicação e imputando acusações relacionadas ao terrorismo contra seus funcionários. Com o setor debilitado pelo fechamento de meios informativos e o governo assumindo o controle de outros, além de dezenas de jornalistas no exílio, desempregados ou autocensurados, as autoridades em 24 de outubro promulgaram um pacote legislativo que dava novos recursos às condenações por certos crimes – incluindo “propaganda para organização terrorista”, uma das acusações favoritas dos promotores – e encurtou alguns períodos de prisão preventiva.

Dezenas de jornalistas que não estão encarcerados na Turquia ainda aguardam julgamento ou recurso e podem ser sentenciados à prisão, enquanto outros foram sentenciados à revelia e podem ser aprisionados se voltarem ao país. Tantas pessoas na Turquia – dezenas de milhares de militares, policiais, legisladores, juízes e promotores, além de jornalistas, segundo informações da imprensa – foram acusadas de crimes desde a tentativa frustrada de golpe em 2016 que o que resta do Poder Judiciário e dos órgãos encarregados de fazer cumprir a lei mal parece conseguir acompanhar os casos. Uma jornalista, Semiha Şahin, descreveu ao CPJ como foi libertada para detenção domiciliar pendente de julgamento, mas, como nunca foi equipada com um dispositivo de monitoramento eletrônico, ela é efetivamente livre, mas vive com medo de ser pega e retornar imediatamente à prisão.

Desde que o CPJ começou a copilar a cifra de jornalistas presos, no início dos anos 90, a Turquia disputou com a China o vergonhoso título de pior carcereiro do mundo. Em 2019, o CPJ constatou pelo menos 48 jornalistas atrás das grades na China, um a mais que em 2018; o número aumentou constantemente à medida que o presidente Xi Jinping consolidava o controle político do país e instituía controles cada vez mais rigorosos sobre os meios informativos. Em um caso recente, Sophia Huang Xueqin, uma freelancer que trabalhava anteriormente como repórter investigativa em veículos de comunicação chineses, foi presa em outubro logo depois de descrever em seu blog como era marchar com os manifestantes pró-democracia em Hong Kong. Ela é acusada de “escolher brigas e provocar problemas”, uma imputação antiestatal comumente utilizada contra críticos que o Partido Comunista Chinês, no poder, vê como uma ameaça.

Uma campanha repressiva na província de Xinjiang – onde um milhão de membros de grupos étnicos muçulmanos foram enviados para campos de concentração – levou ao encarceramento de dezenas de jornalistas, incluindo alguns que parecem ter sido presos por atividades jornalísticas anos antes. Dos quatro conectados à editora estatal Kashgar, que publicou livros e periódicos sobre tópicos como política e desenvolvimentos legais e demográficos, dois editores haviam se aposentado havia pelo menos uma década.

Os participantes sauditas da Iniciativa de Investimento Futuro [Future Investment Initiative] levantam-se para ouvir o hino nacional em frente a uma tela que exibe imagens do rei saudita Salman, à direita, e do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, em 28 de outubro de 2019, em Riad. Ao menos 26 jornalistas estavam encarcerados na Arábia Saudita no final de 2019. (AP Photo / Amr Nabil)

As autoridades da Arábia Saudita – onde o número de jornalistas presos aumentou constantemente desde 2011 – também atingiram vários comunicadores que aparentemente haviam deixado de trabalhar. Em 2019, o reino do Golfo estava mantendo pelo menos 26 jornalistas atrás das grades, tornando-o o terceiro pior carcereiro junto com o Egito. As autoridades sauditas mal fingem o devido processo; nenhuma acusação foi divulgada em 18 dos casos e aqueles julgados foram condenados de maneira secreta e, frequentemente, apressada. Há relatos generalizados de tortura; relatórios médicos vazados para o The Guardian na primavera, possui evidências detalhadas de autoridades espancando, queimando e deixando morrer de fome prisioneiros políticos, incluindo quatro jornalistas. As prisões e os abusos documentados mostram como o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que os serviços de inteligência dos EUA e uma investigação independente de um relator da ONU dizem ser responsável pelo assassinato em 2018 do colunista do Washington Post Jamal Khashoggi, continua sua brutal repressão aos dissidentes.

O abuso da violência também caracterizou pelo menos uma prisão recente no Egito. Em 12 de outubro, agentes de segurança à paisana em veículos não identificados obrigaram um carro que transportava a repórter e colunista Esraa Abdelfattah a sair da estrada na região metropolitana da grande Cairo, a arrastaram do carro e a espancaram, de acordo com seu amigo e colega jornalista Mohamed Salah, com quem estava viajando. Sob custódia, Abdelfattah alega que foi novamente espancada por se recusar a desbloquear o telefone e ficou presa por horas. Salah disse que os policiais que os abordaram no encontro inicial o vendaram e o espancaram, depois o levaram a uma estrada deserta, onde foi interrogado por uma hora, pegaram o cartão SIM de seu telefone e o abandonaram lá. As autoridades prenderam Salah seis semanas depois e ele permanece encarcerado.

No total, a cifra de jornalistas atrás das grades no país aumentou apenas um em relação ao ano passado, para 26, pois vários foram libertados durante o ano. Mas, em outra manifestação cruel do medo do Egito à cobertura crítica, as autoridades ordenaram que alguns prisioneiros libertados, como o fotógrafo Mahmoud Abou Zeid, conhecido como Shawkan, e o blogueiro Alaa Abdelfattah, se apresentassem todas as noites a uma delegacia. Embora esteja a critério dos agentes de plantão se eles devem permanecer ou apenas comparecer, Shawkan passou todas as noites em uma delegacia desde a sua libertação da prisão de Tora em 4 de março, de acordo com um parente, levando o CPJ a manter seu caso na listagem de jornalistas presos. Abdelfattah também passou todas as noites em celas por seis meses, segundo sua irmã, até que foi novamente encarcerado em 29 de setembro.

Várias das novas prisões efetuadas no Egito ocorreram antes dos protestos contra a corrupção no exército, marcado para 19 de setembro, que incluía pedidos de renúncia do Presidente el-Sisi. A maioria dos jornalistas atrás das grades no Egito foi agrupada em julgamentos em massa e acusada ​​de crimes relacionados a terrorismo e divulgação de notícias falsas.

O Irã, que também foi cenário de manifestações expressivos em 2019, aumentou o número de jornalistas na prisão para 11. O proeminente repórter econômico Mohammad Mosaed foi preso depois de tuitar, durante uma interrupção dos serviços da Internet que visava suprimir notícias sobre os protestos contra os altos preços do gás, “Hello Free World!” [“Alô, Mundo Livre!”] , utilizando “42 proxies diferentes” para permanecer on-line. Pelo menos três jornalistas também foram presos na Argélia em meio a manifestações pró-democracia.

A Rússia tinha sete jornalistas sob custódia, quatro deles em decorrência de seu trabalho na Crimeia ocupada, documentando a população minoritária tártara da região e os ataques russos contra ela.

Dos 39 jornalistas presos na África Subsaariana, a maior parte permanece na Eritreia, de onde não há notícias sobre a maioria deles há quase duas décadas; Camarões foi o segundo pior. Embora o número de jornalistas encarcerados naquela região permaneça estável em relação ao ano passado, o CPJ considera que a liberdade de expressão está retrocedendo em dois dos países mais populosos, Etiópia e Nigéria, o que não é um bom presságio para jornalistas.

O Vietnã continuou sendo o segundo pior carcereiro da Ásia, depois da China, com 12 comunicadores presos. Em todas as Américas, três jornalistas estão atrás das grades.

Outras apurações do censo anual do CPJ incluem:

• 98% dos jornalistas presos em todo o mundo são oriundos dos países que cobriam. Três dos quatro jornalistas com cidadania estrangeira estão encarcerados na Arábia Saudita e o quarto na China.

• De todos os jornalistas aprisionados, 20 são do sexo feminino, o equivalente a 8% em comparação aos 13% no ano passado.

• A política foi o tema com maior probabilidade de levar jornalistas à prisão, seguido por direitos humanos e corrupção.

• Mais da metade dos repórteres que estão atrás das grades publicava pela Internet.

Este ano, o CPJ converteu décadas de pesquisa sobre jornalistas presos em um banco de dados e revisou os números históricos para eliminar a duplicações; computar os casos a partir da data da prisão em vez da data em que o CPJ soube da ocorrência; e aplicar retroativamente a metodologia da maneira mais consistente possível. No futuro, o censo de cada ano provavelmente resultará em pequenos ajustes nos números dos anos anteriores, à medida que o CPJ souber de prisões, liberações ou mortes na prisão. Em 2019, surgiram notícias do falecimento de um jornalista que o CPJ listara entre os prisioneiros sírios, Ali Mahmoud Othman. Também neste ano, o CPJ encontrou seis novos casos de comunicadores presos antes de 2019 e descobriu que uma jornalista chinesa previamente listada havia sido aprisionada por sua poesia, e não pelo exercício informativo. Consequentemente, o CPJ ajustou o número de jornalistas encarcerados no ano passado para 255, dos 251 casos registrados em dezembro de 2018.

O censo inclui apenas os jornalistas sob custódia do governo e não abrange aqueles que desapareceram ou são mantidos em cativeiro por atores não estatais. (Esses casos – incluindo vários jornalistas aprisionados por rebeldes Houthi no Iêmen e o jornalista ucraniano Stanyslav Aseyev, detido por separatistas pró-russos no leste da Ucrânia – são classificados como “ausentes” ou “sequestrados”.)

O CPJ define jornalistas como pessoas que cobrem as notícias ou comentam assuntos públicos em qualquer mídia, incluindo impressa, fotográfica, rádio, televisão e pela Web. Em seu censo anual de jornalistas presos, o CPJ inclui somente os casos em que confirmou que o encarceramento teve relação com seu trabalho informativo.

O CPJ acredita que os jornalistas não devem ser presos por fazerem seu trabalho. No ano passado, o trabalho em defesa da liberdade de imprensa do CPJ ajudou a levar à liberação antecipada de pelo menos 80 jornalistas que permaneciam atrás das grades em todo o mundo.

A lista do CPJ é um instantâneo dos jornalistas encarcerados até 00:01 de 1º de dezembro de 2019. Não inclui os muitos jornalistas presos e libertados ao longo do ano; as informações sobre esses casos podem ser encontradas em https://cpj.org. Os jornalistas permanecem na lista do CPJ até que a organização determine com razoável segurança que eles foram libertados ou morreram sob custódia.

Elana Beiser é diretora editorial do Comitê para a Proteção dos Jornalistas. Anteriormente, trabalhou como editora da Dow Jones Newswires e do The Wall Street Journal em Nova York, Londres, Bruxelas Cingapura e Hong Kong.

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