Renata Machado, fundadora da Rádio Yandê, na foto com o logotipo da estação. A Rádio Yandê é um dos poucos veículos que conta as histórias dos povos indígenas do Brasil em seus próprios termos. (Alfredo Boc Boc)
Renata Machado, fundadora da Rádio Yandê, na foto com o logotipo da estação. A Rádio Yandê é um dos poucos veículos que conta as histórias dos povos indígenas do Brasil em seus próprios termos. (Alfredo Boc Boc)

Como os “comunicadores étnicos” do Brasil estão ajudando os povos indígenas a encontrar sua voz

Andrew Downie/Correspondente do CPJ no Brasil

As pessoas que dirigem a Rádio Yandê, um portal digital brasileiro dedicado às questões indígenas, têm muitas palavras para definir o que fazem, mas mesmo que o site tenha histórias, vídeo e áudio, nenhuma dessas definições inclui a palavra jornalista.

“O que fazemos é etno-comunicação”, disse Renata Machado, uma tupinambá que foi cofundadora do portal há cinco anos. “É comunicação com identidade, não jornalismo, mas comunicação em todos os sentidos. O jornalismo se impõe através de formatos, mas os povos indígenas têm suas próprias formas culturais de se comunicar”.

A relutância em se definir como jornalistas se deve, em parte, à cultura e, em parte, à semântica, bem como a uma lei controversa (não mais em vigor), que dispunha que apenas os que possuíam diploma de jornalismo poderiam se definir como jornalistas.

Mas também reflete a realidade de uma exclusão que é extrema mesmo em um país notório por sua desigualdade. O Brasil, país mais populoso da América Latina com 208 milhões de habitantes e aproximadamente um milhão de cidadãos indígenas, quase não possui jornalistas indígenas que trabalham nos principais meios de comunicação e pouquíssimas publicações ou sites dedicados exclusivamente a questões indígenas.

Essa exclusão não se restringe aos jornalistas indígenas; a maioria das minorias do Brasil está sub-representada nas redações tradicionais. No entanto, para pessoas que ainda sofrem de preconceito extremo e violência mais de 500 anos após o primeiro português tocar a terra do Brasil, a escassez de vozes indígenas – e, com isso, informações sobre política, segurança e outras questões cruciais – é um obstáculo adicional em uma vida já repleta de obstáculos intratáveis.

“A história dos povos indígenas no Brasil é diferente da de outros países da América Latina”, disse Ailton Krenak, um jornalista de 64 anos que foi um dos indígenas pioneiros quando escreveu um artigo para o conhecido jornal Folha de S.Paulo há 35 anos. “Não havia indígenas que pudessem ler ou escrever em português até os anos 1970 e 1980. Os índios estavam mais preocupados em não serem mortos. Nós nunca tivemos o direito de viver como pessoas normais, não importava o direito de ler ou escrever”.

A falta de indígenas no jornalismo brasileiro não é surpresa; a taxa de analfabetismo na comunidade indígena é de 23,3%, mais do que o dobro da cifra nacional de 9,6%, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), instituição beneficente administrada pela Igreja Católica que trabalha com comunidades em todo o Brasil desde 1972.

O tamanho e a complexidade do Brasil também são um fator, disse André Villas-Bôas, secretário-executivo do Instituto Socioambiental, uma ONG de direitos ambientais. Com cerca de um milhão de indígenas de 242 comunidades falando 160 idiomas, muitas vezes separados por milhares de quilômetros, eles raramente se comunicam entre si, independentemente do mundo externo, disse Villas-Bôas.

Ao contrário dos vizinhos da América do Sul, como Bolívia, Chile e Peru, os povos indígenas do Brasil não têm as mesmas redes ativas e há relativamente poucos deles em posições poderosas que estão trabalhando para mudar o status quo.

No jornalismo, como em quase todas as esferas da vida pública, os povos indígenas estão sub-representados ou nem estão representados.

“Não há publicações de notícias fortes porque, para isso, é preciso investir”, disse ao CPJ Daniela Alarcón, antropóloga e jornalista brasileira que estuda a comunidade Tupinambá em seu coração, no sul da Bahia. “Falta esse tipo de iniciativa.”

“Se você comparar o Brasil com o Chile, por exemplo, onde os indígenas estão indo para a universidade há muito tempo, então as coisas são muito diferentes aqui. Há pouquíssimos [indígenas] em cargos públicos no Brasil, em toda a nossa história tivemos apenas um deputado indígena eleito para o Congresso.”

No entanto, algumas organizações adotaram medidas experimentais para reivindicar presença online.

Um membro da Rádio Yandê fala com manifestantes enquanto seguram cápsulas de gás lacrimogêneo durante um protesto, em 2017. (Daiara Tukano)
Um membro da Rádio Yandê fala com manifestantes enquanto seguram cápsulas de gás lacrimogêneo durante um protesto, em 2017. (Daiara Tukano)

A Rádio Yandê é uma das poucas empresas que buscam contar as histórias dos povos e comunidades indígenas em seus próprios termos. Com o significado de “Nossa Rádio” no grupo de idiomas Tupi, a emissora de rádio e agregador baseada na Web foi fundada em 2013 e apresenta gravações de música indígena de todo o mundo, além de notícias sobre encontros regionais e simpósios de grupos indígenas no Brasil.

Outro é o Índios Online, um site de voluntários que apresenta histórias e ensaios fotográficos sobre eventos indígenas de todo o Brasil. O conteúdo de notícias, no entanto, é esporádico e localizado, com recursos recentes incluindo uma nota de um parágrafo sobre um protesto feito por um Kariri-Xocó sobre a situação do rio São Francisco, e notícias de uma assembleia do povo Pankararu no estado de Pernambuco.

Para ambos os sites, os contribuintes e o financiamento estão sempre em falta e grande parte do conteúdo é focado em questões indígenas globais, em vez de histórias que afetam as comunidades indígenas no Brasil.

A ausência de reportagem ou de contribuintes regulares é exacerbada pela falta de comunicação com comunidades remotas. Nem todos estão conectados à internet e alguns nem sequer são acessíveis através de telefones celulares, o que dificulta o compartilhamento de histórias, vídeos e arquivos de áudio, disse Machado.

“Para esses espaços ganharem projeção, eles querem imitar o mainstream”, disse Krenak ao CPJ. “Eles estão tentando encontrar maneiras de serem atraentes. Eu admiro o que estão fazendo e os apoio. Se não tivéssemos, então seria apenas o CIMI e a Funai (Fundação Nacional do Índio), e, por tudo de bom que fazem, não são as vozes dos povos indígenas, mas a voz da Igreja Católica e a do Estado. Eu ainda acho que levará muito tempo até que os indígenas se atualizem e façam o mesmo que os outros cidadãos ao tomar a iniciativa de escrever e publicar independentemente”.

Krenak declarou-se pessimista e disse que não acredita que os povos indígenas encontrariam uma voz significativa em breve. Outros, no entanto, disseram que apesar de suas preocupações serem subnotificadas, estão alcançando uma audiência maior do que nunca graças às tecnologias modernas.

“Houve avanços”, disse Mayra Wapixana, líder indígena no estado de Roraima, onde os conflitos por terra são comuns. “A rede de comunicação utilizada pelos povos indígenas está cada vez mais consolidada, cada vez mais ativa”.

“WhatsApp, Facebook, essas mídias estão sendo muito usadas”, acrescentou ela. “A tecnologia é muito presente, eles têm internet na comunidade, eles têm telefones celulares. O ponto de interrogação é sobre como usamos esses meios para a nossa causa, para que possam ser úteis”.