Reescrito por Chefões do Tráfico

Jornalistas mexicanos movem-se entre ameaças e censura por parte dos cartéis
Por Elisabeth Malkin

Adrián López Ortiz, diretor-geral do Grupo Noroeste, um grupo de mídia que detém o jornal Noroeste, na cidade de Culiacán, no noroeste do México, estava dirigindo para casa do aeroporto em abril de 2014 quando um veículo SUV o interceptou. Dois homens armados saíram e o agarraram, e ele achou que seria sequestrado. Mas eles tinham outros planos. Um deles foi embora no carro e o outro ficou para trás, chutou López e atirou nas suas duas pernas.

ÍNDICE

Attacks on the Press book cover

O que se seguiu foi uma variação do que se tornou o assunto de muitos ataques à mídia mexicana.

Dois rapazes foram temporariamente presos e acusados ​​de roubo de carro. O governador do estado de Sinaloa descreveu o crime como “má sorte” e felicitou as autoridades por seu rápido trabalho. Caso encerrado.

López não está convencido. “Não há nenhuma evidência para dizer que veio do governo,” disse. “Mas tenho informações para dizer que não foi um crime comum”. Para começar, ele disse: “O modus operandi não se encaixava”. Ele havia sido seguido do aeroporto e seu carro roubado foi recuperado em três horas. E ele foi baleado enquanto estava indefeso, quando já não representava uma ameaça para os assaltantes. Mais tarde, quando pediu para rever as filmagens de câmeras de segurança oficiais, as autoridades recusaram. “Há muitas incoerências”, disse ele.

A entrada para Noroeste está coberta de buracos de bala depois que homens armados abriram fogo no escritório regional do jornal na cidade de Mazatlán, no México, no dia 1º de setembro de 2010. (AP / Christiann Davis)

Em setembro de 2016, um juiz liberou um dos dois suspeitos, alegando provas insuficientes e violação do devido processo.

À agressão sofrida por López se seguiu uma série de ataques ao Noroeste, que há muito tempo tem reputação de independência em Sinaloa, o estado natal de alguns dos mais poderosos chefões de drogas do México.

Entre as agressões, as motocicletas que os jornaleiros usavam foram roubadas. Seus fotógrafos foram espancados pela polícia quando cobriam uma manifestação de apoiantes do rei da droga preso conhecido como “El Chapo”, ou Joaquín Guzmán Loera. Homens armados atacaram o hall do prédio do jornal e um grupo armado irrompeu na casa de seu diretor de vendas e roubou seus celulares e laptop.

As ameaças vieram por telefone e pela internet, e o site do jornal foi hackeado. López estima que o jornal tenha feito cerca de 100 queixas junto ao procurador estadual de Sinaloa sobre os ataques e ainda assim permanece “100% de impunidade”.

Essa impunidade é o fio condutor comum em muitos dos empenhos para censurar a mídia no México. Se a origem dos ataques é do crime organizado ou do governo, ou alguma combinação dos dois, o objetivo é sempre o mesmo: intimidar e silenciar jornalistas. “Matar jornalistas é livre no México”, disse López. Existe estrutura formal para investigar crimes, acrescentou, mas é apenas uma simulação.

A Comissão Nacional de Direitos Humanos do México afirmou em novembro de 2016 que 119 jornalistas foram mortos desde o início de 2000 e 20 desapareceram entre 2005 e 2015. Houve 50 ataques às redações na última década. Em 90 por cento dos casos, os crimes ficaram impunes, disse a comissão. A ameaça é mais forte contra os meios de comunicação independentes nas províncias do México, onde uma série de jornais independentes de propriedade de famílias precisam se equilibrar com cuidado ao tentarem cobrir a notícias de uma forma que responsabilize o governo.

Esses jornais estavam entre os mais importantes da mídia mais assertiva que contribuíram para a longa transição democrática do México, segundo Javier Garza, ex-editor do El Siglo de Torreón. Essa transição parecia estar pronta com a eleição em 2000 de um presidente de um partido da oposição depois de mais de sete décadas de governo do Partido Revolucionário Institucional, conhecido como o PRI. Mas a política mexicana também se tornou mais confusa. Libertos das velhas estruturas da regra do partido único, os governadores tornaram-se todo-poderosos, independentemente de serem do PRI ou da oposição.

Ao mesmo tempo, os conflitos entre os cartéis de narcotráfico ficaram mais violentos à medida que o governo federal os reprimia. Os governos estaduais e locais muitas vezes ficaram à margem e o crime organizado abriu caminho para o poder, comprando, cooptando e ameaçando funcionários públicos e a polícia.

“Se o governo está infiltrado pelo crime organizado, então temos redes inteiras de cumplicidade”, disse Mariclaire Acosta, ativista de direitos humanos e diretora da Freedom House no México. “Tudo tem a ver com a ação ou omissão das autoridades”.

A conexão entre o crime organizado e as autoridades significa que qualquer esforço para silenciar os jornais por um protagonista pode funcionar em benefício de outros. Se um jornal parar de cobrir a violência do tráfico de drogas, por exemplo, o silêncio remove uma fonte de pressão para o governo local para parar os ataques. Se o governo denomina um ataque a um jornalista como um crime comum, ele dá o recado às gangues de que estão livres para agir.

“O governo e os grupos criminosos se beneficiam uns dos outros”, disse Daniel Rosas, repórter e editor da edição online do jornal El Mañana, na cidade de Nuevo Laredo, na fronteira com o Texas (EUA). “Há uma simbiose”. El Mañana está na linha de frente da guerra às drogas; o redator Roberto Mora foi assassinado em 2004 depois de criticar a inação do governo diante dos cartéis de droga que estavam começando a dominar as comunidades.

O assassinato mandou um recado inequívoco de que o crime organizado não toleraria certos tipos de cobertura. Dois anos depois, um grupo armado irrompeu na redação, atirou contra a equipe e arremeçou uma granada de fragmentação, deixando um repórter paralisado.

Em 2012, homens armados lançaram uma granada e dispararam contra a fachada do edifício do El Mañana, embora ninguém tenha ficado ferido. Como o Noroeste, El Mañana também sofreu outros ataques, inclusive a seus entregadores de motocicleta, e em seus servidores de internet. Às vezes, os repórteres e redatores recebem aviso com antecedência advertindo-os para não publicar uma determinada matéria.

A violência – e a falta de investigação e julgamento por parte das autoridades – forçaram o jornal a fazer uma escolha difícil: O El Mañana já não publica matérias sobre o crime organizado em Nuevo Laredo.

“Não há nenhuma regra de direito que garanta que eu estarei protegido pelo que digo”, disse Ninfa Cantú, editora de El Mañana e neta do fundador do jornal.

O silêncio pode parecer intrigante para os leitores. “É absurdo não publicar o que todo mundo sabe que está acontecendo, o que está na mídia social”, disse Rosas.

Parece ainda mais estranho porque o El Mañana cobre a violência derivada das drogas no resto do seu estado, Tamaulipas, e em todo o México. Ao mesmo tempo, outros meios de comunicação de Tamaulipas cobrem a violência em Nuevo Laredo, incluindo os jornais que também se chamam El Mañana nas cidades fronteiriças de Reynosa e Matamoros, a leste do país. Eles foram fundados pelo avô de Cantú, mas se separaram décadas atrás.

Toda esta informação está disponível online, o que torna ainda mais difícil entender por que a quadrilha local de drogas em Nuevo Laredo está tão preocupada com o que os jornais locais imprimem.

“É mais uma situação de controle”, disse Rosas. “Quando temos nossas reuniões editoriais, perguntamos sobre o que podemos redigir e sobre o que não podemos escrever”.

Mas se o El Mañana não pode escrever diretamente sobre a violência em Nuevo Laredo, seus jornalistas encontraram muitas outras maneiras de cobrir a história de sua cidade.

O jornal não se esquivou de cobrir a corrupção oficial e foi muito crítico com o ex-governador do estado por sua incapacidade de combater o crime organizado. Ele reportou sobre os casos de dois governadores anteriores que foram indiciados nos Estados Unidos quanto às drogas.

O que também importa para os leitores é o efeito da violência sobre o investimento na cidade, que é um importante centro no cruzamento de fronteiras e um centro de montagem. Rosas começou uma nova equipe de investigação que vai assumir questões como a poluição e acompanhar as atividades dos legisladores.

“A única coisa sobre a qual não podemos escrever é a violência e o narcotráfico local”, disse Mauricio Flores, diretor-adjunto do jornal.

O vínculo entre governo local e o crime organizado em Tamaulipas leva a uma longa lista de assuntos que são “intocáveis” para repórteres no estado, disse Garza, incluindo o tráfico de drogas. Isso abrange o contrabando de migrantes e a corrupção entre as autoridades de migração; a alfândega; e prostituição e extorsão em boates locais.

No Noroeste, em Sinaloa, as ameaças não impediram o jornal de cobrir o tráfico de drogas, mas adotou uma abordagem mais cuidadosa, como manter a violência fora da primeira página, a menos que a notícia seja parte de um contexto maior. “O Noroeste não pode ser parte da comunicação narco”, disse López.

E continua a publicar histórias de investigação, como a cobertura de tortura de suspeitos pela polícia, o plano de um ex-governador de construir uma fábrica de fertilizantes em zonas úmidas protegidas, e a opacidade em torno de lucrativas licitações para construir dois hospitais.

“Existem condições de praticar um bom jornalismo”, disse López. Mas ele acrescentou: “Nosso jornalismo tem que criticar com investigações muito precisas”. Muitas dessas reportagens são reproduzidas pela imprensa nacional, e a visibilidade dá uma medida de proteção ao jornal.

O Noroeste também tem focado sua cobertura em outras questões – como o empreendedorismo ou soft news [mídia leve] – que interessam aos leitores em Sinaloa, que tem uma sociedade empresarial vibrante e um forte senso de comunidade centrado em esportes, música e alimentos.

O jornalismo de alta qualidade dos dois jornais garante leitores leais, circulação forte e publicidade estável. Isso, por sua vez, fornece um amortecedor comercial em um tempo em que jornais do México, como em toda parte, estão às voltas com o declínio da publicidade impressa.

O estresse econômico significa que muitos jornais – e meios de comunicação – são presas fáceis de outro tipo de censura, o empenho do governo de simplesmente comprar os meios de comunicação ao jogar dinheiro na publicidade. A pesquisa da Fundar, um grupo de vigilância do governo na Cidade do México, e do grupo de expressão livre internacional Artigo 19 documentou o gasto de um equivalente a centenas de milhões de dólares para publicidade anual dos governos federal e estadual – uma forma de “censura leve”, que é derramar dinheiro em dezenas de jornais nas províncias que parecem existir apenas para transmitir dissimulados comunicados de imprensa que contam como os funcionários públicos supervisionam a distribuição de folhetos em bairros pobres ou inauguram obras públicas.

A publicidade oficial pode ficar em até 30% da receita publicitária para a mídia nacional e 80% para os jornais e emissoras regionais, disse Ana Cristina Ruelas, diretora do artigo 19 do México e da América Central. “A quantidade é impressionante”, disse ela. Mas os políticos se comportam como se “fosse mais barato comprar a mídia do que fazer um bom governo”, acrescentou.

Enquanto cai a rentabilidade com publicidade, as receitas do governo se tornam ainda mais importantes para os jornais. Mas o Noroeste e o La Mañana podem se dar ao luxo de se virar com pouca ou nenhuma publicidade governamental. No nível federal, esse fluxo de publicidade aumentou sob a presidência de Enrique Peña Nieto, que levou o PRI de volta ao poder em 2012. Embora a mídia nacional fosse menos aquiescente do que os locais, a cobertura do governo federal ficou mais abafada do que durante governos anteriores de oposição. Isso mudou em 2014, depois que uma equipe investigativa colaborando com a jornalista radiofônica Carmen Aristegui revelou que a esposa de Peña Nieto tinha comprado uma mansão de luxo em termos vantajosos ​​de um prestador de serviços ao governo. A notícia contribuiu para um declínio da popularidade do presidente.

Aristegui foi demitida quatro meses depois por seu empregador, MVS communications, por causa de um site de denúncias de irregularidades que ela ajudou a criar. A MVS disse que ela havia usado o nome da companhia sem permissão, mas muitos viram a demissão como retaliação. Apesar das altas taxas de aprovação e de visibilidade que ela poderia trazer, nenhuma outra emissora a contratou (embora ela continue num show de entrevistas na CNN em espanhol e tenha uma coluna no diário Reforma da Cidade do México). O proprietário da MVS, Joaquín Vargas, entrou com uma ação contra Aristegui em maio de 2016, por “danos morais” por sugerir, em um prólogo que escreveu para um livro sobre a investigação, que ele cedeu à pressão do governo quando a demitiu.

Outras figuras públicas estão começando a usar “danos morais” em ações judiciais para tentar sufocar a cobertura. Humberto Moreira, ex-governador que multiplicou a dívida do estado de Coahuila por 100 vezes, está processando o jornal Vanguardia e a repórter Roxana Romero por documentar que estava recebendo aposentadoria de professor sem cumprir os requisitos para tal.

O jornal, com sede na capital do estado de Coahuila, em Saltillo, também foi alvo de um cyber ataque de negação de serviço em seus servidores, e Romero foi seguida até em casa uma noite, de acordo com um editorial do Vanguardia.

Moreira entrou com mais dois processos contra um conhecido apresentador de rádio, Pedro Ferriz de Con, e um destacado ativista e colunista de direitos humanos, Sergio Aguayo.

Para cada caso visível, entretanto, há muitas formas mais sutis de censura que são constantes obstáculos aos repórteres. Prefeitos ou governadores chamam os donos de jornais pedindo para atrasar ou interromper um artigo. “Um editor tem que decidir”, disse Garza. “É feito discretamente, é feito muito calmamente”. Muitos repórteres são pagos por matéria e não podem se dar ao luxo de ver um artigo cravado, que os empurra para cobrir as notícias que não desafiam ninguém, como eventos oficiais. Andrés Resillas, que dirige um site no estado de Michoacán, lida com êxito todas essas ameaças por conta própria.

Ele começa por rejeitar a publicidade do governo que vem com condições. Ele conta que quando faz uma investigação e pede a versão do governo, “eles sempre levantam a questão da publicidade e eu lhes digo, se você quiser tirá-la, então vá em frente.” Em vez disso, ele trabalha em outros empregos para ajudar a sustentar seu site, a Revista Búsqueda, como dar aula a jornalistas.

Sua independência tem mais um preço; seu site foi hackeado quatro vezes nos últimos 18 meses, talvez uma resposta a suas reportagens sobre a corrupção da autoridade eleitoral do estado. “A segurança digital é onde temos que colocar mais ênfase porque é onde estamos vulneráveis”, disse ele. Um funcionário eleitoral ameaçou processar e Resillas, em defesa, postou todos os documentos comprovantes da investigação na sua página do Facebook.

Michoacán é um centro para o crime organizado e lá, também, Resillas foi forçado a pisar com cautela. Por um ano, ele não publicou nada sobre o tráfico de drogas. Agora, ele reproduz matérias sobre o crime organizado e a resistência local no estado, que são publicadas pelo jornal nacional Reforma, embora os jornais locais permaneçam em silêncio.

Pode ser arriscado dar visibilidade às questões em seu site. “É como esticar um elástico e quando você vê que vai arrebentar, você solta um pouco”, disse ele.

Ele pode muito bem estar descrevendo a tensão de muitos repórteres mexicanos e a resposta que devem avaliar todos os dias.

Elisabeth Malkin é repórter do New York Times na Cidade do México e vive no México desde 1992.

Exit mobile version