Corte Interamericana condena sentença de difamação

Nova York, 28 de setembro de 2004 – Numa decisão com grandes repercussões para a liberdade de imprensa na América Latina, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que uma sentença de difamação no Paraguai violou o direito internacional. A Corte, numa decisão emitida neste mês, considerou que o próprio processo penal violou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos porque era uma “limitação excessiva em uma sociedade democrática”.

A Corte é um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) e suas decisões são vinculantes para os países que aceitaram a sua jurisdição. A sentença, somada a uma decisão que revogou uma condenação de difamação na Costa Rica, parece assinalar uma mudança de rumo radical contra as leis penais de difamação na América Latina.

O caso paraguaio remonta a agosto de 1992, quando o candidato à presidência Ricardo Canese questionou o rival Juan Carlos Wasmosy sobre seus vínculos com o ex-ditador Alfredo Stroessner. Em declarações feitas à imprensa local, Canese assinalou que Wasmosy, que depois se tornou presidente, era testa de ferro de Stroessner na construtora CONEMPA, uma das firmas que se associou ao contrato para construir a gigantesca central hidrelétrica de Itaipu, na fronteira do Paraguai com o Brasil.

Em outubro de 1992, vários sócios da CONEMPA, que Canese não havia mencionado em suas declarações, o processaram por injúria e calúnia. Em março de 1994, um juiz sentenciou Canese a quatro meses de prisão e o condenou a pagar uma multa de 7.500 dólares norte-americanos. Em novembro de 1997, um tribunal de apelações rechaçou a apelação de Canese, mas reduziu sua sentença a dois meses de prisão e uma multa de 600 dólares norte-americanos. A Corte Suprema desprezou um recurso de revisão, e Canese levou o caso ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A comissão é o órgão da OEA encarregado de promover a observação e a defesa dos direitos humanos.

Em junho de 2002, a comissão pediu à Corte Interamericana que declarasse que o Paraguai violou o direito à liberdade de pensamento e expressão de Canese, assim como outros direitos garantidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos. No final de 2002, a Corte Suprema, temendo uma sentença contrária ao Estado paraguaio, absolveu Canese; ainda assim o caso prosseguiu ante a Corte Interamericana.

A Corte Interamericana, em uma decisão que se tornou pública em 14 de setembro, determinou que tanto a sentença como o processo em si violaram o Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que garantem a liberdade de expressão. A Corte Interamericana, que se encarrega de interpretar a Convenção Americana, também ordenou ao Paraguai que pagasse a Canese 35.000 dólares norte-americanos de indenização.

A Corte considerou que o processo penal e a sentença “constituíram uma sanção desnecessária e excessiva por declarações que emitiu a suposta vítima durante a campanha eleitoral, a respeito de outro candidato à Presidência e sobre assuntos de interesse público”. Essas sanções “limitaram o debate aberto sobre temas de interesse ou preocupação pública”, assinalou a Corte.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), que colabora na luta pela eliminação das leis penais de difamação na América Latina, deu as boas-vindas à sentença da Corte.

“Este é um grande passo adiante para a liberdade de expressão e a campanha para descriminalizar a difamação na América Latina que pode ter ampla repercussão em todo o mundo”, disse a Diretora-Executiva do CPJ, Ann Cooper. “A lógica jurídica desta decisão torna necessário que os governos latino-americanos se abstenham de processar jornalistas por difamação e que reformem as leis de difamação para eliminar as sanções penais”.

A decisão Canese se soma a uma sentença de agosto que envolveu o diário La Nación, da Costa Rica. Neste caso, a Corte revogou a sentença de difamação do jornalista Mauricio Herrera Ulloa, e ordenou à Costa Rica compensá-lo por danos. Em voto convergente, o juiz Sergio García Ramírez, presidente da Corte, questionou a idéia básica da criminalização da difamação e sugeriu que as ditas leis devem ser eliminadas.

Em 10 de setembro, Eduardo Bertoni, relator especial para a liberdade de expressão da OEA, organizou um encontro nos escritórios do CPJ para debater a sentença do caso Herrera Ulloa. Uma declaração ratificada por defensores da liberdade de expressão reafirmou: “A criminalização da difamação é uma resposta desproporcional e desnecessária à necessidade de proteger reputações [e]… as leis civis proporcionam uma reparação suficiente para todos aqueles que reclamam haver sido difamados”.

Para ler a declaração, em espanhol, acesse: ParaguayDefam28sept04_Sp.html.

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