O bairro da Rocinha, no Rio de Janeiro. Estes bairros, ou favelas, têm sido arriscados para os repórteres (AP/Felipe Dana)

Lar da Bossa Nova, anfitrião das Olimpíadas… e um risco para jornalistas

Por Frank Smyth, Consultor sênior de segurança para jornalistas

O bairro da Rocinha, no Rio de Janeiro. Estes bairros, ou favelas, têm sido arriscados para os repórteres (AP/Felipe Dana)
O bairro da Rocinha, no Rio de Janeiro. Estes bairros, ou favelas, têm sido arriscados para os repórteres (AP/Felipe Dana)

As montanhas recortadas do Rio de Janeiro descem em direção ao Atlântico para um vale com clima ameno no qual surgem duas célebres praias.  Aqui é a cidade que deu ao mundo um novo e eclético ritmo musical com a Bossa Nova, a joia sul-americana que vai sediar os Jogos Olímpicos de verão em 2016. Entretanto, o Rio também tem sido palco de violência contra jornalistas, uma tendência novamente em ascensão em todo o país.

Dez anos atrás eu fui ao Rio para o CPJ depois do sequestro, tortura, e execução sumária do jornalista da TV Globo Tim Lopes, um pai de família de 51 anos. Uma conferência organizada por Rosental Calmon Alves, o diretor brasileiro do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da qual participou a maior federação sindical de jornalistas do Brasil, levou à criação da ABRAJI, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Em reação ao assassinato de Lopes, a ABRAJI tomou o exemplo do grupo norte-americano IRE, Investigative Reporters and Editors. Em 1976, um dos membros fundadores do IRE, Don Bolles, foi morto por um carro-bomba em Phoenix, Arizona. Em resposta, seus colegas inundaram Phonex com mais repórteres investigativas do que os mafiosos locais poderiam ter imaginado. Suas reportagens ajudaram a levar os assassinos do jornalista, marido e pai de 47 anos à justiça.

O caso  estabeleceu um poderoso exemplo, que a ABRAAJI pretendia igualar. Em 2005, reportagens feitas por colegas de Tim na ABRAJI, combinadas com a pressão da TV Globo, ajudaram a levar à condenação a 28 de prisão de um jovem traficante que, por um tempo, dominou uma favela, ou bairro, encravada nas encostas que circundam o Rio. Foi um final feliz para uma história, de outro modo, trágica. 

Mas isso não durou. Em 2008, dois jornalistas e seu motorista realizavam uma reportagem disfarçados, como Lopes estava fazendo, em outra favela do Rio quando foram sequestrados e torturados. Suspeita-se que uma milícia com ligações com a polícia esteve por trás do ataque.

Infelizmente, o Brasil atualmente lidera a região em casos de assassinato de jornalistas. A Global Journalist Security, consultoria privada e empresa de treinamento que dirijo, paralelamente ao trabalho de assessoria ao CPJ em questões de segurança de jornalistas  em tempo parcial, preparou uma análise tática dos ataques contra jornalistas brasileiros.

Ao menos 22 jornalistas morreram no Brasil em relação direta com seu trabalho nos últimos 20 anos e, com exceção de um, todos foram assassinados. Matadores profissionais executaram mais da metade dos homicídios, disse à audiência, que incluía muitos estudantes de jornalismo, no congresso da ABRAJI esta semana em São Paulo. A maioria dos jornalistas foi assassinada a tiros perto de suas casas ou locais de trabalho, ou quando se deslocavam entre esses dois lugares. Dois jornalistas foram sequestrados e mantidos por diferentes períodos de tempo antes de serem executados.

No último ano e meio foi ainda pior. Esta semana, pouco antes do início do congresso da ABRAJI, um pistoleiro em uma motocicleta matou um radialista que apresentava um programa de esportes, Valério Luiz de Oliveira, em frente ao estúdio na cidade de Goiânia, no centro-oeste do país. Nove jornalistas foram assassinados no Brasil durante os últimos 19 meses e, enquanto o CPJ continua a investigar os motivos, ao menos quatro deles foram claramente mortos em represália por seu trabalho.

Os assassinatos de jornalistas aumentaram – assim como o de ativistas ambientais, a uma taxa ainda maior –  apesar do declínio geral no número de homicídios nas cidades brasileiras.  

Muitos dos recentes homicídios de jornalistas ocorreram no Nordeste, que está entre as regiões mais pobres do país. Aqui e em outros lugares, a contratação de assassinos profissionais é comum: eles parecem realizar uma vigilância dos jornalistas antes de matá-los perto de suas casas ou locais de trabalho, para rapidamente fugir da cena do crime.

Os assassinos também não parecem se preocupar com testemunhas. Um jornalista foi morto em seu restaurante favorito por um homem que calmamente entrou, atirou quatro vezes à queima-roupa, e fugiu com um cúmplice em uma motocicleta.  Em outro caso, um homem entrou em um bar, foi até o banheiro e, em seguida, disparou seis vezes contra um jornalista. 

É uma triste história para uma nação tão vibrante, uma potência econômica emergente, a quarta maior democracia do mundo, e o quinto país mais populoso. Mas, como disse à plateia da ABRAJI, o Brasil também carrega a desonrosa posição entre os piores colocados no Índice de Impunidade do CPJ, que destaca os países  onde jornalistas são mortos sistematicamente e os responsáveis ficam livres.

Existe uma solução? Muitos estudantes perguntaram.

Os jornalistas brasileiros precisam de treinamento especializado para enfrentar estas ameaças. E ABRAJI, TV Globo, e jornalistas individualmente articulados com a comunidade de imprensa devem agir para que tanto a sociedade civil quanto o governo, em todos os níveis, tomem conhecimento. Se o Brasil quiser ocupar seu espaço como líder internacional, acrescentei, precisa levar os assassinos de jornalistas e de outros à justiça.

(Reportagem do Rio de Janeiro e de São Paulo)