Equador deve rejeitar projeto de lei de comunicação

27 de abril de 2012
Fernando Cordero Cueva
Presidente da Assembleia Nacional
Quito, Equador

Ex.º Senhor Cordero,

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) está seriamente preocupado com o novo projeto de comunicação, atualmente em debate na Assembleia Nacional, que provocaria um retrocesso da liberdade de imprensa ao promover a autocensura e restrições à crítica a funcionários públicos.

Apesar de o projeto ser promovido como uma medida para democratizar a propriedade e o acesso aos meios de comunicação, uma análise do CPJ sobre a legislação concluiu que várias cláusulas poderiam limitar severamente a liberdade de expressão no Equador e que sua linguagem ambígua outorgaria ao Conselho de Regulamentação e Desenvolvimento da Comunicação, organismo regulador oficial, amplo poder discricionário para impor sanções arbitrárias e censurar a imprensa.

O projeto inclui cláusulas com redação vaga que estipulam o direito cidadão à informação “veraz, verificada, contextualizada e oportuna”, mas os jornalistas temem que estes critérios possam ser utilizados pelas autoridades para censurar a cobertura crítica. A regulamentação é contrária à Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que estabelece: “Condicionamentos prévios, tais como veracidade, oportunidade ou imparcialidade por parte dos Estados são incompatíveis com o direito à liberdade de expressão reconhecido nos instrumentos internacionais”.

As disposições que proíbem a difusão pelos meios de comunicação de mensagens que constituam “incitação indireta ou estímulo expresso ao uso ilegítimo da violência, ao cometimento de qualquer ato ilegal, ao tráfico de pessoas, à exploração, ao abuso sexual, apologia da guerra e do ódio nacional, racial ou religioso” é suficiente amplo para dar abertura a interpretações por um Poder Executivo que utilizou diversos meios para silenciar jornalistas críticos no passado, de acordo com pesquisa do CPJ.

Enquanto a imprensa está sujeita a novas limitações para exercer sua liberdade de expressão, o contrário ocorre com os funcionários públicos. O projeto ampliará o uso de redes, discursos presidenciais que ocupam toda a programação em nível nacional. O projeto não estipula limites para os direitos dos funcionários dos governos nacional e locais de exigir tempo gratuito para transmitir informações ao público, e elimina um regulamento existente para o uso de redes “exclusivamente para informar sobre as atividades dos respectivos cargos, Ministérios ou entidades públicas”. Isto legalizará o que tem sido uma prática do presidente Rafael Correa, que utiliza com frequência as redes para lançar campanhas de descrédito contra jornalistas e meios de comunicação críticos, segundo a pesquisa do CPJ.

O CPJ também está preocupado porque o projeto não inclui nada que estabeleça que os funcionários públicos devam estar sujeitos a um nível de escrutínio maior que os cidadãos comuns. A pesquisa do CPJ mostra que Correa e outros funcionários do governo têm usado as disposições sobre difamação, tanto penais quanto civis, para alegar dano à reputação como parte de uma campanha sistemática para silenciar os jornalistas críticos, uma tática que constitui um dos ataques mais sérios contra a imprensa equatoriana. O uso de anacrônicas leis de difamação no âmbito penal, em particular, contradiz o consenso emergente na América Latina no sentido de que a legislação civil proporciona reparação suficiente aos casos de suposta difamação. Uma lei de comunicação que permita o uso contínuo de disposições que amordaçam os jornalistas críticos é, com efeito, uma lei contra a imprensa.

O projeto também inclui novas restrições que poderiam limitar os direitos dos cidadãos de informar e ser informado. Uma cláusula restringe de forma ampla a circulação de informações oficiais decorrentes de investigações judiciais, mas não especifica o tipo de informação cujo acesso será limitado. Defensores da liberdade de imprensa, como a Fundamedios, apontaram que este artigo poderia limitar seriamente o acesso à informação de interesse público.

Outro artigo requer que, com a exceção de colunistas, os que relatam notícias sejam jornalistas profissionais, disposição que contraria o Princípio 6 da Declaração de Princípios que estabelece: “Toda pessoa tem direito a comunicar suas opiniões por qualquer meio e forma. A  filiação compulsória ou a exigência de um diploma universitário para a prática do jornalismo constituem restrições ilegais da liberdade de expressão”.

Como V. Ex.ª sabe, o projeto de lei de comunicação está em debate na Assembleia Nacional desde agosto de 2009, e a iniciativa atual é a décima primeira versão.  Este projeto, em seu presente formato, proporcionará respaldo legal para que o governo continue sua investida contra os meios de comunicação. Limitar a capacidade dos meios de comunicação de realizar seu trabalho debilita seriamente os direitos de cidadãos a estar informados e, como estabelece o artigo 74.6, os meios de comunicação possuem a responsabilidade social de “denunciar o abuso” ou corrupção do governo. Grande parte do texto restante do projeto, entretanto, serve para minar tal responsabilidade.

O projeto também marca a continuação de uma série de outras leis e decisões judiciais que fazem parte de uma batalha empreendida pelo presidente Correa contra a imprensa. Um informe especial do CPJ concluiu que as políticas de Correa transformaram o Equador em um dos países mais repressivos para a imprensa no hemisfério.

O CPJ também está seriamente preocupado com o próprio processo legislativo. Sob a lei equatoriana, o presidente, que possui amplas atribuições pela Constituição adotada em 2008, pode introduzir modificações na lei, inclusive depois de aprovada pela Assembleia Nacional. Portanto, instamos a Assembleia Nacional a descartar o projeto e a elaborar um novo que garanta que a liberdade de expressão e os direitos da imprensa sejam protegidos conforme estabelecem tratados internacionais e convênios sobre direitos humanos que o Equador ratificou.

Agradecemos sua atenção a este urgente assunto e aguardamos sua resposta.

Atenciosamente,

Joel Simon
Diretor-Executivo